MPF pede prisão de militares por crimes e mortes na ditadura
O MPF (Ministério Público Federal) moveu oito ações penais e tem 187 investigações em andamento de casos envolvendo crimes supostamente praticados por militares durante a ditadura. As ações pedem a responsabilização e a prisão por sequestros, mortes e ocultações de cadáveres.
Na lista há casos emblemáticos, como o atentado ao Riocentro, em 1981, além de mortes e ocultação de cadáveres em unidades do Exército e no Araguaia. Ao todo, as ações envolvem 13 vítimas do regime e culpam 16 militares. O comandante do DOI-Codi em São Paulo, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, foi denunciado em três das oito ações.
A grande dificuldade para fazer as ações resultarem em condenações está na aceitação do judiciário, que tem alegado a Lei da Anistia --que prevê a não responsabilização criminal dos militares-- para recusar as denúncias. Já o MPF afirma que são crimes contra os direitos humanos e, por isso, imprescritíveis.
"Dessas oito ações, quatro estão trancadas por rejeição da denúncia, dois processos estão em andamento --com denúncias recebidas-- e duas ainda não foram apreciadas pelo juiz de 1º grau", diz o procurador da República Ivan Marx, coordenador do Grupo de Trabalho Justiça de Transição.
OS CASOS
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Vítimas
Maria Célia Corrêa, conhecida como “Rosa”, era bancária e, em 1971, como militante do PCdoB, mudou-se para a região do Araguaia (PA), onde estava seu irmão.
Filho de um comandante da Marinha, o estudante Hélio Luiz Navarro de Magalhães largou o curso de Química, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, para morar na região do Araguaia.
O metalúrgico Daniel Ribeiro Callado deixou o emprego seis dias após o golpe por ter ingressado no PCdoB em 1962. Ele passou pela China, onde realizou curso de guerrilha. Não se sabe o ano que ele foi viver no Araguaia.
Antônio de Pádua Costa estudava astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi preso durante o 30º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Ibiúna (SP). Indiciado, optou pela militância política clandestina, no Araguaia.
Telma Regina Cordeiro Corrêa era casada com Elmo Corrêa e cunhada de Maria Célia Corrêa, igualmente desaparecidos no Araguaia. Foi para a região em 1971, junto com o marido.
O caso
Segundo o MPF, as cinco vítimas foram sequestradas por agentes militares, em 1974, na época da repressão à guerrilha do Araguaia. Eles teriam sido submetidos a "grave violência física e moral." A ação fala em ocultação de cadáver e versão fraudulenta do Exército à época da morte.
O acusado
Sebastião Curió Rodrigues de Moura atuava no Exército no Pará e norte do Tocantins. Ele teria o objetivo de "eliminar os integrantes do PCdoB que arregimentavam camponeses para fazer oposição ao regime ditatorial da época." Ele liderou uma das principais tropas do Exército para executar os dissidentes políticos na região. E também seria responsável pelo desaparecimento.
Como está o caso
A denúncia foi rejeitada pelo juiz João César Otoni de Matos, da 2ª Vara da Federal Judiciária de Marabá, em março de 2012, por alegação da Lei de Anistia. O MPF recorreu em agosto de 2012, e a juíza Nair Cristina Corado Pimenta de Castro determinou a citação do réu para apresentar defesa preliminar. Em novembro de 2013, o TRF da 1ª Região determinou o trancamento da ação penal, alegando prescrição. O MPF recorre da decisão.
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Vítima
Aluízio Palhano Pedreira Ferreira foi um dos principais líderes sindicais do Brasil. Foi presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Crédito. Viveu no México e em Cuba, após ter seus direitos políticos cassados. Em 1970, voltou clandestinamente ao país.
O caso
Em maio de 1971, Aluízio foi preso no Rio de Janeiro e levado para o DOI-Codi e, em seguida, para a Casa de Petrópolis, onde eram praticadas torturas por militares. Ele desapareceu após ser visto por três vezes por uma testemunha no DOI-Codi de São Paulo, que confirmou as práticas de tortura.
Acusados
Carlos Alberto Brilhante Ustra era o comandante operacional do DOI-Codi de São Paulo. O relatório oficial "Direito à Memória e à Verdade" diz que, dos 64 casos de sequestros e homicídios associados ao DOI-Codi paulista, 47 foram cometidos durante o período de comando de Ustra, entre 1970 e 1974.
Dirceu Gravina integrava uma das equipes de interrogatórios do DOI-Codi e é acusado de ser o coautor do sequestro e torturas de Aluízio.
