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Por que os Estados Unidos regulamentam os bancos

15/05/2012 00h01

Um dos personagens do filme clássico de 1939 “Stagecoach” (“No Tempo das Diligências”) é um banqueiro chamado Gatewood que faz pregações para a sua plateia cativa sobre os males da intervenção governamental, especialmente a regulamentação dos bancos.

“O governo faz isso como se nós, banqueiros, não soubéssemos como administrar os nossos próprios bancos!”, exclama. No decorrer do filme nós ficamos sabendo que Gatewood está na verdade fugindo da cidade com um saco cheio de dinheiro obtido de forma irregular.

Até onde sabemos, Jamie Dimon, diretor presidente do JPMorgan Chase, não está planejando nada do gênero. Entretanto, o executivo tem demonstrado uma propensão para fazer discursos semelhantes ao de Gatewood sobre como ele e seus colegas sabem o que estão fazendo, acrescentando sempre que os banqueiros não precisam que o governo os monitore. Portanto, existe uma grande dose de justiça poética --e uma grande lição política-- no anúncio chocante feito pelo JPMorgan de que, de alguma forma, a instituição conseguiu perder US$ 2 bilhões em uma operação financeira.

É claro que os empresários são seres humanos --embora os lordes da finança apresentem uma tendência a se esquecerem disso-- e, sendo assim, a todo momento eles cometem erros que implicam prejuízos. Isso por si só já é um motivo pelo qual o governo deve se envolver nesse setor. Mas os bancos são especiais, já que os riscos que eles assumem são financiados, em grande parte, pelo contribuinte e pela economia como um todo. E o que o JPMorgan acaba de demonstrar é que até mesmo banqueiros supostamente inteligentes podem ser bastante limitados no que se refere aos tipos de risco que eles recebem permissão para assumir.

Por que, exatamente, os bancos são especiais? Porque a história nos mostra que o sistema bancário está, e sempre esteve, sujeito a “pânicos” destrutivos ocasionais, que podem gerar o caos na economia como um todo. A atual mitologia de direita afirma que um mau desempenho bancário é sempre resultado da intervenção governamental, seja do Federal Reserve, seja dos parlamentares liberais.

A verdade, porém, é que os Estados Unidos da “Era Dourada” --quando a intervenção governamental era mínima e não havia Federal Reserve-- eram sujeitos a ondas de pânico mais ou menos uma vez a cada seis anos. E algumas desses episódios de pânico provocaram grandes prejuízos econômicos.

Sendo assim, o que pode ser feito? Na década de 30, após o maior de todos os pânicos bancários, nós chegamos a uma solução viável, que envolvia garantias e monitoramento. Por um lado, a magnitude do pânico foi reduzida devido ao seguro para depósitos garantido pelo governo; por outro lado, os bancos ficaram sujeitos a regulamentações cujo objetivo era impedir que eles abusassem do status privilegiado derivado desse seguro, que se constitui na verdade em uma garantia dada pelo governo de resgate das dívidas dessas instituições. O mais interessante é que os bancos que contavam com garantias governamentais referentes aos seus depósitos puderam se engajar naquele tipo de especulação frequentemente arriscada que tornou famosos bancos de investimentos como o Lehman Brothers.

O sistema nos proporcionou meio século de relativa estabilidade financeira. Todavia, as lições da história acabaram sendo esquecidas. Novas formas de operações bancárias sem garantias governamentais se proliferaram, enquanto que os bancos, tanto os tradicionais quanto os novos, recebiam carta branca para assumirem riscos cada vez maiores. E nós acabamos enfrentando a versão do século 21 do pânico bancário da Era Dourada, com consequências terríveis.

Portanto, está claro que precisamos reinstituir aqueles tipos de salvaguardas que permitiram que usufruíssemos de um período de algumas gerações no qual não foram registrados grandes pânicos bancários. Ou melhor, isso está claro para todos, exceto para os banqueiros e os políticos que deles recebem dinheiro. Isso porque, agora, após terem sido socorridos pelo governo, os banqueiros adorariam voltar a atuar da mesma forma. E será que eu já mencionei que Wall Street está fornecendo grandes somas de dinheiro a Mitt Romney, que prometeu repelir as recentes reformas financeiras?

É aí que entra Dimon. O JPMorgan e Dimon, é justo que se diga, conseguiram evitar vários daqueles péssimos investimentos que colocaram outros bancos de joelhos. Essa aparente manifestação de prudência fez de Dimon o sujeito escolhido por Wall Street para adiar, diluir ou repelir as reformas financeiras. Ele tem sido particularmente combativo na sua oposição à Lei Volcker, que impediria que os bancos que contam com garantias governamentais para os seus depósitos se engajassem nas operações denominadas “proprietary trading”, que consistem basicamente em especular com o dinheiro dos clientes. O que o presidente do JPMorgan está na verdade dizendo é: “Simplesmente confiem em nós; tudo está sob controle”.

Mas aparentemente isso não é verdade.

O que o JPMorgan fez de fato? Até onde podemos determinar, ele usou o mercado de derivativos --instrumentos financeiros complexos-- para fazer uma aposta enorme na segurança das dívidas corporativas, algo semelhante às apostas que a seguradora AIG fez nas dívidas imobiliárias alguns anos atrás. A questão principal não é a aposta ter redundado em fracasso. O que de fato importa é que instituições que desempenham um papel fundamental no sistema financeiro não deveriam se meter com tais apostas, e muito menos aquelas instituições que contam com garantias baseadas no dinheiro do contribuinte.

No momento Dimon parece ter se retraído, chegando até mesmo a admitir que talvez os defensores de uma regulamentação mais forte tenham certa razão. Mas essa atitude provavelmente não durará. Eu acredito que Wall Street retornará à sua arrogância usual dentro de algumas semanas, ou mesmo dias.

Mas a verdade é que nós acabamos de presenciar uma demonstração objetiva do motivo pelo qual Wall Street precisa de fato ser regulamentada. Obrigado, Jamie Dimon.