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Investimento em mobilidade no Brasil é vergonhoso, diz especialista sobre Pnad

Passageiros enfrentam ônibus lotado na zona leste de São Paulo - Apu Gomes
Passageiros enfrentam ônibus lotado na zona leste de São Paulo Imagem: Apu Gomes

Giuliander Carpes

Do UOL, no Rio

28/09/2013 06h00

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2012, divulgada nesta sexta-feira (27), apontou que o brasileiro está comprando mais carros e motocicletas. Para o coordenador do núcleo de infraestrutura e logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, este é um reflexo dos escassos investimentos em mobilidade urbana feito pelas três esferas de governo. 

INFOGRÁFICOS

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    Clique na imagem para ver o perfil dos domicílios brasileiros, segundo a Pnad 2012

  • Arte/UOL

    Máquina de lavar e computador ganham mais espaço na casa do brasileiro; clique na imagem

“O nível de investimento em mobilidade no Brasil é vergonhoso, ridículo. Devia ser muito maior. Se pegarmos todos os projetos hoje no país, o investimento é de cerca de R$ 81 bilhões”, afirma Resende. “Isso não representa um quinto do necessário. Precisaríamos de R$ 450 bilhões a R$ 500 bilhões em projetos nos próximos anos para acelerar a retirada de veículos das ruas.”

No país, o percentual de domicílios em que ao menos um morador possuía carro, segundo a pesquisa, chegou a 42,4%, o que corresponde a 26,7 milhões de lares. Já as motocicletas estão presentes em 20% das casas, com 12,6 milhões de unidades. Em 2011, 40,9% das residências tinham um carro – com aumento 1,3 ponto percentual em 2012. Já o percentual de casas com motos subiu 0,9 ponto entre 2011 e o ano seguinte. 

 “Os dados são preocupantes. Não é só a Pnad que demonstra isso, mas nos últimos dez anos o Brasil ampliou sua frota, e o ritmo não mostra sinais de arrefecimento”, afirma o especialista. “O aumento do número de veículos não vai cessar. A aquisição de carros é cada vez mais fácil, e a frota de segunda mão tem preço acessível.”

A presidente Dilma Rousseff anunciou este ano que pretende destinar R$ 50 bilhões para novos investimentos em mobilidade urbana até o final de seu mandato. Nos últimos 11 anos (2002 a 2012), em valores atualizados, R$ 6,8 bilhões foram autorizados para ações de mobilidade urbana, porém apenas R$ 1,3 bilhão (19,1%) foi efetivamente aplicado.

Até junho de 2013, o programa orçamentário “Mobilidade Urbana e Trânsito”, que promove a articulação das políticas de transporte, trânsito e acessibilidade, aplicou apenas 13,3% do total de recursos previstos para o exercício (R$ 1,5 bilhão) - o equivalente a R$ 205,7 milhões.

Resende faz um comparativo da maior metrópole do país, São Paulo, a duas cidades cheias de veículos, mas com situações distintas: Los Angeles (Estados Unidos) e Nova Delhi (Índia).

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“A cidade indiana tratou o problema da explosão de veículos de forma não planejada, apenas com medidas paliativas. O investimento em metrô e transporte público foi baixo e se abriu espaço para efeitos de insegurança: em determinados bairros se paga pedágio para os donos da região. Los Angeles fez o contrário”, disse. “Lá a opção de ter carro é do cidadão. Ele acha que vale a pena ter carro, apesar de ter havido investimento maciço em transporte público.”

São Paulo e as grandes cidades do país, segundo Resende, se encaminham para replicar Nova Delhi. “Um lado da equação nos coloca no caminho destas duas cidades: o aumento do número de veículos não vai parar. A questão é o outro lado da equação. O que nós faremos? Medidas de curto prazo? A reação dos gestores tem sido de fazer obras. São viadutos, pontes, contrato fácil, facilidades para a corrupção e nada de planejamento a longo prazo.” 

Foco deveria ser em metrô

Nas grandes cidades, o especialista é um defensor de investimento em um tipo de transporte público específico: o metrô. Segundo Resende, é o único meio capaz de oferecer grande escala e agilidade, itens indispensáveis quando se acentua o distanciamento da periferia para o centro das metrópoles. 

“Em São Paulo, nós temos a maior distância entre o local onde as pessoas trabalham e estudam e suas casas. O hipercentro da cidade tem densidade de empregos 200 vezes maior que a periferia, 100% mais vagas escolares. Mas há um adensamento populacional nos subúrbios”, explica o professor. 

  • UOL

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  • Divulgação/Copenhagenize Design Co.

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Outra questão salientada pelo especialista: a maior parte dos donos de automóveis estão entre as pessoas mais ricas. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), numa pesquisa de origem e destino em São Paulo, 79% da classe A anda de carro. Esta proporção cai para 60% na classe B, 40% na C, 27% na D.

