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Eu também iria às ruas, diz criador de máscara sobre protestos no Brasil

Pedro Cirne

Do UOL, em São Paulo

26/06/2013 07h00

As diversas manifestações pelo Brasil têm pautas diferentes, mas um rosto em comum: uma máscara branca, com bigode virado para cima e um sorriso irônico. O britânico David Lloyd, o homem que criou este símbolo, se diz feliz ao ver o símbolo que criou sendo usado nos protestos e faz um exercício de imaginação: "Acho que se eu estivesse na mesma situação que os brasileiros que estão indo às manifestações, eu também iria para as ruas".

  • Bruno Miranda / Folha Imagem - 22.nov.2006

    David Lloyd fotografa conjuntos habitacionais no bairro Cidade Tiradentes, em São Paulo, em sua primeira visita ao Brasil, em 2006

Esta máscara foi criada para o personagem V, que estrela a HQ "V de Vingança", ilustrada por Lloyd e roteirizada pelo também britânico Alan Moore. Na história, V usa uma máscara de Guy Fawkes (1570-1606), soldado inglês que foi executado após tentar explodir o Parlamento Britânico em 5 de novembro de 1605.

A história da máscara foi além dos quadrinhos: em março de 2006 estreou no cinema a adaptação de "V de Vingança", dirigida por James McTeigue e estrelada por Hugo Weaving e Natalie Portman. Dois anos depois, membros do movimento hacker Anonymous passaram a utilizá-la em protestos. Esta ação passaria a ser repetida por vários outros movimentos pelo mundo.

MAIS SOBRE A HQ

A história de "V de Vingança" começa em 1997 e se passa numa Inglaterra sombria, depois de uma guerra nuclear que deixou parte do mundo destruído.

O país está dominado por um partido fascista que, após chegar ao poder, eliminou negros, homossexuais e esquerdistas. Surge então V, uma espécie de super-herói anarquista que vai lutar contra o governo. Com aparições teatrais, ele mata membros do governo e ganha a simpatia da população, que toma as ruas.

Sete anos atrás, quando veio ao Brasil pela primeira vez, Lloyd explicou o que ele achava que levava o público a se interessar por V: "Sempre há no mundo pessoas sob repressão, seja ela política, cultural ou outra. E nós sempre sonhamos que outra pessoa venha e lute por nós, que abra mão de tudo, família, amigos, tudo, e venha lutar por nós, por cada um de nós". Ele disse esta frase antes de as máscaras tornarem-se figurinhas carimbadas de manifestações com motivos tão ecléticos como combater a Igreja da Cientologia (nos EUA), impedir a destruição de uma área verde em uma praça tradicional (Turquia) ou pedir tarifa zero para transporte coletivo (Brasil).

"Tenho uma postura cética, eu não acredito que os protestos vão mudar o governo", disse ele ao UOL em entrevista concedida na tarde de terça (25), antes de a Câmara brasileira arquivar a PEC 37 por ampla maioria. "É meu ponto de vista pessoal, isto não significa que não apoio as manifestações: torço para que as pessoas saiam e protestem!"

Mapa dos protestos

  • Clique no mapa e veja onde aconteceram os principais protestos no Brasi até agora

O artista lamenta não ser mais otimista: "Gostaria que eu não fosse tão cético."

UOL - A máscara que o senhor desenhou para o personagem V, há mais de três décadas, está sendo usada hoje em protestos na África, na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Como o senhor se sente em relação a isso?

David Lloyd - Gosto de saber que a máscara está sendo usada desta maneira: um símbolo de resistência. É para isso que ela foi criada.

UOL - Em sua opinião, o que leva os manifestantes a escolherem a máscara de V?

Lloyd - Esta máscara é um símbolo de liberdade e da resistência. Ela também dá anonimato aos manifestantes, no sentido que transforma todas as pessoas em uma mesma pessoa: a massa que está lá protestando.

MAIS SOBRE O FILME

  • Divulgação

    Natalie Portman e Hugo Weaving (sob a máscara) em cena do filme "V de Vingança"

    Proibido na China, o filme não foi exibido nos cinemas locais. Em dezembro de 2012, a rede de televisão estatal da China surpreendeu os telespectadores ao transmiti-lo (com o nome mudado para "V Forças Especiais")

UOL - Quando o senhor criou a máscara, em que se baseou?

Lloyd - O personagem V adota a persona e missão do revolucionário Guy Fawkes, que falhou ao tentar explodir o Parlamento Britânico em 5 de novembro de 1605. Então, nosso personagem usa um figurino que remete a Fawkes, e a máscara nada mais é do que um retrato estilizado dele. V ia ter que se parecer com o Guy Fawkes: a máscara é apenas uma representação.

UOL - O que levaria o senhor, hoje, ir às ruas para se manifestar?

Lloyd - Tenho uma postura cética. Eu não acredito que os protestos vão mudar o governo. É meu ponto de vista pessoal, isto não signfica que não apoio as manifestações: torço para que as pessoas saiam e protestem!

Acho que se eu estivesse na mesma situação que os brasileiros que estão indo às manifestações, eu também iria para as ruas. Mas é difícil que convençam o governo: essas estruturas são realmente poderosas. Não o líder, a pessoa do governante, mas as estruturas por trás deles. São realmente poderosas.

Eu gostaria que eu não fosse tão cético.

UOL - Parte da imprensa menciona a origem da máscara como o filme lançado em 2006, esquecendo da sua HQ, lançada 25 anos antes e da qual o filme foi adaptado. Este esquecimento chateia o senhor de alguma maneira?

Lloyd - Acho que o importante é que a ideia está aí fora, se espalhando. O cinema tem uma penetração enorme: os filmes estão em todos os lugares. O filme não é uma cópia exata do original, mas a mensagem está lá. E é disso que estamos falando nesta entrevista: o que importa é a mensagem que a máscara representa: a liberdade, a luta e a resistência.

UOL - O sr. ganha, ainda hoje, dinheiro com a venda das máscaras?

Lloyd - Claro! É parte do merchandising do filme.

OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)

  • Multidão de manifestantes se reúne em protesto contra a PEC 37 no Rio de Janeiro

  • Manifestantes tentaram invadir o Palácio do Itamaraty durante protesto em Brasília

  • Manifestante depreda a sede da Prefeitura de São Paulo, na região central da cidade

  • PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio

  • Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional

  • Milhares de manifestantes tomaram a avenida Faria Lima, em São Paulo

  • Após protesto calmo em SP, grupo tentou invadir Palácio dos Bandeirantes, sede do governo

  • Manifestantes tentaram invadir Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio

  • Carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado

  • Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes