Em percurso improvisado, peregrinos enfrentam desorganização, fazem penitência e curtem paisagem
Rito tradicional na Jornada Mundial da Juventude, a peregrinação deste sábado (27), na véspera do encerramento do evento, teve que ser improvisada no Rio de Janeiro, depois que as chuvas deixaram sem condições de uso o terreno previsto para a atividade, em Guaratiba, na zona oeste da cidade.
Realizada numa distância menor (9,5 km em vez dos 13 km programados), a nova peregrinação saiu da Central do Brasil, no centro, e foi até Copacabana. O repórter do UOL acompanhou alguns grupos que fizeram o percurso nesta manhã. Testemunhou problemas de organização e falhas operacionais, mas também viu fervor religioso e diversão. Abaixo, o seu relato:
6h30: Jovens saem da estação Siqueira Campos, do metrô, carregando sacos de dormir para a vigília noturna, que começará 15 horas depois. Embarco em direção à Central do Brasil.
6h55: Peregrinos andam de um lado para o outro dentro da estação. Muitos querem embarcar em direção à Copacabana; outros chegam para a peregrinação.
7h: Saindo da estação, na avenida Presidente Vargas, não há nenhum voluntário para instruir os peregrinos. A maioria atravessa a avenida e se concentra diante da Praça da República (Campo de Santana). Diferentemente do informado, não há uma faixa para os peregrinos neste ponto.
7h15: Funcionários da CET-Rio tentam ajudar os peregrinos a cruzar a avenida Presidente Vargas, já com forte movimento de ônibus. Um grupo de soldados do Exército se mantém de prontidão, mas não faz nada. Idem um policial militar, dentro de um carro.
7h35: Sob uma chuva fina, decido começar a minha peregrinação, acompanhando um grupo de mexicanos e outro de paulistas, de Bauru.
7h50: A chuva aperta. Na esquina com a rua Uruguaiana, os peregrinos buscam refúgio sob a marquise dos prédios e vestem capas. Entrando na avenida Rio Branco, encontram a via interditada para veículos.
Ainda na avenida Presidente Vargas, a chuva aperta e muitos peregrinos se abrigam sob a marquise e vestem capas
8h: No momento em que a chuva é mais forte, alguns peregrinos caminham em direção ao metrô, desistindo. Outros, percorrem a avenida Rio Branco junto à marquise dos prédios. Durante a caminhada, precisam desviar dos moradores de rua que dormem na calçada.
Na avenida Rio Branco, quem anda sob a marquise é obrigado a desviar de moradores que dormem na rua
8h05: Por conta do evento com o papa Francisco no Theatro Municipal, os peregrinos são obrigados a fazer um desvio que aumenta a distância. Entram na avenida Almirante Barroso, depois na rua México, e segue até a avenida Beira-Mar. Muitos cantam, outros rezam o Pai Nosso enquanto caminham.
8h10: Ao meu lado, três peregrinos veem um táxi parado, não resistem à tentação e embarcam, encerrando a caminhada.
Está na JMJ? Mande sua foto
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8h15: A chuva diminui.
8h20: Diante do MAM (Museu de Arte Moderna), forma-se uma fila enorme de peregrinos para receber o chamado “Kit Vigília” --uma caixa com lanches (batata frita, biscoitos, chocolates e sucos em caixa) para enfrentarem a noite na praia. Na versão original da peregrinação, em Guaratiba, o kit seria entregue ao final da caminhada, o que é mais lógico.
8h25: Os alimentos são entregues em uma caixa pouco prática para carregar na caminhada. Muitos reclamam. Em frente ao Monumento aos Mortos na Segunda Guerra, no Aterro, muitos peregrinos “desmontam” o kit e colocam o conteúdo em suas mochilas.
Peregrinos interrompem a caminhada para receber o "Kit Vigília" em posto montado em frente ao Monumento aos Mortos na Segunda Guerra, no Aterro
8h50: Marcio Bagio e um grupo de 37 peregrinos de São José do Vale do Rio Preto (região serrana do Rio) tomam fôlego para prosseguir. “Somos da cidade onde Tom Jobim compôs ‘Águas de Março’”, conta Bagio. “E tome chuva.”
Marcio Bagio (esq.) e um grupo de peregrinos de São José do Vale do Rio Preto (região serrana do Rio), “a cidade onde Tom Jobim compôs ‘Águas de Março’. E tome chuva”, diz ele
8h55: O sol dá sinais de que pode aparecer.
9h: Felipe Fernandez e dois amigos, todos do Chile, chamam a atenção de quem caminha próximo a eles. Estão descalços. “É uma penitência para agradecer por tudo que Deus nós dá”, diz Felipe.
Felipe Fernandez (esq.) e dois amigos, todos do Chile, fizeram a peregrinação descalços. “Uma penitência para agradecer por tudo que Deus nós dá”
9h10: Grupos se cruzam no Aterro. Enquanto a maioria caminha em direção à Copacabana, outros vão em busca do “kit Vigília” no MAM. “Bom dia! Jesus te ama”, gritam alguns jovens que se dirigem para a praia. “Bom dia, a barriga de vocês não está vazia”, responde um rapaz que ainda vai buscar seu kit.
9h15: Mariana dos Santos e um grupo de 25 peregrinos de Taubaté faz uma pausa para descansar no Aterro. “Não é nem a caminhada, são as bolsas pesadas”, reclama. “É para pagar os pecados cometidos e os futuros”, acrescenta Silvana Castilho.
Mariana dos Santos (dir.) e um grupo de peregrinos de Taubaté fazem uma pausa para descansar no Aterro do Flamengo
9h25: Em frente à churrascaria Porcão, há ponto para abastecer as garrafas de água e apenas dois banheiros químicos. “Falta muito, moço?”, pergunta uma peregrina que me confunde com um voluntário.
Em frente à churrascaria Porcão, ponto para abastecer as garrafas de água.
9h30: Pausa para tirar fotos e apreciar a paisagem com vista para o Pão de Açúcar e a enseada de Botafogo. “Você parou uma vez para tirar foto. Vamos! Se não nunca chegamos”, pede Gabriel Zago aos colegas de Itapuí, município de 10 mil habitantes em São Paulo.
Pausa para tirar fotos e apreciar a paisagem com vista para o Pão de Açúcar e a enseada de Botafogo
9h50: Um grupo de mexicanos interrompe a caminhada para um banho de mar na poluída praia de Botafogo.
9h55: Um encontro inusitado no final da praia de Botafogo. Militantes da conservadora TFP (Tradição, Família e Propriedade) pregam contra a “cristianofobia” em frente a faixas do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em defesa dos motoristas de ônibus.
No final da praia de Botafogo, militantes da conservadora TFP pregam contra a “cristianofobia” em frente a faixas do PSOL em defesa dos motoristas de ônibus
10h: Dentro do Túnel do Pasmado, jovens descobrem que gritando produzem muito barulho. Começa, então, uma gritaria em nome do papa. “Viva o papa! Viva Francisco!”
10h05: Na avenida Lauro Sodré, pouco antes da entrada do Túnel Novo, que dá acesso a Copacabana, peregrinos desviam de um tanque feito de fatias de pão, da ONG World Future, que pede: “Pães, não bombas”. O tanque foi construído com 400 pacotes de pão “no limite do prazo de validade”, explica Lorena Fischer. “Não queremos contribuir para o desperdício.”
Na entrada do Túnel Novo, que dá acesso a Copacabana, peregrinos desviam de um tanque feito de fatias de pão, da ONG World Future, que pede: "Pães, não bombas"
10h15: Na avenida Princesa Isabel, a poucos metros da praia, os peregrinos param para fazer fila diante de oito banheiros químicos. O número é insuficiente para dar vazão à procura.
10h25: Chegando à praia de Copacabana, os peregrinos se instalam na areia. Alguns armam barracas, outros apenas estendem os sacos de dormir.
Chegando à praia de Copacabana, os peregrinos se instalam na areia
11h05: Sigo caminhando pela avenida Atlântica, contemplando o acampamento gigante em que se transformou a praia, entro na rua Siqueira Campos e chego ao ponto de partida, quatro horas e meia depois de sair.
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