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O "Memorial Day" em 2050

19.mai.2014 - Cientistas britânicos constataram que a Antártida está perdendo 159 bilhões de toneladas de gelo por ano. O número representa o dobro da perda mensurada na última pesquisa. Sozinha, a perda de gelo da Antártida contribui para elevar o nível dos mares em 0,45 mm por ano - ESA/Divulgação
19.mai.2014 - Cientistas britânicos constataram que a Antártida está perdendo 159 bilhões de toneladas de gelo por ano. O número representa o dobro da perda mensurada na última pesquisa. Sozinha, a perda de gelo da Antártida contribui para elevar o nível dos mares em 0,45 mm por ano Imagem: ESA/Divulgação

Thomas L. Friedman

27/05/2014 00h02

Das muitas coisas ditas sobre a mudança climática recentemente, nada foi mais eloquente que a observação feita pelo governador do Estado de Washington, Jay Inslee, na série do canal "Showtime", "Years of Living Dangerously" (“Anos Vivendo Perigosamente”, em tradução livre): "Nós somos a primeira geração a sentir o impacto da mudança climática e a última geração que pode fazer algo a respeito".

A questão é como motivarmos as pessoas a fazerem algo a respeito na escala necessária, quando muitas permanecem céticas ou preocupadas com as necessidades do cotidiano – e quando os próprios cientistas climáticos alertam que é impossível atribuir todo evento climático individual à mudança climática, mesmo que os recentes casos extremos se encaixem nos modelos de como as coisas ocorrerão à medida que o planeta esquenta.

O blog "Dish", de Andrew Sullivan, apontou para uma nova abordagem oferecida por Thomas Wells, um filósofo holandês: como a mudança climática e a degradação ambiental colocam o presente contra o futuro, nossa geração contra uma ainda não nascida, nós devemos começar a dar ao futuro uma voz em nossa política atual.

"Mesmo sem sabermos o que os futuros cidadãos valorizarão e no que vão acreditar, nós ainda assim podemos considerar seus interesses, com base na suposição razoável de que serão um tanto parecidos com os nossos (todo mundo precisa de ar “respirável”, por exemplo)", escreveu Wells na "Aeon Magazine". Como "nossos valores éticos apontam em uma direção, para a responsabilidade intergeracional, mas nosso sistema político aponta para outra, para o horizonte de curto prazo da próxima eleição", nós "devemos considerar a introdução de agentes que possam votar de modo previdente e imparcial".

Wells sugere a criação de uma "curadoria" pública de fundações não governamentais cívicas e de caridade, grupos ambientais e centros de estudos não partidários. Ele fala em "lhes conceder cotas iguais de votos que correspondam, digamos, a 10% do eleitorado", para que possam representar questões como a "descarbonização da economia" e a "garantia dos direitos de aposentadoria" para a geração ainda não nascida, que sofrerá profundamente o impacto, mas não vota.

Não é realista, eu sei, mas a necessidade de incorporar escalas de tempo maiores nas escolhas feitas pela sociedade é muito real – e cabe à nossa geração. Andy Revkin, que mantém o blog Dot Earth na seção de Opinião do "The Times", colocou bem: "Nós atingimos a maioridade em um planeta finito e apenas agora reconhecemos que é finito. Logo, como administrarmos as aspirações infinitas de uma espécie que está nessa trajetória explosiva, não apenas de crescimento populacional, mas de apetite de consumo – como podemos fazer uma transição para uma relação estabilizada, e ainda próspera, com a Terra e uns com os outros– é a história de nosso tempo".

Uma forma de agirmos com um ponto de vista “intergeracional” é expandir o problema além do clima – fazer as pessoas entenderem que é a luta de nossa geração pela liberdade. A estratégia permanente da geração de nossos pais foi conter o comunismo, para sermos livres. A estratégia permanente de nossa geração precisa ser "resiliência". Nós só seremos livres para viver a vida que queremos se tornarmos nossas cidades, país e planeta mais resilientes.

Mesmo se não pudermos atribuir uma tempestade em particular à mudança climática, ao lançarmos continuamente gases do efeito estufa na atmosfera, nós estaremos cometendo um abuso que os cientistas climáticos estão convencidos de que continuará elevando a média das temperaturas, derreterá mais gelo, elevará o nível dos mares, aquecerá os oceanos e tornará as secas "normais" mais secas, as ondas de calor ainda mais quentes, as tempestades mais violentas e as tempestades disruptivas ainda mais disruptivas. É loucura continuar cometendo esses abusos e tornar nossas vidas mais vulneráveis a disrupções que nos tornarão menos livres para viver as vidas que queremos. Quão livres seremos enquanto estivermos pagando o preço exorbitante da limpeza de extremos climáticos incessantes?

Além disso, agir hoje como se a mudança climática exigisse uma resposta urgente – como a substituição dos impostos de renda de pessoa física e jurídica por um imposto de carbono, a introdução de um portfólio nacional de energia renovável e estimular constantemente mais energia renovável e a elevação dos padrões de eficiência para cada casa, prédio e veículo – na verdade nos deixará com mais saúde, mais prósperos e mais resilientes, mesmo se a questão da mudança climática provar ser um exagero.

Nós ficaríamos com o ar mais limpo e com uma estrutura fiscal que recompensará mais o que queremos (trabalho e investimento) e deixará de incentivar o que não queremos (poluição de carbono). Nós tiraríamos dinheiro dos piores inimigos da liberdade no planeta, os petroditadores do mundo, e incentivaríamos nossas indústrias a assumir a liderança na produção de sistemas limpos de água, ar e energia, que estarão em grande demanda em um planeta que passará de 7 bilhões para 9 bilhões de habitantes em 2050.

Resumindo, ao levarmos a sério a ameaça climática agora, nós nos tornaríamos mais resilientes econômica, física, ambiental e geopoliticamente – e, portanto, mais livres.

O que a contenção representou para a geração de nossos pais – a estratégia deles de lutar pela liberdade contra a maior ameaça da época deles – a resiliência será para nossa geração contra as múltiplas ameaças de nossa época: mudança climática, petroditaduras e a destruição de nosso meio ambiente e biodiversidade. Vamos agir para que a próxima geração queira nos homenagear com um "Memorial Day" (dia em memória dos soldados mortos na guerra), da mesma forma como homenageamos o sacrifício de gerações anteriores.