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"É um marco para a minha geração", diz noivo de primeiro casamento civil gay do Rio

Fabíola Ortiz<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>No Rio de Janeiro

24/08/2011 18h20

Após 12 anos de relacionamento e morando juntos desde fevereiro do ano passado, Cláudio Nascimento, 40, e João Batista Pereira da Silva, 39, podem enfim ser considerados casados. Na tarde desta quarta-feira (24), Nascimento, superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio, e o companheiro, Silva, assistente social e militar da Marinha do Brasil, foram os primeiros do Estado do Rio a converter a união estável em casamento civil pela Justiça.

“É um marco para a minha geração, nunca esperávamos que isso um dia fosse ocorrer. Demonstra que é possível um futuro melhor em que as pessoas sejam respeitadas. Queremos chamar a atenção para o amor, o afeto, não importa quem você ame”, disse Nascimento ao UOL Notícias.

A cerimônia de oficialização foi realizada no final desta tarde no cartório da 7ª circunscrição de Registro Civil de Pessoas Naturais, no centro do Rio, e contou com a presença do juiz de Paz Leandro de Oliveira Rodrigues para fazer a celebração. “Isso seria impensável uma década atrás”, disse Claudio.

Segundo o juiz de paz Leandro Rodrigues, “não existe diferença entre casamento heterossexual ou homossexual”, ressaltou. “O Estado tem obrigação de garantir a dignidade da pessoa. Somos todos seres humanos e as escolhas são opções individuais. Ninguém deve ser discriminado ou impedido de ser feliz. A escolha sexual é uma particularidade de cada um. Esse é um passo largo, uma conquista social, um pontapé inicial e quero desejar ao casal felicidade com a sua identidade ratificada.”

O evento no cartório foi rápido, mas em seguida o mais novo casal ofereceu uma recepção com direito a bolo branco com dois bonequinhos de biscuit com as cores do arco íris, símbolo do movimento gay.  E para marcar a união civil, uma revoada de bolas brancas foram soltas com o pedido de paz e respeito.

Consequências legais

O pedido de conversão de união estável de Nascimento e Silva em casamento civil foi feito no dia 1º de julho, no cartório da 7ª circunscrição de Registro Civil de Pessoas Naturais, e foi decidido em sentença proferida pelo juiz da Vara de Registros Públicos, Fernando Cesar Ferreira Viana, em 15 de agosto. O casal recebeu a notícia na última sexta-feira (19).

A decisão da Suprema Corte na ocasião equiparou os direitos e deveres do casal gay aos de um casal heterossexual, como direito a herança, partilha de bens, previdência social, entre outros.

“Hoje está sendo feita oficialmente a conversão da minha união estável com o João em casamento civil, gerando as consequências legais que estabelecem direitos e deveres. Vejo como uma conquista para a inclusão da cidadania plena, dar mais conforto e segurança para a realização dos nossos projetos pessoais”, disse Nascimento.

Com a sentença, os dois terão o seu estado civil alterado de solteiro para casado. Entre os muitos benefícios dessa conversão, está o direito ao plano de saúde institucional do companheiro militar Silva. Ele será o primeiro militar da Marinha do Brasil a ser oficialmente casado com uma pessoa do mesmo sexo. O caso abre precedente para que outros casais do Rio de Janeiro busquem os mesmos direitos e deveres.

“Para a gente, traz um novo momento simbólico para a cidadania LGBT no país. Esse precedente abre espaço para gerar direitos coletivos”, afirmou Nascimento.

Para os recém-casados, a cerimônia abre um caminho para a comunidade gay na busca de seus direitos. “Que venham outros casamentos gays. O reconhecimento do direito é o reconhecimento do amor, e que não sofra violência e não seja perseguido. A intolerância ainda existe, mas hoje temos uma grande vitória”, afirmou.

O casal já pensa em futuramente adotar uma criança, mas ainda “é um passo mais a frente, ainda não está planejado”, segundo Silva. A decisão da conversão em casamento civil confere ao casal o direito de ter a dupla paternidade em caso de adoção.

O casal convidou amigos e militantes da causa, como coordenadores dos Centro de Referência da Cidadania LGBT da Baixada Fluminense. O secretário do Ambiente do Rio e ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio, Siro Darlan, marcaram presença como padrinhos.

A assinatura do casamento oficial terá validade retroativa à data de 11 de setembro de 2010, quando o casal firmou a sua união estável por intermédio de declaração registrada de convivência homoafetiva no Parque Lage, no Rio de Janeiro.

Outros casamentos

O professor Toni Reis, de 46 anos, e o tradutor David Harrad, 53, foram um dos primeiros casais do país a oficializar a união após a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 5 de maio. No dia 10, Toni, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) pode reconhecer a sua união com o inglês depois de 21 anos juntos, em Curitiba.

Antes, os casais homossexuais só podiam registrar sua união como ‘homoafetiva’, sob a forma de um contrato de sociedade. O que Toni e David já tinham feito em 2004, mas o reconhecimento de família só podia ser feito pela via judicial.

No dia 22 de junho, uma cerimônia reuniu 43 casais gays no Rio de Janeiro para  participar da primeira cerimônia coletiva de união homoafetiva no Rio de Janeiro. A celebração foi realizada no auditório do Programa Estadual Rio sem Homofobia, no prédio da Central do Brasil, no Centro do Rio.

Esta foi tida como uma cerimônia histórica que serviria como estímulo para outros casais de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registrassem suas uniões.

Em 25 de junho, foi a vez de São Paulo que teve o primeiro casamento gay coletivo após decisão do STF quando 10 casais de gays e lésbicas compareceram no salão nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, para reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Já no dia 28 de junho, foi realizado o primeiro casamento homoafetivo civil do Brasil, em Jacareí (SP), após decisão do juiz da 2ª Vara da Família e das Sucessões do município paulista, Fernando Henrique Pinto.

Os noivos, Luiz André de Rezende Moresi e José Sérgio Santos de Sousa, já estavam juntos havia oito anos e viviam sob o regime de união estável desde maio. Eles entraram para a história como sendo o primeiro casal homoafetivo civil oficialmente reconhecido ao conseguirem na justiça o direito de se casar com registro em cartório.

A conversão da união estável em casamento civil ocorreu no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Jacareí. A decisão do juiz do município do interior paulista foi tomada após parecer favorável do Ministério Público de São Paulo.

No Brasil, 60 mil casais gays

Em abril, o Censo 2010 do IBGE divulgou que o Brasil tem mais de 60 mil casais homossexuais.  Esta foi a primeira vez que o IBGE contabilizou a população residente com cônjuges do mesmo sexo.

Em termos de proporção, é muito pequena a parcela de casais gays no país face aos mais de 37 milhões de casais formados por pessoas de sexo oposto (de acordo com os resultados preliminares, são 37.487.115 de casais heterossexuais), o que representa 0,15% dos casais a parcela de homossexuais.

A região com mais casais homossexuais é o Sudeste, com 32.202 casais, seguida pelo Nordeste, que soma 12.196 casais.

O Norte é a região com o menor número de casais do mesmo sexo: 3.429, antes do Centro-Oeste, com 4.141. O Sul tem pouco mais de 8.000 casais homossexuais.