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Em favelas com UPP, baile funk perde a vez para "festas de playboy"

Giuliander Carpes

Do UOL, no Rio

12/10/2013 06h00

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), prometeu no dia 14 de agosto acabar com a Norma 13 das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). A resolução condiciona qualquer evento nas favelas ocupadas à aprovação da autoridade policial. Por enquanto, nada mudou. E os bailes funk continuam como uma raridade no terreno onde surgiram. 

Exigências da Norma 13

Aviso com 20 dias de antecedência às autoridades
Delimitação de áreas de estacionamento
Instalação de geradores para caso de blecaute
Instalação de câmeras de segurança
Instalação de detector de metais
Atendimento médico emergencial
Autorização do comando da UPP

Um grupo de trabalho comandado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública estuda uma forma de flexibilizar a norma, que na prática acaba proibindo a realização de bailes funk e priva os moradores das comunidades de uma das suas diversões favoritas --e ganha-pão de muitas famílias. Na lacuna deixada pelo funk, a classe média carioca passou a promover suas próprias festas nos morros, o que divide a população local.

Pela questão da segurança, Santa Marta e Vidigal, favelas da zona sul que têm UPPs consolidadas há anos, são os principais locais destas festas. O morro encravado no tradicional bairro de Botafogo conta com uma quadra da escola de samba Mocidade Unida do Santa Marta. Ela foi arrendada a um produtor que ainda não tem alvará para a realização de eventos. Mas, com a aprovação da Polícia Militar, ocorre ali pelo menos uma festa por final de semana.

No sábado (5), se realizou na quadra um festival que pretendia unir artes, gastronomia e samba. No site do evento há a intenção de “valorizar a comunidade, seus artistas e comerciantes”. Mas o ingresso custava R$ 50. Proibitivo para os padrões dos moradores, assim como festas de rock, música eletrônica, jazz e outros estilos que alteram a cultura do morro carioca.  

“Isso está deixando a comunidade muito revoltada. Porque a gente não tem condição de pagar cem paus numa festa. E, se a gente toca um funk, a polícia já vem com uma postura toda enviesada, enquanto as outras festas estão rolando soltas sem nenhum problema”, afirma Thiago Firmino, guia de turismo e DJ, morador do Santa Marta.

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A situação não é desconhecida dos promotores das baladas. Algumas se popularizaram tanto que chegam a ser promovidas em outros lugares.  É o caso de duas das mais famosas do momento, a “Do Leme ao Pontal” e a “Que País é Esse?”, que tiveram edições no Santa Marta, cresceram e hoje em dia são realizadas em locais mais elitizados: o Morro da Urca e a Sociedade Hípica (Lagoa), respectivamente. 

Os promotores das duas festas, os mesmos que arrendaram a quadra da escola de samba do Santa Marta, preferiram não dar entrevista. Mas a produtora e DJ da festa LUV, Nicole Nandes, explica que as baladas na favela viraram “modinha”. 

“A chegada das UPPs ajudou a transformar em moda as festas na favela. Tem gente frequentando só pelo hype e gente fazendo festa só para gringo e playboyzada, um pessoal que nunca se preocupou com a comunidade”, lamenta ela, que ultimamente tem realizado sua balada em locais como 00 (Gávea) e Fosfobox (Copacabana), depois de algumas experiências no Santa Marta e Vidigal –os ingressos nas comunidades variavam de R$ 20 a R$ 40, dependendo do lote.

“Minha intenção ao levar a LUV para o Vidigal foi fazer mais gente da zona sul subir o morro para conhecer a realidade e trocar experiências. Como tudo o que dá certo, o Vidigal virou moda, então é bem provável que a missão por lá esteja bem próxima de acabar”, afirmou.

A expansão das UPPs --já são 34 na capital fluminense-- tornou o funk uma cultura excluída em seu próprio berço. Embora não haja uma restrição oficial aos bailes, a Norma 13 cria diversas exigências impossíveis de serem cumpridas por pequenos promotores de eventos das favelas cariocas. E, mesmo que elas sejam atendidas, a última palavra ainda é do comandante da Unidade de Polícia Pacificadora. 

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“Nos causou estranhamento que a gente tivesse que pedir autorização da Polícia Militar para fazer qualquer evento. Isso deixa o produtor cultural na mão da PM, que pode até colocar mais requisitos do que está na norma”, conta o produtor cultural Guilherme Pimentel, da Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk).

“Por que essa insistência dos governantes em reprimir, ao invés de fomentar? Por que não se aproximam dos produtores culturais populares para ajudá-los a trabalhar dentro da legalidade? Por que uns podem fazer eventos e outros não?”, questiona Pimentel.

Alguns chefes de organizações criminosas foram frequentadores assíduos dos bailes e usaram as festas para fazer apologia ao crime, inclusive desfilando com armamentos pesados. O próprio estilo musical acabou assimilando esta situação com a vertente dos “proibidões”. Por meio da UPP, o governo do Estado tenta banir esta imagem do imaginário dos jovens das comunidades. 

Só que, ao mesmo tempo, acaba proibindo uma manifestação cultural. “Como é que a gente iria poder participar desta cidade cara se não fosse o funk?”, questiona MC Leonardo, presidente da Apafunk.  

“Eu jamais cantei alguma coisa que uma senhora e uma criança não pudessem ouvir no mesmo local. Só que eu não posso cobrar esta responsabilidade de todas as pessoas que dançam funk, porque cada um tem a sua vivência, e é a sua vivência que tem que estar no microfone”, diz. 

O MC carrega embaixo do braço um estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas) feito em 2008 sobre o impacto econômico do funk. Segundo a pesquisa, na época existiam 300 bailes funk no Estado do Rio de Janeiro. Estas festas empregavam 10 mil pessoas direta e indiretamente, numa movimentação de cerca de R$ 12 milhões por mês. 

Segundo o coronel Frederico Caldas, recentemente promovido a coordenador das UPPs, um grupo de estudo que envolve também a Secretaria de Segurança, a Casa Civil do Estado e a prefeitura já realizou algumas reuniões para elaborar uma resolução que volte a permitir os bailes funks. O impasse deve terminar até o final do ano. No entanto, entidades representativas do funk ainda não foram convidadas para participar das conversas.