Como está a ação
Em abril de 2012 o juiz federal Márcio Rached Milani, da 10ª Vara Criminal de São Paulo, rejeitou a denúncia, alegando a Lei da Anistia. Um recurso foi interposto pelo MPF no TRF da 3ª Região, em setembro de 2012. A 2ª Turma do tribunal manteve a sentença do juiz. O MPF recorre da decisão.
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Vitima
Divino Ferreira de Souza era militante de esquerda e foi acusado de participar em um assalto ao Tiro de Guerra de Anápolis (GO), em 1965, roubando armas e munições. Em 1966, Divino recebeu capacitação política e militar na China e, após o período, retornou clandestinamente ao Brasil, e foi para o Araguaia.
O caso
Divino era conhecido como “Nunes” e vinha sendo perseguido pelos militares. Em outubro de 1973, ele foi localizado em companhia dos militantes do PCdoB. Os militares atiraram contra o grupo, matando três pessoas. Os disparos também acertaram Divino, que sobreviveu. Ele então foi levado à base militar "Casa Azul" e desde então não se teve notícias do seu paradeiro.
O acusado
Lício Augusto Maciel era major do Exército em 1973 e planejava ações de repressão política aos dissidentes do regime. Ele teria arquitetado a emboscada, captura e sequestro de Divino, mantendo-o preso em lugar ignorado até hoje.
Como está a ação
A ação foi recebida em agosto de 2012 pela juíza titular da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá, Nair Cristina Corado Pimenta de Castro, que deu início à ação penal. Segundo o MPF, o réu já foi citado, e o processo encontra-se em andamento.
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Vítima
Edgar de Aquino Duarte era da Marinha e em 1964 se posicionou contra o golpe. Em consequência de sua atuação na revolta dos marinheiros de 1964, exilou-se no México e, mais tarde, viajou para Cuba. Retornou ao Brasil em outubro de 1968 e viveu clandestinamente em São Paulo, tendo abandonado a luta contra os militares.
O caso
Edgar teria sido sequestrado em junho de 1971. Segundo o MPF, os militares o mantiveram preso mesmo sem acusação formal, inicialmente nas dependências do DOI-Codi, e depois no Deops, ambos em São Paulo. Segundo testemunhas, ele ficou preso por oito meses e 15 dias no DOI-Codi e, em seguida, já em 1972, foi transferido para uma cela no Deops, "onde foi mantido sequestrado ao menos até junho de 1973." Na época, adquiriu tuberculose e não se teve mais notícia do paradeiro.
Acusados
Carlos Alberto Brilhante Ustra é acusado de "possuir o domínio do fato penalmente típico consistente na privação ilegal da liberdade da vítima". Uma testemunha citou que Edgar perguntava pessoalmente a Ustra sobre sua situação, mas o réu nada responderia.
Como está a ação
A ação na Justiça foi apresentada em outubro de 2012, e foi integralmente recebida pelo juiz federal Hélio Egydio de Matos Nogueira, da 9ª Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo. Os réus apresentaram resposta à acusação, pedindo absolvição sumária, mas a Justiça Federal rejeitou os pedidos da defesa e ratificou o recebimento da denúncia, marcando o depoimento de testemunhas.
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Vítima
Hirohaki Torigoe era estudante da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa quando passou para a clandestinidade. Em 1971, participou do Movimento de Libertação Popular, o Molipo157, grupo de militantes treinados em Cuba. Nos arquivos Nacional e do Estado de São Paulo apontam que Torigoe era "intensamente procurado pelos órgãos de segurança."
O caso
Segundo o MPF, 15 pessoas foram mortas, entre 1970 e 1971, do Molipo157, um deles Torigoe --que morreu em janeiro de 1972, aos 27 anos. A versão oficial é de que ele teria morrido em confronto com militares. Mas segundo depoimento, Torigoe foi levado ao DOI-Codi, em São Paulo, com vida, mas ferido. A testemunha, disse que os militares chegaram a comentar que ele deveria ser levado para um hospital, o que não ocorreu.Toda a documentação do óbito teria sido fraudada para acobertar o crime.
Os acusados
Carlos Alberto Brilhante Ustra seria o autor do crime de ocultação do cadáver por --na condição de comandante do DOI-Codi-- ter dirigido a ação dos executores. Ele também responde pelo sepultamento clandestino do cadáver e pela falsificação dos documentos do óbito.
Alcides Singillo é acusado pelo MPF de deixar de comunicar a identificação e localização do corpo à família da vítima e ao cartório onde o óbito foi registrado. Isso teria contribuído para a ocultação dos restos mortais da vítima.
Como está o caso
A denúncia foi distribuída à 5ª Vara Criminal Federal em maio de 2013. Em janeiro de 2014, o juiz Fernando Américo de Figueiredo Porto declarou extinta a punibilidade dos réus. A Procuradoria da República em São Paulo recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região e aguarda análise.
