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Polícia Militar paulista matou 229 pessoas no primeiro semestre, diz ouvidor

Policiais da Rota entraram em confronto com suposto grupo de crime organizado, em Várzea Paulista (SP), resultando na morte de nove pessoas em setembro - Mario Ângelo/ SigmaPress/AE
Policiais da Rota entraram em confronto com suposto grupo de crime organizado, em Várzea Paulista (SP), resultando na morte de nove pessoas em setembro Imagem: Mario Ângelo/ SigmaPress/AE

Elaine Patricia Cruz

Da Agência Brasil, em São Paulo

01/10/2012 11h46

Confrontos envolvendo a Polícia Militar de São Paulo provocaram a morte de 229 pessoas só no primeiro semestre deste ano. Os números foram passados à "Agência Brasil" pelo ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Luiz Gonzaga Dantas. Isso representa crescimento, segundo ele, quando comparado a 2011, quando 438 pessoas morreram em confrontos com a polícia durante todo o ano.

Somente os confrontos envolvendo o 1º Batalhão de Choque da Polícia Militar, batizado como Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), vitimaram 48 pessoas no primeiro semestre deste ano.

“Se pegarmos um policiamento mais específico, no caso, a Rota, há uma letalidade no semestre maior do que no ano passado. No ano passado tivemos, nesse mesmo período , 40 pessoas que foram vitimadas pela Rota. No primeiro semestre deste ano, tivemos um aumento de 20%, ou seja, 48 pessoas que foram vitimadas pela Rota”, disse o ouvidor, em entrevista à "Agência Brasil".

Se forem considerados também os meses de julho e de agosto, a letalidade em confrontos envolvendo a Rota e registradas como “resistência seguida de morte” sobe para 65 casos. Para a ouvidoria, se for mantido o ritmo, “é possível que o número de letalidade da Rota seja maior em 2012”.

Os números de setembro ainda não foram contabilizados, mas devem ser acrescentadas à lista as nove mortes ocorridas em Várzea Paulista, na Grande São Paulo, onde 40 homens da Rota entraram em confronto com um grupo de criminosos que julgava um homem acusado por eles de estupro.

Desde novembro do ano passado, a Rota esteve sob o comando do tenente-coronel Salvador Modesto Madia, que foi substituído na última quarta-feira (26) pelo tenente-coronel Nivaldo César Restivo. Ambos são réus no processo que envolve o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 111 detentos foram mortos.

Em todo o ano passado, confrontos envolvendo a Rota vitimaram 82 pessoas, mostrando crescimento no número de mortos desde 2007, quando foram registrados 46 casos. Desde 2001, o maior número de mortes envolvendo a Rota ocorreu em 2003, com 124 letalidades.

Para o ouvidor, os números mostram que é preciso ampliar o esforço para que as mortes ocorridas em confrontos com a polícia deixem de ser registradas como resistência seguida de morte e passem a ser consideradas homicídios.

“Estamos envidando esforços para que esse registro seja feito de acordo com a lei. Não é nenhuma coisa do outro mundo. Vamos conversar com o Tribunal de Justiça e o Ministério Público para que crimes onde há mortes e nos quais conste que a pessoa resistiu a uma ordem legal do agente público de segurança sejam registrados como homicídio”, disse Dantas.

Apesar de os números apontarem crescimento no número de mortes, o perito aposentado do Instituto de Criminalística de São Paulo, Osvaldo Negrini Neto, responsável pelo laudo principal sobre a morte dos presos no Massacre do Carandiru, acha que houve mudanças no comportamento da Rota desde aquela época.

“Eu trabalhava em uma seção chamada de Perícias de Resistência Seguida de Morte. Sabe quantos casos tínhamos por mês, naquela época? Duzentos e vinte. E a maioria era [praticada pela] Rota. Hoje, com a população quase dobrada, não chega a 50 por mês, na capital. Veja como mudou a conduta da Polícia Militar. Ainda está violenta, mas na época você nem acreditaria”, disse ele, à Agência Brasil.

Segundo o perito, no mês seguinte ao massacre, já foi possível constatar uma queda no número de mortes envolvendo policiais. “Do mês de novembro em diante, o número de resistência seguida de morte, ou seja, de homicídios cometidos pela Polícia Militar, caiu de 220, na média, para 35. E ficou nessa média durante muito tempo”, disse ele, que se aposentou em 2010.

Já para Guaracy Mingardi, especialista em Segurança Pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o excesso policial não acabou após o episódio do Massacre do Carandiru. Passados 20 anos, ele acredita que ainda falta controlar mais o trabalho da Polícia Militar. “Quando não se pisa no freio, a polícia extrapola, porque é mais fácil trabalhar com violência”, disse ele.

Mingardi critica a decisão da Secretaria de Segurança Pública de colocar no comando da Rota policiais que são denunciados pelo massacre. Para ele, com isso, passa-se à população uma “mensagem errada”.

O padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, tem a mesma opinião: “Nosso manifesto coloca a indignação contra a premiação dos militares que participaram do Massacre do Carandiru. Não só não houve julgamento [dos responsáveis pelo massacre do Carandiru] como houve, pelo Estado, o fortalecimento e a premiação [dos policiais] dizendo: ‘Eles agiram corretamente e agora merecem destaque e apoio’”.

O número de policiais militares assassinados no estado de São Paulo também vem crescendo e é praticamente 40% maior do que a quantidade de casos registrados em todo o ano passado. Ao longo de 2011, foram mortos 48 policiais, enquanto nos primeiros nove meses de 2012, até o início de setembro, foram 67 ocorrências.

Para Mingardi, os números podem indicar que está ocorrendo um “revanchismo” em São Paulo. “A polícia mata, os criminosos vão se vingar e a coisa vai crescendo. Aí, quando se mata um policial, a polícia vai lá e mata mais. Inclusive porque existe uma falha no nosso sistema. Quando não se resolve o caso do policial morto e não se prende logo os criminosos, vai se criando uma ideia de revanchismo na polícia.”

A Polícia Militar de São Paulo não respondeu aos esclarecimentos solicitados pela Agência Brasil. Já a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disse que a taxa de letalidade vem caindo. “A taxa de letalidade caiu significativamente ao longo da década. Ela era, em 2003, de uma morte por 132 prisões e apreensões realizadas. Hoje, a taxa é uma morte por 290 prisões. A taxa de mortos pela polícia em São Paulo é 1,1 em  cada grupo de 100 mil habitantes”.

A secretaria também destacou que a polícia é treinada para agir de acordo com a lei e que, em casos de excessos ou crimes, os policiais são punidos. “Importante lembrar que, neste ano, três policiais da Rota foram presos depois de serem acusados de homicídio em uma ação. A ‘mensagem’, portanto, sempre foi a de agir dentro da legalidade”, disse o órgão.

Sobre a mudança no comando da Rota, a secretaria informou que ela não foi provocada por motivos especiais e ocorreu por “um remanejamento técnico e administrativo”.

Em entrevista a jornalistas na última quinta-feira (27), o governador Geraldo Alckmin falou que a substituição no comando da Rota foi técnica. “Essas mudanças são normais e são decisões técnicas, da pasta e do comando [da PM]”.

O governador também enfatizou que o número de homicídios vem caindo no estado. “Todos os indicadores de homicídio são crescentes no Brasil e em São Paulo há queda. Somos um dos poucos estados na faixa de dez homicídios por 100 mil habitantes, que é o que recomenda a Organização Mundial da Saúde”, disse ele.