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Europa tem que ser paciente com a Grécia para evitar uma catástrofe gratuita

Alkis Konstantinidis/Reuters
Imagem: Alkis Konstantinidis/Reuters

Paul Krugman

23/04/2015 00h04

“Você não acha que eles querem que a gente fracasse?”

Ouvi essa pergunta diversas vezes durante uma visita breve, mas intensa, a Atenas. Minha resposta foi que não há um “eles” -- que a Grécia não enfrenta, de fato, um bloco sólido de credores implacáveis e que preferem vê-la dar um calote e sair do euro do que deixar que um governo de esquerda tenha sucesso e que há mais boa vontade do outro lado da mesa do que muitos gregos supõem.

Mas dá para entender por que os gregos veem as coisas dessa forma. E eu voltei temendo que a Grécia e a Europa sofram um terrível acidente, uma ruptura desnecessária que lance longas sombras sobre o futuro. 

A história até agora é a seguinte: no final de 2009, a Grécia enfrentou uma crise impulsionada por dois fatores: alta da dívida e custos e preços inflacionados que deixaram o país pouco competitivo. 

A Europa respondeu com empréstimos que mantiveram o dinheiro fluindo, mas apenas sob a condição de que a Grécia adotasse políticas extremamente dolorosas. Estas incluíram cortes de gastos e aumentos de impostos que, se ocorressem nos Estados Unidos, equivaleriam a US$ 3 trilhões (em torno de R$ 8 trilhões) por ano. Houve também cortes de salários em uma escala difícil de imaginar, com a média dos salários caindo 25% em relação ao pico. 

Esses imensos sacrifícios deveriam produzir uma recuperação. Em vez disso, a destruição do poder de compra aprofundou a recessão, criando um sofrimento do nível da Grande Depressão e uma enorme crise humanitária. 

No sábado, visitei um abrigo para os sem-teto e ouvi relatos comoventes de um sistema de saúde em colapso: pacientes recusados em hospitais porque não tinham como pagar a taxa de entrada de 5 euros (cerca de R$ 15), dispensados das clínicas sem os remédios necessários porque estavam em falta e muito mais. 

Tem sido um pesadelo sem fim, mas, ainda assim, o establishment político da Grécia, determinado a permanecer na Europa e temendo as consequências do calote e da saída do euro, ateve-se ao programa, ano após ano. Por fim, o público grego não aguentou mais. Enquanto os credores exigiam ainda mais austeridades --em uma escala que poderia muito bem ter feito a economia contrair mais 8% e conduzido o desemprego a 30%--, a nação votou na Syriza, uma coalizão genuinamente de esquerda (e não de centro-esquerda), que prometeu mudar o curso da nação. Será que a saída da Grécia do euro pode ser evitada?

Sim, pode. A ironia da vitória da Syriza é que ocorreu justo no momento em que é possível um acordo viável. 

O ponto crucial é que a saída do euro seria extremamente cara e perturbadora para a Grécia, e representaria enormes riscos políticos e financeiros para o resto da Europa. Portanto é algo a ser evitado, se houver uma alternativa decente. E há, ou deveria haver. 

Ao final de 2014, a Grécia tinha conseguido obter um pequeno superavit “primário”, com as receitas de impostos superando os gastos, excluindo os pagamentos de juros. Isso é tudo o que os credores podem razoavelmente exigir, pois você não pode espremer sangue de uma pedra. Enquanto isso, os cortes salariais tornaram a Grécia competitiva nos mercados mundiais -- ou a teriam tornado competitiva, se houvesse alguma estabilidade. 

O formato do acordo, portanto, seria simples: basicamente, uma paralisação na imposição de novos esforços de austeridade, com a Grécia concordando em fazer pagamentos significativos aos seus credores, mas não sempre crescentes. Tal acordo estabeleceria um cenário para a recuperação econômica; talvez lento no início, mas, por fim, ofereceria alguma esperança. 

Neste momento, entretanto, este acordo não parece estar sendo costurado. Talvez seja verdade, como os credores dizem, que é difícil lidar com o novo governo grego. Mas o que você espera quando os partidos que não têm nenhuma experiência anterior de governo assumem o posto deixado por uma equipe desacreditada? 

Principalmente, os credores estão exigindo coisas como grandes cortes nas pensões e no emprego público, que um governo recém-eleito de esquerda simplesmente não pode concordar, em vez de reformas como uma melhoria na execução fiscal, que ele poderia fazer. E os gregos, como sugeri, estão prontos para ver essas demandas como parte de um esforço para derrubar seu governo ou para tornar o seu país um exemplo do que vai acontecer com outros países devedores, caso recusem as duras austeridades. 

Para tornar as coisas ainda piores, a incerteza política está prejudicando as receitas fiscais, provavelmente provocando uma evaporação do tão suado superavit primário. A coisa mais sensata, com certeza, é ter um pouco de paciência nessa frente: se e quando um acordo for alcançado, a incerteza vai diminuir e o orçamento deve melhorar novamente. Mas, neste ambiente de desconfiança generalizada, a paciência está em falta. 

E não tem que ser dessa maneira. É verdade que, para evitar uma crise de grandes proporções, seria necessário que os credores oferecessem uma quantidade significativa de dinheiro, embora esse dinheiro fosse imediatamente reciclado para o pagamento da dívida. Mas considere a alternativa. A última coisa que a Europa precisa é desgastar os ânimos para provocar mais uma catástrofe -e completamente gratuita.

Tradutora: Deborah Weinberg

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