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A vítima
Mário Alves de Souza Vieira era militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e, depois, do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Ele dirigiu jornais de esquerda à época. Em 1966 teve seus direitos políticos cassados e se tornou alvo de espionagem e perseguição do governo militar.
O caso
Segundo o MPF, em janeiro de 1970, Mário Alves saiu de sua casa no Rio, mas acabou preso e levado ao DOI. Foi encapuzado e torturado durante toda a madrugada. Testemunhas informaram que ouviram os gritos de dor da vítima e o viram pela manhã do mesmo dia com marcas da violência. Vieira foi levado por militares naquele dia e nunca mais foi visto.
Acusados
Luiz Mário Valle Correia Lima teria sido o responsável direto pelo sequestro da vítima. Ele teria se revezado, juntamente com os outros acusados, para torturar a vítima no DOI.
Roberto Augusto de Mattos Duque Estrada, vulgo “Capitão Duque Estrada”, também teria sido responsável pelo sequestro, prisão e tortura à vítima.
Dulene Aleixo Garcez dos Reis, vulgo “Tenente Garcez” , também teria sido responsável pelo sequestro, prisão e tortura à vítima.
Valter da Costa Jacarandá, vulgo “Major Jacarandá”, também teria sido responsável pelo sequestro, prisão e tortura à vítima. Segundo o MPF, ele confessou, em depoimento, que atuou nas equipes de captura e interrogatório da vítima.
Como está ação
A denúncia foi feita em junho de 2013, na 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, mas foi rejeitada pelo juiz Alexandre Libonati de Abreu. O MPF entrou com recurso no TRF da 2ª Região e aguarda análise.
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Vítimas
Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado eram integrantes do Movimento de Libertação Popular, grupo armado de enfrentamento à ditadura. Eles haviam sido presos durante o 30º Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP), em 1968, e realizaram treinamento militar em Cuba no ano seguinte, retornando ao Brasil em 1971.
O caso
Segundo o MPF, em maio de 1973, o casal se mudou para a fazenda Rio Doce, no interior de Goiás, mas acabou descoberto pelos militares. Eles foram presos e torturados no DOI-Codi de São Paulo. Pouco depois, teriam sido assassinados e tiveram os restos mortais tirados da fazenda onde viviam --e onde teriam sido enterrados ilegalmente-- em julho de 1980, quando iniciava a redemocratização do país, e levados a um local até hoje nunca descoberto.
O acusado
Epaminondas Pereira do Nascimento era delegado de polícia de Rio Verde (GO) e foi denunciado pelo crime de ocultação dos cadáveres. O MPF diz que ele determinou que funcionários da fazenda enterrasse os corpos dos jovens.
Como está a ação
O MPF entrou com a ação em 19 de dezembro de 2013, e ainda não foi apreciada pela Justiça.
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Vítima
O sargento Guilherme Pereira do Rosário, integrante do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-1), que carregava uma bomba que explodiu no carro em que estava e levaria para praticar atentado no Riocentro, em 1981.
O caso
Um atentado a bomba era planejado nas dependências do complexo Riocentro, em Jacarepaguá, no dia 30 de abril de 1981, durante a realização de um show em comemoração ao Dia do Trabalhador. Na ocasião, uma das bombas explodiu no colo do sargento quando ele se aproximava do complexo. Outra bomba foi lançada na subestação de eletricidade do Riocentro, com o objetivo de cortar a energia. Segundo o MPF, a ideia era causar pânico e terror na plateia do show e na população, atribuindo falsamente o atentado a uma organização da militância contra o regime militar.
Acusados
O coronel reformado Wilson Luiz Chaves Machado, vulgo "Dr. Marcos", foi denunciado por homicídio doloso duplamente qualificado --por motivo torpe e uso de explosivo--, por associação criminosa armada e por transporte de explosivo. Ele era o proprietário do carro onde a bomba explodiu e era parceiro do sargento que morreu.
O ex-delegado Claudio Antonio Guerra também foi denunciado por homicídio doloso tentado duplamente qualificado, por associação criminosa armada e por transporte de explosivo.
General reformado Nilton de Albuquerque Cerqueira também foi denunciado por homicídio doloso tentado duplamente qualificado, por associação criminosa armada e por transporte de explosivo.
General reformado Newton Araujo de Oliveira e Cruz foi denunciado ainda pelo crime de favorecimento pessoal.
O general reformado Edson Sá Rocha, vulgo "Dr. Silvio", é acusado de associação criminosa armada.
O major reformado Divany Carvalho Barros, vulgo "Dr. Aureo", foi denunciado por fraude processual.
Como está a ação
O MPF entrou com a ação em 13 de fevereiro, e ainda não foi apreciada pela Justiça.
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