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Brasil e países americanos lideram mortes por arma de fogo, diz ONU

Grafite em muro do Rio de Janeiro, que traz imagem do jogador Neymar segurando uma arma, acompanhada de uma frase de Napoleão Bonaparte: "o maior perigo se dá no momento da vitória" - Cristophe Simon/AFP
Grafite em muro do Rio de Janeiro, que traz imagem do jogador Neymar segurando uma arma, acompanhada de uma frase de Napoleão Bonaparte: "o maior perigo se dá no momento da vitória" Imagem: Cristophe Simon/AFP

Carlos Madeiro

DO UOL, em Maceió

12/04/2014 06h00

Duas em cada três pessoas mortas nos países das Américas são assassinadas com armas de fogo. No Brasil, o índice é ainda maior, com 70% das mortes. Segundo estudo divulgado nesta semana, as armas de fogo foram utilizadas em 41% dos 437 mil homicídios no mundo em 2012. A facilidade de acesso e a grande circulação de armas de fogo no país destacam o Brasil nessa tendência que se tornou marca da violência homicida, segundo o "Estudo Global sobre o Homicídio 2013", divulgado pelo Escritório sobre Drogas e Crime das Nações Unidas (UNODC, na sigla em inglês).

No Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (referência da ONU para o estudo), esse índice é ainda maior e chega a 70% do total. Em 2013, 50 mil pessoas foram mortas no país, segundo o levantamento da ONU, o que representa que 35 mil mortes foram por arma de fogo.

O índice brasileiro ainda varia de Estado para Estado. No mais violento dos Estados do país, Alagoas, por exemplo, o índice de mortes por armas de fogo chegou a 80% do total em 2013, conforme relatório da Secretaria de Estado da Defesa Social.

O índice global, porém, esconde diferenças marcantes e que apontam para concentração em uma única parte do mundo desse tipo de crime. As Américas são o único estrato do estudo da ONU no qual as armas são o principal meio causador de mortes.

Enquanto nas Américas esse índice chega a 66%, na África --segundo continente mais violento-- apenas 28% dos homicídios são praticados com arma de fogo. É o mesmo índice da Ásia. Nos dois casos, o grupo que inclui uso de objetos contundentes, envenenamento e violência lidera as estatísticas. Na Europa, o índice de assassinatos com arma é de 13% e na Oceania chega apenas a 10% --único continente onde as mortes por arma branca ficam à frente.

Causas

Para o pesquisador e coordenador do "Mapa da Violência", Julio Jacobo Waiselfisz, os dados podem ser explicados, em parte, pela permissividade com as armas de fogo. “Há uma enorme circulação dessas armas e interesse comercial nas Américas. Um dos grandes exportadores de armas de fogo é o Brasil, que é quem fornece para os países da América Latina”, afirma.

O pesquisador também diz que há nos países latino-americanos, em especial no Brasil, uma cultura de violência que incentiva o uso da arma. “Isso vem desde o período colonial, no qual ninguém valoriza a vida humana, e a América Latina foi um dos países que mais tardiamente aboliu a escravatura. Nesse contexto, a vida tem muito pouco valor, se mata por muito pouco”, afirma.

O pesquisador diz ainda que as armas chegam às mãos dos criminosos de várias formas. “Há no Brasil uma enorme quantidade de armas em circulação. Além disso, existe uma distribuição interna de armas de fogo ilegais, que nutre toda bandidagem, fora aquelas que deveriam ser exportadas, mas que ficam no país”.

Preocupação mundial

Para a ONU, o comércio ilícito de armas de pequeno porte é um "sério problema" e requer uma “ação global.” “Em todo o mundo, as populações civis são reféns da violência, de conflitos e de crime. Eles são, muitas vezes, aqueles que sofrem o mau uso de armas por grupos armados, incluindo grupos criminosos organizados”, diz o estudo, citando as Américas como maior preocupação.

Segundo o levantamento, porém, nos continentes com menor violência, em especial a Europa, as armas de fogo regularizadas são mais utilizadas para crimes domésticos, ao contrário das Américas, onde armas matam nas ruas.

“Estudos realizados em países de alta renda, que tendem a ter níveis mais baixos de homicídio, revelaram uma forte correlação entre a disponibilidade de armas nas taxas de homicídios domésticos e feminino, mas uma correlação ligeiramente mais fraca de taxas de homicídio”, diz.

Apreensões e desarmamento

No Brasil, os dados de apreensões de armas de fogo são feitos separadamente pelas polícias. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de Segurança Púbica aponta que 18.844 foram apreendidas no ano passado. Em Alagoas, Estado mais violento, mas com apenas 7% da população paulista, esse número foi de 2.197 em 2012.

O Brasil tem, em andamento, a Campanha Nacional de Desarmamento, que indeniza há 10 anos qualquer cidadão que queira se livrar de sua arma. Segundo relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública, 650 mil armas foram recolhidas desde o início da ação, em 2004.

As armas retiradas de circulação não chegariam a 5% do total existente no país. Segundo estimativas do Mapa do Tráfico Ilícito de Armas no Brasil, de 2011, da ONG (Organização Não-Governamental) “Viva Rio” existem 16 milhões de armas circulando no país