Eu também iria às ruas, diz criador de máscara sobre protestos no Brasil
As diversas manifestações pelo Brasil têm pautas diferentes, mas um rosto em comum: uma máscara branca, com bigode virado para cima e um sorriso irônico. O britânico David Lloyd, o homem que criou este símbolo, se diz feliz ao ver o símbolo que criou sendo usado nos protestos e faz um exercício de imaginação: "Acho que se eu estivesse na mesma situação que os brasileiros que estão indo às manifestações, eu também iria para as ruas".
David Lloyd fotografa conjuntos habitacionais no bairro Cidade Tiradentes, em São Paulo, em sua primeira visita ao Brasil, em 2006
Esta máscara foi criada para o personagem V, que estrela a HQ "V de Vingança", ilustrada por Lloyd e roteirizada pelo também britânico Alan Moore. Na história, V usa uma máscara de Guy Fawkes (1570-1606), soldado inglês que foi executado após tentar explodir o Parlamento Britânico em 5 de novembro de 1605.
A história da máscara foi além dos quadrinhos: em março de 2006 estreou no cinema a adaptação de "V de Vingança", dirigida por James McTeigue e estrelada por Hugo Weaving e Natalie Portman. Dois anos depois, membros do movimento hacker Anonymous passaram a utilizá-la em protestos. Esta ação passaria a ser repetida por vários outros movimentos pelo mundo.
MAIS SOBRE A HQ
A história de "V de Vingança" começa em 1997 e se passa numa Inglaterra sombria, depois de uma guerra nuclear que deixou parte do mundo destruído.
O país está dominado por um partido fascista que, após chegar ao poder, eliminou negros, homossexuais e esquerdistas. Surge então V, uma espécie de super-herói anarquista que vai lutar contra o governo. Com aparições teatrais, ele mata membros do governo e ganha a simpatia da população, que toma as ruas.
Sete anos atrás, quando veio ao Brasil pela primeira vez, Lloyd explicou o que ele achava que levava o público a se interessar por V: "Sempre há no mundo pessoas sob repressão, seja ela política, cultural ou outra. E nós sempre sonhamos que outra pessoa venha e lute por nós, que abra mão de tudo, família, amigos, tudo, e venha lutar por nós, por cada um de nós". Ele disse esta frase antes de as máscaras tornarem-se figurinhas carimbadas de manifestações com motivos tão ecléticos como combater a Igreja da Cientologia (nos EUA), impedir a destruição de uma área verde em uma praça tradicional (Turquia) ou pedir tarifa zero para transporte coletivo (Brasil).
"Tenho uma postura cética, eu não acredito que os protestos vão mudar o governo", disse ele ao UOL em entrevista concedida na tarde de terça (25), antes de a Câmara brasileira arquivar a PEC 37 por ampla maioria. "É meu ponto de vista pessoal, isto não significa que não apoio as manifestações: torço para que as pessoas saiam e protestem!"
O artista lamenta não ser mais otimista: "Gostaria que eu não fosse tão cético."
UOL - A máscara que o senhor desenhou para o personagem V, há mais de três décadas, está sendo usada hoje em protestos na África, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Como o senhor se sente em relação a isso?
David Lloyd - Gosto de saber que a máscara está sendo usada desta maneira: um símbolo de resistência. É para isso que ela foi criada.
UOL - Em sua opinião, o que leva os manifestantes a escolherem a máscara de V?
Lloyd - Esta máscara é um símbolo de liberdade e da resistência. Ela também dá anonimato aos manifestantes, no sentido que transforma todas as pessoas em uma mesma pessoa: a massa que está lá protestando.
MAIS SOBRE O FILME
Natalie Portman e Hugo Weaving (sob a máscara) em cena do filme "V de Vingança"
Proibido na China, o filme não foi exibido nos cinemas locais. Em dezembro de 2012, a rede de televisão estatal da China surpreendeu os telespectadores ao transmiti-lo (com o nome mudado para "V Forças Especiais")
UOL - Quando o senhor criou a máscara, em que se baseou?
Lloyd - O personagem V adota a persona e missão do revolucionário Guy Fawkes, que falhou ao tentar explodir o Parlamento Britânico em 5 de novembro de 1605. Então, nosso personagem usa um figurino que remete a Fawkes, e a máscara nada mais é do que um retrato estilizado dele. V ia ter que se parecer com o Guy Fawkes: a máscara é apenas uma representação.
UOL - O que levaria o senhor, hoje, ir às ruas para se manifestar?
Lloyd - Tenho uma postura cética. Eu não acredito que os protestos vão mudar o governo. É meu ponto de vista pessoal, isto não signfica que não apoio as manifestações: torço para que as pessoas saiam e protestem!
Acho que se eu estivesse na mesma situação que os brasileiros que estão indo às manifestações, eu também iria para as ruas. Mas é difícil que convençam o governo: essas estruturas são realmente poderosas. Não o líder, a pessoa do governante, mas as estruturas por trás deles. São realmente poderosas.
Eu gostaria que eu não fosse tão cético.
UOL - Parte da imprensa menciona a origem da máscara como o filme lançado em 2006, esquecendo da sua HQ, lançada 25 anos antes e da qual o filme foi adaptado. Este esquecimento chateia o senhor de alguma maneira?
Lloyd - Acho que o importante é que a ideia está aí fora, se espalhando. O cinema tem uma penetração enorme: os filmes estão em todos os lugares. O filme não é uma cópia exata do original, mas a mensagem está lá. E é disso que estamos falando nesta entrevista: o que importa é a mensagem que a máscara representa: a liberdade, a luta e a resistência.
UOL - O sr. ganha, ainda hoje, dinheiro com a venda das máscaras?
Lloyd - Claro! É parte do merchandising do filme.
OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)
Multidão de manifestantes se reúne em protesto contra a PEC 37 no Rio de Janeiro
Manifestantes tentaram invadir o Palácio do Itamaraty durante protesto em Brasília
Manifestante depreda a sede da Prefeitura de São Paulo, na região central da cidade
PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio
Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional
Milhares de manifestantes tomaram a avenida Faria Lima, em São Paulo
Após protesto calmo em SP, grupo tentou invadir Palácio dos Bandeirantes, sede do governo
Manifestantes tentaram invadir Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio
Carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado
Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes
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