“Dificilmente a classe A vai deixar de ter carro para andar de ônibus. Isso não acontece em nenhum lugar do mundo. Só deixaria o automóvel para andar de metrô”, disse. “E em São Paulo o metrô não tem nem 80 km. Em Londres, tem 410; Nova York, 380; Paris, 220. E são cidades com densidade populacional menor.”

O governo de São Paulo afirma que conta com uma malha metroferroviária de 335 km de extensão (74,3 de linhas metroviárias, 65,3 km a cargo da Companhia do Metrô e 9 km com operação e manutenção sob a responsabilidade da concessionária privada ViaQuatro, além de 260,7 km da CPTM).

Segundo o plano de investimentos da Secretaria de Transportes Metropolitanos, os recursos financeiros necessários para o período de 2011 a 2014 serão de R$ 26,2 bilhões para fazer a malha do metrô ultrapassar 100 km de extensão.

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Resende critica ainda os projetos de mobilidade que estão sendo implantados no Rio de Janeiro, sede da Olimpíada de 2016. Para o especialista, os corredores expressos de ônibus não se sustentam a longo prazo. “Só funciona quando ele se conecta ao trem e ao metrô, o que não é exatamente o caso.”

A justificativa da prefeitura do Rio para investir em corredores de ônibus (os chamados BRTs) é financeira. Segundo o prefeito Eduardo Paes, cobrir qualquer distância de BRTs custa 15 vezes menos que fazer o mesmo com linhas de metrô. A ideia de Paes é entregar 252 quilômetros de BRT até a Olimpíada de 2016 ao custo de R$ 5,6 bilhões. E, na Barra da Tijuca, os corredores de ônibus vão se integrar com a estação de metrô que lá está sendo construída.

Outros dados

A diminuição do trabalho infantil no Brasil entre 2011 e 2012 foi um dos dados mais significativos da Pnad. Segundo a pesquisa, em 2011, havia 704 mil crianças e adolescentes entre cinco e 13 anos no mercado de trabalho, número que caiu para 554 mil no ano seguinte – uma diferença de 21%.

No entanto, nem todos os dados são positivos. A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais, por exemplo, parou de cair no Brasil após um período de mais de 15 anos de declínio, segundo dados da Pnad. O país não registrava crescimento na taxa de analfabetismo desde 1997.

Expectativa de vida ao nascer - 2000/2060

200069,8 anos
201073,9 anos
202076,7 anos
203078,6 anos
204079,9 anos
205080,7 anos
206081,2 anos
  • Fonte: IBGE

Na pesquisa --que, até 2003, excluía 4,1 milhões de pessoas que residem nas áreas rurais da região Norte--, o índice de indivíduos que, em 2012, não sabiam ler e escrever foi de 8,5%. Esse dado representa aumento de 0,1 ponto percentual em relação ao ano anterior. Na prática, os pesquisadores do IBGE registraram no ano passado 300 mil analfabetos a mais em comparação com a amostra de 2011.

Por outro lado, a pesquisa indicou que a taxa de escolarização das crianças de cinco e seis anos já atingiu 92%. Em 2002, apenas 77,2% delas estavam na escola com estas mesmas idades.

As pessoas não estão só entrando na escola mais cedo, como permanecendo mais tempo. Em 2012, os jovens de 20 a 24 anos declararam ter passado, em média, 9,9 anos estudando ao longo da vida. Em compensação, pessoas com 60 anos ou mais informaram ter estudado apenas 4,4 anos em média.

A população idosa, aliás, chamou atenção pelo novo perfil desenhado pela pesquisa:  vive mais, está em uma faixa cada vez maior e mostra interesse crescente por ultrapassar as barreiras tecnológicas em prol de seu próprio conforto.

As pessoas com mais de 60 anos são hoje 12,6% da população, ou 24,85 milhões de indivíduos – em 2011, tratava-se de uma fatia de 12,1% e, em 2002, 9,3%. A maior parte deles é mulher (13,84 milhões) e vive em áreas urbanas (20,94 milhões).

O grupo com mais de 50 anos ainda é o que apresenta o menor percentual de internautas. Mas eles estão aumentando significativamente. Em 2012, aqueles que não têm medo de computador já eram 20,5% de toda a faixa etária – 2,5 pontos percentuais maior que no ano anterior.

Os brasileiros também passaram a usar mais o aparelho celular e o acesso à internet em um ano. Dos mais de 57,3 milhões de domicílios que possuíam algum serviço de telefonia, no ano passado, 32,3 milhões faziam uso apenas da linha móvel --aumento de quase dois pontos percentuais em relação ao ano anterior. E o Brasil ganhou 5,3 milhões de internautas em 2012, segundo informa a pesquisa.

Outra má notícia da pesquisa são os dados que mostram que os homens ainda ganham mais do que as mulheres, e que a diferença entre os salários voltou a crescer após dez anos em declínio. No ano passado, o rendimento médio mensal das mulheres era equivalente a 72,9% do dos homens. Já em 2011, tal proporção era maior: 73,7%.

  • UOL