Topo

Reinaldo Azevedo

Filha de ministro desiste de cargo. Fez bem! Seria nepotismo; teria de sair

Braga Netto: absurda possibilidade de nomeação de filha para cargo público gerou desgaste desnecessário. Bastaria consultar súmula do Supremo - Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo
Braga Netto: absurda possibilidade de nomeação de filha para cargo público gerou desgaste desnecessário. Bastaria consultar súmula do Supremo Imagem: Frederico Brasil/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

23/07/2020 07h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Cedo o bastante para evitar uma nomeação escandalosa, mas não o suficiente para impedir um olhar de suspeição sobre o que certos setores militares entendem por República, Isabela Braga Netto, filha do ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, desistiu de ocupar um cargo de gerência na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Ufa! Assim, acaba sem chegar ao fim o que, convenham, nem deveria ter começado. O anúncio da desistência foi feito por Rodrigo Rodrigues Aguiar, diretor de desenvolvimento setorial a ANS:
"No dia de hoje, recebi a informação que a candidata desistiu de participar do processo de nomeação, embora tenha atendido todos os requisitos para o cargo".

Atendeu, é? Que outra formação ou experiência ela tem além de ser formada em Comunicação Social? A gerência em questão, com salário de R$ 13 mil, é de análise setorial e contratualização com prestadores de serviços. O que "comunicação social" tem a ver com o assunto? Capacidade de levar adiante um bom papo?

Rodrigo Rodrigues não tenta chamar a nossa atenção apenas pelo nome e sobrenome assonantes. Ele também ensaia um pensamento:
"O processo para a ocupação do cargo gerou repercussões distorcidas e ilações. Reitero que o processo seletivo foi conduzido no âmbito da ANS sem sofrer ingerências externas".

Terei de redarguir Rodrigo Rodrigues. A ingerência estava dada pela própria natureza. O nepotismo, senhor, não indaga a competência do nomeado, mas o parentesco, segundo dispõe a Súmula 13 do Supremo, que relembro:
"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."

Jurisprudência do tribunal afasta a Súmula 13 apenas na hipótese de o nomeado, embora parente, ser ele mesmo um político, com carreira própria, o que me prece correto. Não é o caso de Isabella. Ela é, nesse ambiente, apenas a filha do chefe da Casa Civil. E, portanto, não poderia ser nomeada. Se acontecesse, haveria o risco de ter de deixar o cargo por determinação judicial. Seria uma desnecessária humilhação necessária...

De resto, como ignorar? A consulta para a nomeação de Isabela teve início "por indicação" do diretor-adjunto da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da agência, Daniel Meirelles Fernandes Pereira. Ele é irmão de Thiago Meirelles Fernandes Pereira, secretário-executivo adjunto da Casa Civil.

Se nomeada fosse, a filha do ministro teria como chefe o irmão de um assessor de seu pai.

Contra coronavírus, recomenda-se distanciamento social. Contar nepotismo, distanciamento de parente poderoso.