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Disputa pela Ucrânia é jogo de hóquei, sem árbitro

10/04/2014 00h01Atualizada em 25/04/2014 11h04

Pouco antes dos Jogos Olímpicos de Sochi, o presidente russo, Vladimir Putin, participou de um jogo de hóquei na cidade. Olhando para trás, ele claramente estava se aquecendo para sua aquisição da Crimeia. Putin não me parece um jogador de xadrez em termos geopolíticos. Ele prefere o hóquei sem árbitro, onde cotoveladas, rasteiras e segurar o oponente são todos permitidos. Nunca vá para um jogo de hóquei com Putin esperando que as regras do futebol americano sejam cumpridas. A luta pela Ucrânia é um jogo de hóquei, sem nenhum árbitro. Se vamos entrar nesse jogo, nós, os europeus e os ucranianos pró-ocidentais devemos ser sérios. De outra forma, precisamos dizer agora mesmo aos ucranianos: obtenha o melhor contrato com Putin que você consiga.

Será que estamos sendo sérios? Depende do significado da palavra “sério”. Começa com o reconhecimento da enorme ajuda que será necessária para ajudar os ucranianos a se libertarem da órbita da Rússia. Será que nós e nossos aliados estamos dispostos a financiar as necessidades maciças de reconstrução e de combustível da Ucrânia –por meio do Fundo Monetário Internacional? De início, seriam US$ 14 bilhões (em torno de R$ 40 bilhões), sabendo que esse dinheiro irá para um governo ucraniano que, antes da derrubada do presidente anterior, estava classificado em 144º lugar na lista de corrupção de 177 países do grupo Transparência Internacional, junto com a Nigéria.


Além disso, não podemos ajudar a Ucrânia a não ser que nós e a União Europeia tenhamos uma estratégia séria de energia renovável e de sanções econômicas -o que nos obriga a um sacrifício- para minar Putin e o putinismo, porque a Ucrânia nunca vai ter autodeterminação, enquanto Putin e o putinismo prosperarem. A política externa e a política interna de Putin estão intimamente ligadas: sua política interna de saquear a Rússia e manter-se permanentemente no poder com as receitas do petróleo e do gás, apesar do enfraquecimento da economia, parece exigir aventuras como a da Ucrânia, que alimentem o nacionalismo e o anti-ocidentalismo para distrair o público russo. E estaremos dispostos a jogar sujo, também? Putin está usando os ucranianos pró-russos para tomar prédios do governo no leste da Ucrânia –e estabelecer o terreno para uma invasão russa ou para o controle fato da região por aliados da Rússia.

Finalmente, falar sério sobre a Rússia significa ser sério sobre a aprendizagem do nosso grande erro após a queda do Muro de Berlim: ou seja, achar que poderíamos expandir Otan quando a Rússia estava em seu ponto mais fraco e mais democrático e que os russos não se importariam. Nosso erro foi tratar a Rússia democrática como o inimigo, como se a Guerra Fria ainda estivesse em vigor, e esperar que a Rússia cooperasse com a gente como se a Guerra Fria estivesse terminada -e acreditar que isso não produziria uma reação anti-ocidental como o putinismo.

Como o historiador Walter Russell Mead escreveu em um blog: “A grande questão que o Ocidente nunca enfrentou é: qual é a nossa política para Rússia? Onde é que o Ocidente vê a Rússia se encaixando no sistema internacional? Desde que as decisões para expandir a Otan e a UE foram tomadas no governo Clinton, a política ocidental para a Rússia... tinha dois grandes projetos para o espaço pós-soviético: a Otan e a UE iriam expandir para as áreas do Pacto de Varsóvia e para a ex-União Soviética, mas a própria Rússia seria impedida de ambos... Como muitas pessoas apontaram na década de 1990, essa estratégia era equivalente a pedir para ter problemas”.

Um dos que apontaram para isso foi George Kennan, o arquiteto da contenção e oponente da expansão da Otan. Eu o entrevistei a esse respeito nesta mesma coluna no dia 2 de maio de 1998, logo após o Senado ratificar a expansão da Otan. Kennan tinha 94 anos. Ele havia sido embaixador dos EUA em Moscou. Ele sabia que não estávamos sendo sérios.

“Eu acho que é o começo de uma nova Guerra Fria”, disse Kennan sobre a expansão da Otan. “Eu acho que, gradualmente, os russos vão reagir muito negativamente, e isso afetará suas políticas. Eu acho que é um erro trágico. Não havia razão alguma para tudo isso. Ninguém estava ameaçando ninguém. Esta expansão deve estar fazendo com que os fundadores deste país virem em seus túmulos. Nós já nos comprometemos a proteger toda uma série de países, mesmo sem termos os recursos ou a intenção de fazê-lo de qualquer maneira séria. (A expansão da Otan) foi simplesmente uma ação leviana por um Senado que não tem nenhum interesse real em assuntos externos”.

“O que me incomoda é a forma superficial e mal informada de todo o debate no Senado”, acrescentou Kennan. “Eu fiquei particularmente incomodado com as referências à Rússia como um país morrendo de vontade de atacar a Europa Ocidental. As pessoas não entendem? Nossas diferenças na Guerra Fria eram com o regime comunista soviético. E agora estamos virando as costas para as próprias pessoas que montaram a maior revolução sem derramamento de sangue na história para remover esse regime soviético. E a democracia da Rússia está tão avançada, se não mais, que qualquer um destes países que nos comprometemos a defender da Rússia. Isso mostra tão pouca compreensão da história da Rússia e da história soviética. Claro que haverá uma reação negativa da Rússia e, em seguida, (aqueles que promoveram a expansão da Otan) vão dizer que sempre avisaram sobre os russos -mas isso simplesmente está errado”.

Precisamos de uma estratégia para ajudar a Ucrânia e minar o putinismo hoje -e reintegrar a Rússia amanhã. É uma empreitada grande, muito grande. Então, vamos ser honestos com nós mesmos e com os ucranianos. Se Putin está jogando hóquei e nós não, os ucranianos precisam saber disso agora.