Procuradoria flagra trabalho escravo em obras da CDHU no interior de São Paulo
Procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Bauru (SP) e fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram, nesta quinta-feira (19), 50 trabalhadores em condições análogas às de escravidão nas obras de um conjunto habitacional em Bofete (189 km de São Paulo). A obra é de responsabilidade da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), estatal do governo do Estado, e está sendo executada pela construtora Croma.
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As irregularidades foram denunciadas pelo Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Bauru. Os operários estavam trabalhando há dois meses em condições péssimas de trabalho, de domingo a domingo, sem receber salário, segundo a procuradoria.
A Croma diz que as condições de trabalho nos canteiros de obras e alojamentos estão dentro das normas exigidas e nega que a jornada de trabalho esteja sendo desrespeitada. A empresa reconhece que os trabalhadores não estão recebendo salários, mas responsabiliza um intermediador, também conhecido como "gato", que teria recebido o dinheiro para o pagamento, mas não repassou aos trabalhadores.
Irregularidades
Os operários são migrantes provenientes do Maranhão, Piauí e Ceará e foram resgatados pelos fiscais do MPT. No local, os procuradores constataram o aliciamento dos trabalhadores, que foram trazidos da cidade de origem por “gatos” em ônibus clandestinos, com falsas promessas de remuneração e moradia, segundo o MPT.
Empresa tem dezenas de contratos com CDHU e
Minha Casa Minha Vida
A construtora Croma foi fundada em 1990 em Ribeirão Preto e hoje tem sede no bairro da Bela Vista, região central da capital. No site, empresa diz ser responsável por “obras significativas, que contribuem para o desenvolvimento do Estado e do país, como a construção e reforma de escolas, urbanização de comunidades carentes e a construção de empreendimentos.”
Atualmente, a Croma é responsável por cinco obras de conjuntos da CDHU em cidades do interior, que totalizam cerca de 1.900 moradias. A empresa também tem contratos com a Caixa Econômica Federal para execução de sete projetos do programa Minha Casa Minha Vida, que juntos somam 1.520 unidades habitacionais.
Com relação a obras já inauguradas, a Croma foi responsável pela construção de 5.300 moradias em 28 unidades da CDHU. A empresa também construiu 597 unidades habitacionais populares financiadas pela Caixa.
A procuradoria afirma que eles foram contratados diretamente pelas empresas J. Pereira Comércio e Empreiteira de Mão de Obra e Hercules Emilson Jacinto-ME, que prestam serviços para a Croma na obra da CDHU.
A investigação do MPT apontou que os operários foram encaminhados a canteiros de obra na cidade de Ribeirão Preto, onde a Croma possui matriz, e em seguida foram enviados para Bofete para trabalhar nas obras do conjunto habitacional.
Segundo a procuradoria, os trabalhadores estavam sem receber salários há dois meses e não tinham equipamentos de proteção ou treinamento adequados para a prestação de serviços. A jornada de trabalho era excessiva: eles trabalhavam de domingo a domingo, sem direito a descanso semanal ou sequer a intervalos para fazer suas refeições, segundo a investigação.
As moradias dos migrantes estavam em estado “extremamente degradante”, de acordo com o MPF: “Trata-se de casebres na periferia de Bofete, todas superlotadas e com condições higiênicas precárias, sem qualquer conforto”, diz o órgão, em nota.
Ainda segundo a procuradoria, os trabalhadores estavam dormindo ao relento, em áreas externas das casas. “Os colchões espalhavam-se pela cozinha e pelo chão dos dormitórios, além das varandas. Não havia mesas, cadeiras ou sofás, o que obrigava os migrantes a comer no chão.”
Nos banheiros, não havia chuveiro elétrico, papel higiênico ou higienização. Ao longo das moradias, a fiação exposta e as “gambiarras” colocavam em risco a vida dos trabalhadores, já que o perigo de incêndio era iminente, afirma o MPT. Os fiscais resgataram os trabalhadores e emitiram guias de seguro-desemprego e a obrigação do pagamento das verbas rescisórias.
Outro lado
Segundo Jorge Cabanilha, coordenador de obras da Croma, as instalações dos trabalhadores seguem a norma NR18, que regulamentam as condições de trabalho em obras. Ele afirma ainda que a empresa está acompanhando a obra.
“Sempre que possível acompanhamos a situação deles. A gente nunca deixou alguém em situação de salubre. A mão-de-obra é o item mais importante e valioso da obra. O mais prejudicado em uma situação como essa seria a própria construtora”, afirma Cabanilha.
O representante da construtora diz que as irregularidades encontradas pelo MPT podem ter sido “plantadas” pelos funcionários para exigir o pagamento dos salários. Sobre a jornada de trabalho, Cabanilha diz que os operários trabalham de segunda à quinta das 7h às 17h, e na sexta das 7h às 16h, com uma hora de intervalo de almoço.
O coordenador de obras disse ainda que a responsabilidade da Croma era levantar a verba para pagar os salários dos operários e procurar o intermediador para reaver o prejuízo.
Procurada pela reportagem, "a CDHU diz que não compactua com qualquer tipo de conduta irregular e determina às construtoras contratadas que sigam rigorosamente a legislação trabalhista". A companhia afirma ainda que "mantém uma gerenciadora e uma fiscalizadora nos canteiros de obras, que acompanham todo o trabalho realizado pelas construtoras."
MPT move ação
Os procuradores afirmam que tentaram uma solução amigável para o problema em reunião com representantes da empresa Croma. Foi proposto pelo MPT o pagamento dos salários atrasados, das verbas rescisórias e o custeio do transporte dos trabalhadores de volta ao seu Estado de origem. A empresa Croma, alegando que já havia pago o que lhe cabia ao “gato”, recusou a proposta, segundo a procuradoria.
Diante da negativa da empresa, os procuradores moveram ação civil pública pedindo a indisponibilidade dos bens móveis, imóveis, de créditos bancários e outros ativos da Croma e de seus sócios, com o objetivo de quitar os débitos pendentes com os trabalhadores, entre eles, aqueles referentes aos salários atrasados e rescisórias. Segundo a procuradoria, o total que a empresa deve aos trabalhadores é de R$ 328 mil.
O MPT pede também a condenação da Croma e dos seus sócios ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos e da CDHU e das empreiteiras envolvidas ao pagamento de indenização de R$ 100 mil cada, além das obrigações de dar baixa nas carteiras de trabalho, com fornecimento da guia para levantamento de FGTS, e o custeio de transporte e alimentação até as cidades de origem dos trabalhadores. A ação foi protocolada ontem, na Vara do Trabalho de Botucatu.
A reportagem entrou em contato com a CDHU e aguarda uma posição sobre o caso.
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