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Reinaldo Azevedo

Esquerdistas com Lira? Evento antropológico revoluciona homem das cavernas

E aí? Vocês acham que o certo é deixar aquele bicho entrar para tentar fazer amizade?  - Reprodução/Boardwalk archives
E aí? Vocês acham que o certo é deixar aquele bicho entrar para tentar fazer amizade? Imagem: Reprodução/Boardwalk archives

Colunista do UOL

11/12/2020 06h43

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Será mesmo que os chamados "progressistas" devem ceder ao canto de sereia de Arthur Lira (PP-AL), postulante do Centrão à Presidência da Câmara, com o apoio nada velado do presidente Jair Bolsonaro?

A que se reduz o bolsonarismo sem a chamada "pauta de costumes" e outros postulados reacionários para açular os bofes e os maus instintos da canalhada na Internet? Sem a tentativa de fazer a história andar para trás, resta a essa gente exatamente o quê? Um pensamento econômico? Não! Eles não têm nenhum. Há lá Paulo Guedes e o seu compêndio de promessas, que promessas continuarão a ser, ainda mais se o Centrão levar mesmo a presidência da Câmara.

Se não se fizer muita barbeiragem, a economia terá um crescimento razoável em 2021, com boa parte do mundo em ritmo de vacinação. Não se vai repetir, por óbvio, o flagelo de 2020. E o Brasil vai entrar na onda. Demora até que se volte a um padrão mais civilizado de emprego e renda, mas diminui o sufoco. Então isso quer dizer que o governo Bolsonaro... Isso quer dizer que o governo Bolsonaro vai tentar reanimar sua pauta reacionária.

Nós, os racionais — e eu também já cheguei a acreditar nisto —, vivemos a ilusão, que hoje entendo ser tola, de que a melhora, para ser genérico, das condições objetivas de vida tende a amansar os espíritos e a enfraquecer os extremismos. Assim é com aqueles que aceitam as regras do jogo. Com os que estão dispostos a sabotá-las, acontece precisamente o contrário. Veem no abrandamento, ainda que seja episódico, das dificuldades uma chance de testar os limites da institucionalidade.

Por que Bolsonaro quer tanto a Presidência da Câmara? Sim, por princípio, é fato, presidentes preferem ter aliados seus no comando do Congresso. Mas é uma estupidez e uma mentira a suposição, vocalizada também pelo bolsonarista de alma Paulo Guedes, de que Rodrigo Maia tenha criado dificuldades para o governo. Em quê? Mais ele cobrou a pauta econômica reformista do que Bolsonaro ou o próprio ministro da Economia. Sem a sua articulação, as medidas emergenciais para enfrentar a crise do coronavírus, por exemplo, teriam degenerado em balbúrdia.

O que Maia fez, e isto é mérito seu, foi conter a sanha reacionária no que lhe foi possível fazer. A tara armamentista de Bolsonaro, por exemplo — que nos deu um país ainda mais armado, com o recrudescimento da taxa de homicídios —, não passou pelo Congresso. Os recuos na área ambiental também se deram na esfera do Executivo. Os delírios obscurantistas das milícias digitais não tiveram vez na gestão do presidente da Câmara. A propósito: digam uma única pauta importante na área econômica que tenha encontrado no deputado um obstáculo. Não há.

Então Bolsonaro quer mover mundos e, sobretudo fundos, por meio de emendas parlamentares, para eleger Lira presidente da Câmara, e há quem queira sustentar que este fará um mandato de compromisso também com os chamados "progressistas"? Ora...

Vejo o PSB, ou parte considerável dele, engajado na candidatura, e isso só me parece razoável porque um partido não se torna de esquerda, de direita ou de centro por aquilo em que diz acreditar, mas por aquilo que efetivamente faz. Como o PSB é hoje uma legenda principalmente pernambucana, a adesão a Lira é compreensível. O líder do Centrão não precisa fazer concessão nenhuma à esquerda para atrair os peessebistas. Basta ser o que é. A campanha da sigla em Recife falou uma linguagem de direita e fez uma campanha subterrânea de extrema direita.

Consta que Lira também está espichando os olhos para os lados do PT. E teria acenado ao partido até com o combate ao lavajatismo, seja lá o que isso signifique.

Deixem-me ver se entendi direito: então Bolsonaro está mobilizando a sua artilharia, inclusive a da grana, para eleger o presidente da Câmara do período em que estará articulando sua campanha à reeleição, e esse presidente seria amigável ou tolerante com as pautas da esquerda e da centro-esquerda?

Há na raiz do flerte dessas correntes com Lira a suposição tosca de que um presidente da Câmara oriundo do chamado "grupo de Maia" poderia fortalecer a posição do centro e da centro-direita na disputa de 2022. Não quero parecer bruto, mas tenho de ser cru. Ainda que Bolsonaro viesse a ter um adversário na Presidência da Casa — e adversário não será em qualquer hipótese —, ele seguiria como um dos favoritos para o próximo pleito presidencial.

Se parte da esquerda e outro tanto da centro-esquerda resolverem aderir à candidatura de Lira, estarão fortalecendo Bolsonaro na suposição de que enfraquecem seus adversários de centro e de centro-direita. Acontece que ele já é o mais forte hoje. Não sei não... Não me parece que, como espécie, tenhamos saído da caverna alimentando bichos que poderiam nos engolir mais tarde.