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Brasil precisa aprender a crescer sem violar os direitos humanos, diz Anistia Internacional

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

10/12/2012 06h00

Mesmo com os esforços empreendidos pelo governo para que o Brasil conquiste a posição de 5ª economia mais forte do mundo, o país precisa aprender a crescer sem atrelar esse desenvolvimento à violação dos direitos humanos. É o que afirma Atila Roque, diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil.

"A agenda do desenvolvimento está muito atrelada a episódios de violência. E em nome deste objetivo maior, que é o crescimento, se abre mão de conservar direitos humanos, seja de índios, quilombos, negros, brancos ou pobres", relata. "É como se o século 21 andasse de mãos dadas com o século 19", completa ele.

Um processo que, como explica Roque, tende a distanciar ainda mais o Brasil dos acordos e das convenções internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (Organização Nacional dos Direitos Humanos). "Ainda que nos últimos 30 anos o país tenha avanço significativamente na diminuição da pobreza e na construção de um Estado mais livre e democrático, os casos de violações ainda são recorrentes."

Mapa de homicídios em SP levanta suspeita de grupos de extermínio

Entre os principais problemas de desrespeito aos direitos humanos, Roque cita o crescimento das mortes violentas no país. "Há uma verdadeira epidemia de homicídios, em particular entre os jovens e os jovens negros", diz ele, que justifica sua afirmação com a pesquisa Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil. "Entre 1981 e 2010, 176 mil pessoas de até 19 anos foram assassinadas. Em 2010, 8.686 crianças e adolescentes foram vítimas dessa violência."

O número, de acordo com o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, representa a queda de 43 aviões cheios de crianças e adolescentes em um único ano. "Ao mesmo tempo em que o número de homicídio entre brancos caiu 25%, o índice entre os negros cresceu 30%. Uma combinação de dados que indica uma dinâmica terrível, ou seja, que os jovens negros estão morrendo em uma escalada assustadora", relata ele, que sugere o fim das mortes intituladas como autorresistência.

"É importante reconhecer que uma parcela dessas mortes acontece na mão da polícia", afirma ele. Dados da Secretaria Nacional de Direitos Humanos apontam que, entre janeiro de 2010 e junho de 2012, São Paulo registrou 1.098 mortes cometidas por policiais. Neste mesmo período, nos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul o número chegou a 2.882 mortes. "A chamada autorresistência dá liberdade para que policiais usem de violência e executem pessoas suspeitas sem o menos pudor", alega Roque, que afirma que a polícia brasileira mata numa escala muito alta

Em um estudo recentemente publicado no "The New York Times", o pesquisador americano Graham Denyer Willis relacionou o aumento da violência no país à baixa remuneração dos policias. Roque reconhece a importância da valorização dos profissionais envolvidos na segurança pública, mas diz não ser determinante para o fim do problema. "É necessária uma grande reforma em todo o sistema da segurança pública, que ainda é muito defasado. A começar pela própria cultura brasileira que estigmatiza o jovem negro e 'autoriza' o extermínio."

Tortura: uma realidade desde a escravidão

Além da escalada de violência, a Anistia Internacional Brasil também acrescenta a tortura como outra violação aos direitos humanos frequente no país. "Aqui ainda não existe nenhuma política de prevenção à tortura", afirma Roque, que diz que esse tipo de ocorrência é frequente principalmente no sistema carcerário. "As prisões brasileiras são verdadeiras sucursais do inferno, situação reconhecida inclusive pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que disse que preferia morrer a ser preso."

Essa violência comum no sistema carcerário, segundo Roque, brutaliza tanto os presos como os agentes penitenciários que convivem constantemente com o clima de "horror". "Esta situação é recorrência do hábito que vem se alastrando desde a escravidão, que se tornou mais escancarado em algumas épocas, como na Ditadura Militar, e mais mascarado em outras, como agora. Mas, que nunca deixou de existir", conta o diretor-executivo.

O problema é agravado com o "padrão de tolerância acentuado" em relação aos crimes cometidos contra a comunidade carcerária, que, como informa Roque, é uma das maiores do mundo, com mais de 500 mil internos.  "Esse padrão de tolerância é grande, porque tratam-se de pessoas pobres, jovens e negras. Isso precisa acabar. Até porque todos, ricos ou pobres, negros ou brancos, têm direito a segurança e a dignidade."

Para Roque, uma solução possível seria a criação de um instituto nacional de direitos humanos, que "possa tratar das violações em suas especificidades, assim como possa impedir que a cultura da impunidade se alastre no Brasil." "Precisamos exigir uma atitude mais proativa tanto do Estado como da sociedade", conclui ele.