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Procuradoria flagra trabalho escravo em obras da CDHU no interior de São Paulo

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

20/04/2012 15h41Atualizada em 20/04/2012 17h10

Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Bauru (SP) e fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram, nesta quinta-feira (19), 50 trabalhadores em condições análogas às de escravidão nas obras de um conjunto habitacional em Bofete (189 km de São Paulo). A obra é de responsabilidade da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), estatal do governo do Estado, e está sendo executada pela construtora Croma.

 As irregularidades foram denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Bauru. Os operários estavam trabalhando há dois meses em condições péssimas de trabalho, de domingo a domingo, sem receber salário, segundo a procuradoria.

A Croma diz que as condições de trabalho nos canteiros de obras e alojamentos estão dentro das normas exigidas e nega que a jornada de trabalho esteja sendo desrespeitada. A empresa reconhece que os trabalhadores não estão recebendo salários, mas responsabiliza um intermediador, também conhecido como "gato", que teria recebido o dinheiro para o pagamento, mas não repassou aos trabalhadores.

Irregularidades

Os operários são migrantes provenientes do Maranhão, Piauí e Ceará e foram resgatados pelos fiscais do MPT. No local, os procuradores constataram o aliciamento dos trabalhadores, que foram trazidos da cidade de origem por “gatos” em ônibus clandestinos, com falsas promessas de remuneração e moradia, segundo o MPT.

Empresa tem dezenas de contratos com CDHU e
Minha Casa Minha Vida

A construtora Croma foi fundada em 1990 em Ribeirão Preto e hoje tem sede no bairro da Bela Vista, região central da capital. No site, empresa diz ser responsável por “obras significativas, que contribuem para o desenvolvimento do Estado e do país, como a construção e reforma de escolas, urbanização de comunidades carentes e a construção de empreendimentos.”

Atualmente, a Croma é responsável por cinco obras de conjuntos da CDHU em cidades do interior, que totalizam cerca de 1.900 moradias. A empresa também tem contratos com a Caixa Econômica Federal para execução de sete projetos do programa Minha Casa Minha Vida, que juntos somam 1.520 unidades habitacionais.

Com relação a obras já inauguradas, a Croma foi responsável pela construção de 5.300 moradias em 28 unidades da CDHU. A empresa também construiu 597 unidades habitacionais populares financiadas pela Caixa.

A procuradoria afirma que eles foram contratados diretamente pelas empresas J. Pereira Comércio e Empreiteira de Mão de Obra e Hercules Emilson Jacinto-ME, que prestam serviços para a Croma na obra da CDHU.

A investigação do MPT apontou que os operários foram encaminhados a canteiros de obra na cidade de Ribeirão Preto, onde a Croma possui matriz, e em seguida foram enviados para Bofete para trabalhar nas obras do conjunto habitacional.

Segundo a procuradoria, os trabalhadores estavam sem receber salários há dois meses e não tinham equipamentos de proteção ou treinamento adequados para a prestação de serviços. A jornada de trabalho era excessiva: eles trabalhavam de domingo a domingo, sem direito a descanso semanal ou sequer a intervalos para fazer suas refeições, segundo a investigação.

As moradias dos migrantes estavam em estado “extremamente degradante”, de acordo com o MPF: “Trata-se de casebres na periferia de Bofete, todas superlotadas e com condições higiênicas precárias, sem qualquer conforto”, diz o órgão, em nota.

Ainda segundo a procuradoria, os trabalhadores estavam dormindo ao relento, em áreas externas das casas. “Os colchões espalhavam-se pela cozinha e pelo chão dos dormitórios, além das varandas. Não havia mesas, cadeiras ou sofás, o que obrigava os migrantes a comer no chão.”

Nos banheiros, não havia chuveiro elétrico, papel higiênico ou higienização. Ao longo das moradias, a fiação exposta e as “gambiarras” colocavam em risco a vida dos trabalhadores, já que o perigo de incêndio era iminente, afirma o MPT. Os fiscais resgataram os trabalhadores e emitiram guias de seguro-desemprego e a obrigação do pagamento das verbas rescisórias.

Outro lado

Segundo Jorge Cabanilha, coordenador de obras da Croma, as instalações dos trabalhadores seguem a norma NR18, que regulamentam as condições de trabalho em obras. Ele afirma ainda que a empresa está acompanhando a obra.

“Sempre que possível acompanhamos a situação deles. A gente nunca deixou alguém em situação de salubre. A mão-de-obra é o item mais importante e valioso da obra. O mais prejudicado em uma situação como essa seria a própria construtora”, afirma Cabanilha.

O representante da construtora diz que as irregularidades encontradas pelo MPT podem ter sido “plantadas” pelos funcionários para exigir o pagamento dos salários. Sobre a jornada de trabalho, Cabanilha diz que os operários trabalham de segunda à quinta das 7h às 17h, e na sexta das 7h às 16h, com uma hora de intervalo de almoço.

O coordenador de obras disse ainda que a responsabilidade da Croma era levantar a verba para pagar os salários dos operários e procurar o intermediador para reaver o prejuízo.

Procurada pela reportagem, "a CDHU diz que não compactua com qualquer tipo de conduta irregular e determina às construtoras contratadas que sigam rigorosamente a legislação trabalhista". A companhia afirma ainda que "mantém uma gerenciadora e uma fiscalizadora nos canteiros de obras, que acompanham  todo o trabalho realizado pelas construtoras."

MPT move ação

Os procuradores afirmam que tentaram uma solução amigável para o problema em reunião com representantes da empresa Croma. Foi proposto pelo MPT o pagamento dos salários atrasados, das verbas rescisórias e o custeio do transporte dos trabalhadores de volta ao seu Estado de origem. A empresa Croma, alegando que já havia pago o que lhe cabia ao “gato”, recusou a proposta, segundo a procuradoria.

Diante da negativa da empresa, os procuradores moveram ação civil pública pedindo a indisponibilidade dos bens móveis, imóveis, de créditos bancários e outros ativos da Croma e de seus sócios, com o objetivo de quitar os débitos pendentes com os trabalhadores, entre eles, aqueles referentes aos salários atrasados e rescisórias. Segundo a procuradoria, o total que a empresa deve aos trabalhadores é de R$ 328 mil.

O MPT pede também a condenação da Croma e dos seus sócios ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos e da CDHU e das empreiteiras envolvidas ao pagamento de indenização de R$ 100 mil cada, além das obrigações de dar baixa nas carteiras de trabalho, com fornecimento da guia para levantamento de FGTS, e o custeio de transporte e alimentação até as cidades de origem dos trabalhadores. A ação foi protocolada ontem, na Vara do Trabalho de Botucatu.

A reportagem entrou em contato com a CDHU e aguarda uma posição sobre o caso.