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É tudo Benghazi ou a gritaria vazia dos republicanos

Ex-secretária de Estado dos EUA e pré-candidato à presidência do país, Hillary Clinton, foi alvo de investigação após atentado à embaixada na Líbia -  Yuri Gripas/Reuters
Ex-secretária de Estado dos EUA e pré-candidato à presidência do país, Hillary Clinton, foi alvo de investigação após atentado à embaixada na Líbia Imagem: Yuri Gripas/Reuters

Paul Krugman

09/10/2015 15h31

E então, o deputado Kevin McCarthy, que deveria suceder John Boehner como presidente da Câmara, não estará disputando o cargo no final das contas. Ele teria duras batalhas pela frente, tanto para conquistar o cargo quanto para mantê-lo nas melhores circunstâncias, graças à base partidária que prega o fim do mundo -- bloco bem grande de republicanos que exige que o partido corte os fundos para o programa Planned Parenthood, termine com o Obamacare ou de alguma forma prejudique algum programa como fechar o governo e forçá-lo a dar um calote, como gostam os liberais.

Além disso, ele reduziu suas chances ao admitir -- gabar-se, na verdade -- que as audições intermináveis na Câmara sobre Benghazi nada tinham a ver com segurança nacional, mas sim com tentativas de infligir dano político a Hillary Clinton.

Mas todos nós sabíamos disso, não é?

Muitas vezes me pergunto sobre os comentaristas que escrevem sobre assuntos como essas audiências como se houvesse algum verdadeiro problema em questão, que continuam insistindo na controvérsia dos emails de Clinton como se todos esses meses de escrutínio tivessem produzido qualquer evidência de má conduta, além de desleixo.

Certamente eles sabem que não é assim, quer admitam ou não. E, certamente, a longa história de acusações retiradas e de falsos escândalos movidos contra a família Clinton -- lembre-se, nunca houve base para as acusações de Whitewater -- deveria servir como advertência.

De alguma forma, porém, os políticos que fingem estar preocupados com questões, mas que estão, claramente, apenas tentando extrair ganho político das mesmas, continuam recebendo passe livre. E não apenas com relação aos Clinton.

Considere o exemplo de uma questão que pode parecer completamente diferente, que dominou a maior parte do nosso discurso político há poucos anos: a dívida federal.

Muitos políticos proeminentes fizeram advertências sobre os perigos impostos pela dívida dos EUA, especialmente a dívida detida pela China, parte central de sua imagem política. Paul Ryan, quando era presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, retratou-se como um cruzado heroico contra o deficit. Mitt Romney fez das denúncias dos empréstimos junto à China uma peça central de sua campanha para presidente. E, de modo geral, os comentaristas trataram esta postura como se fosse séria. Mas não era.

Eu não estou dizendo que era um erro de análise econômica, embora fosse. Vocês se lembram de todas as advertências sobre o que aconteceria se a China parasse de comprar a nossa dívida, ou pior ainda, começasse a vendê-la? De como as taxas de juros iam explodir e os EUA entrariam em crise?

Bem, não conte a ninguém, mas o evento tão temido aconteceu: a China não está mais comprando nossa dívida e, de fato, está vendendo dezenas de bilhões de dólares em dívida dos EUA a cada mês, em seus esforços para sustentar sua moeda em dificuldades. E o que aconteceu foi o que a análise econômica séria sempre nos disse que aconteceria: nada. Sempre foi um alarme falso.

Mais do que isso, porém, foi um alarme fraudulento.

No entanto, se você olhasse de perto os planos e propostas dos políticos que diziam estar profundamente preocupados com o deficit, logo ficaria óbvio que eles estavam apenas fingindo se preocupar com a responsabilidade fiscal. Alguém que realmente se preocupe com a dívida pública não propõe cortes de impostos enormes para os ricos, parcialmente compensados por cortes drásticos em ajuda para os pobres e a classe média, baseando todas as reivindicações de redução da dívida em alguma economia não especificada a ser anunciada em alguma ocasião futura.

E no momento em que a tática de assustar com a questão fiscal começou a perder tração política, a pretensão sumiu. Basta olhar para os candidatos republicanos à corrida presidencial: um após o outro, eles vêm propondo cortes de impostos gigantescos que acrescentariam trilhões ao deficit.

A dívida, ao que parece, só importa quando há um democrata na Casa Branca. Ou, mais precisamente, toda a conversa sobre a dívida não era uma questão de prudência fiscal; era uma tentativa de infligir dano político ao presidente Barack Obama, que desapareceu quando a tática perdeu a eficácia.

De novo, nada disso deveria ser surpresa para quem acompanha a política minimamente. Mas eu não tenho certeza de que as pessoas normais, que têm empregos e famílias para cuidar, estão entendendo a mensagem. Afinal, quem vai contar a elas?

Às vezes, tenho a impressão que muitas pessoas na mídia consideram rude admitir, mesmo para si mesmas, a fraudulência de grande parte da postura política. O certo, ao que parece, é fingir que estamos tendo debates reais sobre segurança nacional ou economia, mesmo quando é evidente e fácil de demonstrar que nada disso está realmente acontecendo.

Mas fechar os olhos para a falsidade política, fingindo que nós estamos tendo uma discussão séria quando não estamos, é, em si, uma espécie de fraude. McCarthy, inadvertidamente, fez um grande favor à nação com sua honestidade inadvertida, mas não deveríamos depender de políticos com a língua solta para informar ao público o que realmente está acontecendo.

Às vezes -- demasiadas vezes -- não há nenhuma base substancial para a gritaria. E então precisamos contar a verdade e dizer que é tudo Benghazi.