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Livro desvenda escândalo de casa milionária de presidente do México

O presidente do México, Enrique Peña Nieto, e sua mulher, Angelica Rivera, durante evento na residência de Los Pinos, na Cidade do México - Eduardo Verdugo/AP
O presidente do México, Enrique Peña Nieto, e sua mulher, Angelica Rivera, durante evento na residência de Los Pinos, na Cidade do México Imagem: Eduardo Verdugo/AP

Jorge Ramos

24/12/2015 06h01

Exercer o jornalismo livre no México é, às vezes, quase um ato heroico. Cerca de 80 jornalistas foram assassinados em uma década, e muitos outros são reprimidos. É o caso dos autores do corajoso livro "La Casa Blanca de Peña Nieto".

Os mexicanos sempre havíamos suspeitado de que nossos presidentes e ex-presidentes se aproveitavam de seus cargos e de seus contatos para se beneficiarem. Víamos as casas, as viagens e os luxos, mas nunca pudemos comprovar nada. Até agora.

A extraordinária investigação do novo livro não deixa dúvida sobre o conflito de interesses, a corrupção e a censura no México.

Os autores concluem, com dados e documentos, que o presidente do México, Enrique Peña Nieto, e sua mulher, Angélica Rivera, obtiveram uma casa avaliada em milhões de dólares de uma empreiteira contratada pelo governo.

E as filiais dessa firma --Grupo Higa-- "ganharam mais de 8 bilhões de pesos (cerca de R$ 1,85 bilhões), segundo a investigação, quando Peña Nieto foi governador do Estado do México. Atualmente têm contratos no valor de milhões com o governo federal --incluindo alguns para o hangar presidencial, a estrada Guadalajara-Colima e um gigantesco aqueduto.

Onde está o conflito de interesses? Aqui: a empreiteira se encarregou de construir a casa "sem pedir pagamento algum durante quase dois anos e meio", afirma a reportagem.

"Desse modo, o empresário financiou para Angélica Rivera uma luxuosa residência sem adianto econômico, sem sinal nem contrato. Que cidadão tem tais benefícios?"

Além disso, a venda da casa foi por um valor muito inferior -- 54 milhões de pesos (US$ 4,5 milhões em 2012)-- à avaliação independente feita pelos jornalistas.

O investigador do governo, Virgilio Andrade, não viu nada estranho em sua pesquisa oficial. "As relações não são proibidas", disse. "É preciso comprovar a materialização dos benefícios."

Que benefício maior que pagar menos por uma casa, não fazer nenhum pagamento durante mais de dois anos e receber um financiamento privilegiado? Isso em qualquer parte do mundo se chama corrupção. Bem, talvez no México não.

Deram uma casa ao presidente e sua mulher em troca de contratos governamentais?, perguntei aos jornalistas Daniel Lizárraga e Sebastián Barragán, dois dos autores do livro (junto com Rafael Cabrera e Irving Huerta).

"Sim, esse é o núcleo da reportagem", disse-me Lizárraga. "Se isso não é trafico de influências, diante de que estamos?"

Este não é um problema de percepção, como sugeriu o presidente Peña Nieto. "Estou consciente e reconheço que esses acontecimentos derem lugar a interpretações que ofenderam e indignaram muitos mexicanos", disse antes de desculpar-se.

Mas a culpa não é dos mexicanos que acreditaram que havia algo podre. A culpa é do presidente e de sua mulher.

O mais indignante de tudo, para muitos mexicanos, é que os jornalistas que fizeram a denúncia perderam o emprego. A maior parte da equipe de Carmen Aristegui --que, firme e honradamente, foi a voz e a face pública nessa denúncia-- foi demitida, com uma desculpa, da rádio onde trabalhavam. Mas para eles está claro que se tratou de um caso de censura.

Houve censura direta de Los Pinos neste caso? "Eu creio que sim", disse-me Lizárraga. "Creio que não queriam que soubessem da existência da casa."

Conseguiram calá-los? "Não", disse-me Barragán. "Continuamos trabalhando e é provável que haja uma recontratação da equipe [de Carmen Aristegui]. Mas posso lhe garantir que em breve publicaremos mais informações."

A história é implacável. Quando Peña Nieto deixar a Presidência, será lembrado pela vantajosa maneira como chegou a Los Pinos, pelos estudantes desaparecidos de Ayotzinapa, pela fuga do narcotraficante "Chapo" e por uma casa que queimou sua reputação.

O México é um país que, em geral, odeia seus ex-presidentes. Temos razões de sobra. E a vingança chega quando eles deixam o poder.

Peña Nieto entenderá tarde demais que não há nada mais triste e solitário que um ex-presidente jovem que constantemente é lembrado --na rua, nas redes sociais, nos lugares públicos-- de que o apanharam em fraude. Vendeu sua reputação por uma casa, e isso não pode ser pintado de branco.

(PS: "Por que você continua escrevendo sobre isso?", perguntam-me. Bem, porque é a única coisa que podemos fazer do estrangeiro para apoiar os jornalistas que todos os dias se arriscam no México. Aqui está a entrevista de televisão com os autores do livro: https://www.youtube.com/watch?v=v3yn2FqXea4&feature=youtu.be)