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Reinaldo Azevedo

Moro tenta reencarnar com fala desastrada de deputado sobre Constituinte

Bruxa Haia (Cássia Kiss), da série "Desalma" tenta ajudar um corpo a encontrar uma nova alma política, mas a tarefa é ingrata. A extrema direita já tem dono... - Montagem a parte de foto-divulgação da Globoplay; Reprodução
Bruxa Haia (Cássia Kiss), da série "Desalma" tenta ajudar um corpo a encontrar uma nova alma política, mas a tarefa é ingrata. A extrema direita já tem dono... Imagem: Montagem a parte de foto-divulgação da Globoplay; Reprodução

Colunista do UOL

27/10/2020 07h05

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A fala do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, sobre a necessidade de uma Constituinte para escrever uma nova Constituição é tão absurda que nem errada consegue ser. A defesa destrambelhada foi feita num seminário virtual promovido pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Na exposição dos motivos, Barros piorou muito as coisas e ainda deu palanque para almas penadas em busca de algum corpo em que encarnar, como se saídas de "Desalma", a série da Globoplay.

Vamos ver.

Barros achou que a situação do Chile é um bom gancho para o Brasil. Como se sabe, aquele país realizou um plebiscito, e nada menos de 78% dos votantes disseram "sim" a uma Constituinte exclusiva, que vai redigir a nova Constituição.

Mas por que ele quer uma nova Carta? Um dos motivos é este:
"Acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa Carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a Nação".

Temo que os noruegueses queiram migrar em massa para o Brasil em busca do nosso "welfare state". O deputado continuou:
"Não temos mais capacidade de pagar nossa dívida, os juros da dívida não são pagos há muitos anos, a dívida é só rolada e com o efeito da pandemia cresceu muito, e esse crescimento nos coloca em risco na questão da rolagem da dívida".

Então vamos ver. O Chile decidiu fazer uma nova Constituição porque a que há por lá é herança da ditadura de Augusto Pinochet. No Brasil, a Carta de 1988 foi uma espécie de ritual de enterro da ditadura que já havia morrido.

Não é preciso ser muito bidu para entender que Barros considera que há direitos sociais em excesso e que são eles a causa do buraco nas contas públicas. No Chile, busca-se precisamente o contrário do que pretende o deputado. O país das "contas em dia", exemplo a ser seguido para falsos liberais como Paulo Guedes e outros por estas bandas, esconde uma das maiores desigualdades do mundo e vai, ora vejam!, colocar mais Estado na assistência social.

Em números do ano passado, a renda per capita dos chilenos era de US$ 16 mil; a dos brasileiros, de US$ 9,2 mil. E, creiam, ainda assim, pode ser mais difícil ser pobre no Chile do que no Brasil, onde, com todas as dificuldades, há um SUS. Esse ganho indireto não entra na renda per capita.

A propósito: houvesse por aqui um plebiscito, Barros convocaria os brasileiros a pedir uma nova Constituição com menos direitos? No Chile, tem-se a certeza absoluta de que se vai fazer o contrário. Ou o país explode.

A comparação é um despropósito. Mas o absurdo maior nem foi esse.

ABUSOS
O deputado, cujos endereços foram alvos de mandado de busca e apreensão recentemente -- e que, com efeito, pareceram abusivos --, apontou outra razão para uma nova Constituição. Segundo ele, o poder fiscalizador ficou muito maior do que os demais. Disse:
"Os juízes, promotores, fiscais da Receita, agentes do TCU (Tribunal de Contas da União), da CGU (Controladoria-Geral da União), provocam enormes danos com acusações infundadas e nada respondem por isso, nunca respondem por nada, e o ativismo político do Judiciário está muito intenso, muito mais do que jamais poderíamos imaginar".

Ninguém tem o direto de duvidar dos desmandos da Lava Jato, por exemplo, evidenciados ao longo de seis anos. Se, antes do escândalo da Vaza Jato, revelado pelo site The Intercept Brasil, era preciso fazer certo esforço para atravessar a nuvem de desinformação criada pela força-tarefa, basta ter, agora, um pouco de vergonha na cara para constatar o óbvio.

MAS QUE DIABOS ISSO TEM A VER COM UMA NOVA CONSTITUIÇÃO, DEPUTADO?

Uma Constituinte, dado o clima que anda por aí, tenderia a constitucionalizar práticas abusivas em nome do combate à corrupção. E o país precisa fazer precisamente o contrário: respeitar a Constituição que tem e punir o abuso de autoridade.

O que Barros conseguiu com a sua fala torta? Ora, levar o defunto Sergio Moro para o Jornal Nacional para dizer "morices" em defesa do combate à corrupção, o que ele fez também no Twitter. Escreveu:
"O que dificultou a governabilidade do Brasil nos últimos anos foi a corrupção desenfreada e a irresponsabilidade fiscal, não a Constituição de 1988 nem a Justiça ou o MP".

Conversa de espírito populista que busca reencarnar. Desarranjo das contas públicas e corrupção não ajudam a governar e são males que se alimentam mutuamente. Mas o extremo da crise a que fomos conduzidos não foi determinado nem por uma coisa nem por outra.

A razia no sistema político provocada pela Lava Jato, esta, sim, nos entregou Bolsonaro como herança. Moro, aliás, atuou para ser ele próprio o beneficiário da desordem que provocou. Não foi! Agrediu o devido processo legal, incentivou o Estado policial, aboletou-se na nova ordem e tentou comandá-la. E foi de lá expelido.

Barros, como se vê, lhe deu um pouco de palanque. Sim, Moro continua por aí. Vai ver está difícil para se estabelecer como advogado...

De resto, o necessário disciplinamento do Ministério Público pode ser feito pelo Congresso Nacional. Ninguém precisa de Constituinte para isso.

De resto, que o deputado, com a força adicional de quem é líder do governo na Câmara, ajude a cobrar que o presidente do Supremo, Luiz Fux, leve a voto a sua liminar que suspendeu a criação do juiz de garantias. É um passo para conter os arroubos dos falsos profetas e de tabaréus metidos a juízes universais.