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MP investiga cachês milionários pagos por prefeituras a artistas no Rio Grande do Norte

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

03/08/2012 06h00

Os indícios de superfaturamento no pagamento de cachês a cantores e bandas estão sendo alvo de investigação pelo Ministério Público no Rio Grande do Norte. Somente em 2012, as cidades de Macau (181 km de Natal) e Guamaré (170 km da capital) gastaram mais de R$ 6 milhões com shows durante o Carnaval e uma festa de emancipação. Há casos em que uma banda recebeu R$ 700 mil por apresentações. O valor gasto com as duas festas em Guamaré supera o principal repasse feito pelo governo federal ao município este ano. Segundo o Tesouro Nacional, Guamaré recebeu R$ 3,58 milhões até o mês de julho pelo FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

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Segundo planilha de valores pagos em cachê, informada pelo MP, a cidade de Guamaré gastou, somente em 2012, R$ 4,1 milhões com o pagamento de artistas para as festas de Carnaval e de emancipação política do município (realizada entre 2 e 6 de maio).

A prestação de contas apresentada pela prefeitura aponta para o pagamento de cachês em preço acima dos cobrados pelos artistas. A dupla Zezé di Camargo e Luciano foi uma das atrações da festa de emancipação e teria recebido R$ 450 mil para se apresentar no dia cinco de maio. Porém, o cachê da dupla, hoje, estaria em torno de R$ 150 mil, segundo ranking divulgado pela "Folha de S. Paulo".

No ranking, o show mais caro seria o de Michel Teló, que custaria R$ 350 mil – R$ 100 mil a menos do que o valor pago pela prefeitura à dupla sertaneja, por exemplo.

Outros valores de shows também chamam a atenção pelos preços cobrados. O cantor Fábio Jr. teria recebido o cachê de R$ 290 mil. As bandas Parangolé (R$ 215 mil), Cheiro de Amor (R$ 215 mil) e Garota Safada (R$ 157 mil) também aparecem na lista com quantias acima das cobradas pelos grupos no mercado.

A festa de Carnaval da cidade também teve gastos milionários em 2012, com a contratação de bandas famosas. A atração mais cara da festa foi o baiano Ricardo Chaves, que teria recebido R$ 270 mil de cachê. Também adeptas do axé, Tatau e Banda (R$ 265 mil) e Chicabana (R$ 262 mil) foram inclusas na lista das mais bem pagas.

A prefeitura também foi generosa com bandas menos conhecidas do grande público. Grupos como o Leva Noiz, Grafith, Phaphirô, Fantasmão, Forró Pegado, Saia Rodada e Duas Medidas também aparecem na prestação de contas com cachês bem superiores a R$ 100 mil.

Em Macau, o Carnaval custou R$ 2,2 milhões em cachês a artistas. Entre todos os contratados, nenhuma banda foi tão agraciada como a potiguar Grafith, que teria recebido nada menos que R$ 700 mil por sete apresentações.

Apesar de não ser São João, bandas de Forró também não foram esquecidas: Cavaleiros do Forró (R$ 165 mil), Forró Pegado (R$ 160 mil) e Forró dos Play (R$ 150 mil) também receberam quantias bem acima de valores normais, segundo análise do MP.

O UOL consultou um produtor cultural e mostrou a planilha apresentada pelas prefeituras. Para ele, os cachês não custam nem próximo dos valores citados em praticamente todos os casos.

“Esses preços estão completamente fora da realidade dos shows, ainda mais por se tratar de cidades do interior do Nordeste. Com R$ 2 milhões você promove uma festa de dez dias, com dez atrações nacionais de peso e ainda sobra dinheiro. Poucos shows custam R$ 100 mil”, disse.

“Gastos exorbitantes”

“Os valores gastos não justificam de forma alguma, são exorbitantes. Como pessoas comuns, procuramos os empresários das bandas, e eles passam um valor bem inferior aos que são pagos", disse promotora de defesa do patrimônio público do MP, Isabel de Siqueira, que explicou que o MP quer saber, agora, se os artistas contratados receberam o valor apresentado na prestação de contas.

“Queremos agora saber quem recebeu o cheque. Porque as prefeituras fazem o seguinte: contratam um empresário local, que intermedia os shows com exclusividade. Não sabemos quanto o artista recebe”, disse. Segundo a promotora, “o caso de Guamaré é incrível".

A cidade é a maior produtora de petróleo do Estado e tem a economia baseada na estação da Petrobras. "É uma cidade de 14 mil habitantes, que recebe muito dinheiro em royalties. Tudo em Guamaré são milhões e milhões. Mas toda eleição é assim: o prefeito entra uma pessoa normal e sai milionário. A escola da cidade é de má qualidade. Na avaliação do MEC (Ministério da Educação), ela tirou nota 4,3, mais baixa que a média da avaliação do Estado”, alegou.

A promotora explicou que já procurou os municípios para tentar um acordo, para redução dos gastos públicos, mas não obteve êxito. “Em 2010 tentamos um termo de ajuste de conduta, enviamos recomendações, mas não serviu”, disse.

A promotora responsável pelas comarcas de Macau e Guamaré, Raquel Batista de Ataide Fagundes, informou que há dois anos o MP passou a acompanhar os pagamentos.

Segundo ela, existem três inquéritos investigando os gastos de festas em Macau e outros dois em Guamaré.  Um procedimento preparatório também foi instaurado em Guamaré para avaliar os gastos da festa de emancipação da cidade. Todos ainda estão em fase de tramitação.

“Em relação a todos os procedimentos, alguns documentos já foram apresentados pelo Município e estão em fase de análise. Somente após a análise de todos os documentos, serão definidos os próximos passos”, disse.

Sem resposta

O UOL tentou contato com as prefeituras com gastos suspeitos, mas não obteve êxito. Em Guamaré, a reportagem ligou para a Secretaria de Cultura, que informou que a responsabilidade seria da pasta do Turismo, que por sua vez pediu que procurássemos a Secretaria de Administração e Finanças.

As ligações telefônicas para o órgão, porém, não foram atendidas. O UOL ainda ligou para o celular da Chefe da Casa Civil, Katiuscia Montenegro, mas a ligação foi atendida por uma pessoa, que alegou que a chefe poderia atender a ligação em dez minutos. Mas, ao retornar a ligação, o telefone estava desligado.

Em Macau, a prefeitura informou que existiria um assessor de imprensa que poderia passar informações. Porém, os telefones fixo e celular repassados não tiveram as ligações completadas.