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Após morte de estudantes, repúblicas prometem 'Carnaval alcoólico' em Ouro Preto (MG)

Ouro Preto (MG) abriga 60 repúblicas estudantis de alunos da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) - Reprodução
Ouro Preto (MG) abriga 60 repúblicas estudantis de alunos da Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto) Imagem: Reprodução

Rayder Bragon

Do UOL, em Belo Horizonte

08/12/2012 06h00

Depois de duas mortes de estudantes em menos de um mês, cujas causas sugerem o consumo excessivo de álcool, repúblicas estudantis de Ouro Preto (96 km de Belo Horizonte) estão prometendo um Carnaval em 2013 com bebidas alcoólicas à vontade, 24 horas por dia, a quem for se hospedar nos casarões históricos que abrigam alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Os pacotes ofertados por algumas repúblicas particulares e da Ufop em um site na internet alardeiam na grande maioria o slogan “bebida liberada 24 horas”, inclusive em local exclusivo para estudantes do sexo feminino. No cardápio são oferecidas festas temáticas guarnecidas com cerveja e destilados, como rum, tequila, cachaça, vodca e uísque

O UOL entrou em contato com algumas repúblicas e constatou que o preço cobrado para um pacote de cinco dias varia de R$ 800 a R$ 900 (masculino) e R$ 500 a R$ 750 (feminino). “O gole é liberado. A hora que você quiser tem”, disse um dos responsáveis pela venda dos pacotes. “Ninguém é obrigado a encher a cara. Acho que as mortes foram uma fatalidade, mas, no geral, as festas são como outras que ocorrem com universitários no restante do país.”

Estudante é encontrado morto em república de Ouro Preto

A bebedeira entre alunos é maior em Ouro Preto do que em outras cidades universitárias do Brasil. Pesquisa realizada há dois anos pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicada em 2011, aponta que os alunos da Ufop estão no topo da lista de ranking nacional sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Ao todo, 29,18% dos estudantes admitiram uso “periódico ou sempre” de álcool, mais do que o dobro da média nacional, que ficou na casa dos 14%.

As mortes

No último dia 30 de novembro, o estudante do curso de química industrial Pedro Silva Vieira, 25, foi encontrado inconsciente na república “Saudade da Mamãe” e levado pelo Corpo de Bombeiros a uma unidade de pronto atendimento. Morreu ao dar entrada no local. O laudo apontando as causas da morte ainda não foi concluído, mas informações colhidas no local deram conta de que ele poderia ter se sufocado com o próprio vômito após participar de uma festa no dia anterior.

De maneira semelhante, e apenas um mês antes, em 27 de outubro, o estudante de artes cênicas Daniel Mello, 27, foi encontrado morto em uma república particular. Colegas e moradores do local teriam dito à Polícia Civil que o homem havia consumido muita bebida alcoólica, durante todo o dia, e ainda participou de uma festa à noite na qual continuou a beber.

Ele supostamente foi asfixiado pelo próprio vômito. A causa da morte ainda não foi revelada pela perícia da Polícia Civil. A corporação abriu um inquérito para investigar o caso e descartou que o óbito tenha sido criminoso.

A Ufop determinou a abertura de uma comissão de investigação, em relação à morte de Pedro Vieira, cujo resultado deverá ser concluído em 30 dias e, caso seja provada a culpa de terceiros no episódio, as penalidades poderão culminar com a expulsão da universidade, não eximindo ações na esfera penal, informou o reitor João Luiz Martins. A reitoria também determinou luto oficial por três dias em razão do óbito do estudante.

Onde fica

  • Arte UOL

    Ouro Preto está a 96 km de Belo Horizonte

As repúblicas

Em Ouro Preto são 60 repúblicas sob responsabilidade da instituição de ensino que, por sua vez, delega poderes a grupos de estudantes considerados “veteranos’ para gerirem a república em que vivem. Ao todo, são 700 alunos nesses locais. Eles dividem as despesas do custeio da manutenção da casa, pagando as contas de água, luz e telefone.

A Ufop apenas intervém em casos que requeiram investimentos na conservação ou recuperação do imóvel. De acordo com o Estatuto das Residências Estudantis, um morador de cada república é escolhido para representá-la oficialmente, mas todos respondem pelos “atos praticados” nas esferas administrativa, civil e penal. Além disso, cada unidade tem de ter o seu próprio regimento interno.

Prioritariamente, esses locais devem acolher o estudante mais “desfavorecido economicamente”, mas os critérios de escolha ficam a cargo de cada casa, conforme resolução do estatuto. Ainda de acordo com o texto, os moradores podem realizar festas com o intuito de arrecadar dinheiro exclusivamente para a manutenção do local e “albergar convidados”. A prestação de contas da destinação do dinheiro é feita anualmente.

As regras

O Ministério Público Estadual (MPE) e o Ministério Público Federal (MPF) haviam recomendado à reitoria da Ufop, em 2009, regras a serem seguidas no tocante ao funcionamento das repúblicas sob a administração da universidade.

Uma das recomendações solicitava à universidade “que adotasse todas as medidas legais cabíveis para o efetivo cumprimento, por parte dos estudantes, da função social de tais imóveis, e proibisse qualquer atividade de caráter econômico no interior das referidas residências, notadamente a comercialização e promoção de blocos”.

Ainda conforme o MP, apesar dos esforços empreendidos pela universidade, havia a resistência dos estudantes em acatar as recomendações do MP no sentido de “adequar o comportamento dos moradores” das repúblicas.

Liberdade

O reitor da Universidade Federal de Ouro Preto, João Luiz Martins, lamentou as mortes ocorridas e afirmou que vai esperar o laudo definitivo sobre elas para se posicionar sobre o assunto. Ele admitiu que há falta de material humano para auxiliar o estudante.

“Somos poucos para educar e orientar, mas temos uma pró-reitoria que cuida da assistência e permanência estudantil. Temos psicólogos e assistentes sociais e inúmeros alunos que nos procuram voluntariamente para receber o apoio e o acolhimento em relação a bebidas e a outros assuntos”, disse.

Em nota divulgada pela Prefeitura de Ouro Preto, o prefeito Ângelo Oswaldo (PMDB) disse ter se solidarizado com as famílias dos estudantes mortos, com a universidade e com o reitor. De acordo com o texto, a administração municipal “procura soluções viáveis para evitar acontecimentos trágicos como os que ocorreram agora”.

“A venda de bebidas alcoólicas é livre na cidade e no país, pelo que a responsabilidade quanto ao uso excessivo começa na consciência de cada um e a prevenção pede o alerta de todos”, informa o texto.