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Reinaldo Azevedo

Vacinação: Doria não tem de se subordinar às vocações homicidas do Planalto

João Doria, governador de São Paulo. Polêmico não é anunciar o início da vacinação em janeiro, mas negar o risco da doença e promover a depredação da ciência - Nelson Almedia/AFP
João Doria, governador de São Paulo. Polêmico não é anunciar o início da vacinação em janeiro, mas negar o risco da doença e promover a depredação da ciência Imagem: Nelson Almedia/AFP

Colunista do UOL

04/12/2020 05h13

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O governador de São Paulo, João Doria, pode ter forçado um pouco a mão ao anunciar que a vacinação contra a Covid-19, em São Paulo, começa em janeiro? Um tantinho, quem sabe?... Mas há perguntas mais relevantes do que essa. Ele tinha alternativa? Deveria ter ficado refém dos patetas de Brasília? O Ministério da Saúde anda a falar coisa com coisa? Há um esboço razoável de um plano para a vacinação em massa? A resposta para todas essas questões é "não".

Será que Doria vai procurar fazer da vacina um catalisador de suas pretensões presidenciais? É claro que sim! E o que há de errado nisso? É preferível alguém que tente ganhar votos oferecendo à população uma droga que salva vidas àqueles que tentam ganhar o apoio de parcelas da opinião promovendo a depredação da ciência, estimulando o comportamento irresponsável dos adultos, deseducando as crianças, mentindo abertamente sobre a doença. É evidente que estou me referindo ao presidente Jair Bolsonaro.

O homem que preside o Brasil comemorou quando a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tomou uma decisão burra e truculenta, alardeando a suspensão dos testes com a Coranavac. Fez mais do que comemorar. Foi às redes sociais, onde tem milhões de seguidores, espalhar fake news sobre a vacina.

Nesta semana, no prazo de três dias, o Ministério da Saúde atirou para todos os lados mirando alvo nenhum. Parece haver um esforço deliberado em favor da desinformação, sob o comando de um ministro da Saúde patético. O general da ativa Eduardo Pazuello e seus valentes não têm noção remota do que estão fazendo em seus respectivos cargos.

Na terça, em entrevista, Arnaldo Medeiros, o secretário de Vigilância em Saúde, afirmou que governo daria preferência a vacinas que possam ser conservadas em refrigeradores comuns, entre dois e oito graus positivos, e com ministração de dose única. Bem, só a vacina a Janssen atenderia a essa especificação. A Coronavac prevê duas doses. As vacinas da Pfizer e da Moderna requerem temperaturas negativas extremas. No dia seguinte, Pazuello disse não ser bem assim. Mas também não informou como poderia ser diferente e se limitou a chamar de "pífias" as propostas feitas pelos laboratórios, sem explicar por quê.

Nesta quinta, o mesmo Medeiros especulou sobre a possibilidade de se aparelhar a chamada Rede de Frio para poder armazenar vacinas que pedem temperaturas extremamente baixas. Anote: a Rede de Frio ou Cadeia de Frio é o processo de armazenamento, conservação, manipulação, distribuição e transporte dos imunobiológicos do Programa Nacional de Imunizações. Então vai ser o quê? Ninguém sabe exatamente. Enquanto isso, a doença volta a se alastrar. Em vários Estados, a capacidade das UTIs chega perto do colapso, ou já colapsou, como no Rio, enquanto o presidente da República, por palavras e atos, faz pouco caso da doença.

Então voltemos a Doria. Queriam que o governador fizesse o quê? Que subordinasse a vacinação da população de São Paulo, que ele governa, aos caprichos do celerado de Brasília? Não parece razoável. É claro que os temores vocalizados aqui e ali fazem sentido. Uma vacinação em massa iniciada em São Paulo poderia resultar no chamado "turismo da vacina", com pessoas saindo de seus estados para obter a imunização em terras paulistas.

É nessa hora que entra a política. Os governadores dos demais Estados, os senadores e os senhores deputados têm de pressionar o governo federal a tomar uma atitude. Mas a coisa não é fácil. Estamos falando de uma turma patologicamente negacionista, capaz de dizer e de fazer as maiores sandices. O dublê de pastor e ministro da Educação, Milton Ribeiro, por exemplo, tentou forçar a volta às aulas das universidades na canetada. Depois recuou.

Teve o apoio do general Hamilton Mourão, vice-presidente — aquele que o agora empresário e consultor Sergio Moro diz ser de centro —, segundo quem é hipocrisia não retomar as aulas presenciais já que as pessoas estão indo a festas. Lógica deste pensador: já que a coisa não está boa, vamos dobrar a dose.

Em suma: o governo de São Paulo não pode ficar refém dos psicopatas e sociopatas que circulam por Brasília. E se os burocratas do general resolverem criar caso para atender aos reclamos do capitão? Restará ao Supremo fazer a escolha entre a vida e a morte dos brasileiros. A saúde está devidamente definida como direito e dever nos Artigos 6º, 196, 197 e 198 da Constituição. O STF dispõe de poder para conter algumas vocações homicidas.