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Polícia deve incriminar pai de Bernardo com base em contradições

Lucas Azevedo

Do UOL, em Porto Alegre

07/05/2014 11h52

O inquérito policial que investiga as circunstâncias da morte de Bernardo Boldrini, 11 anos, no noroeste gaúcho, deve incriminar o pai do menino, Leandro Boldrini, 38.

Mesmo depois de ser inocentado pelo crime em depoimento da mulher, a madrasta do garoto Graciele Graciele Ugulini, 32, a polícia considera que Boldrini caiu em uma série de contradições em depoimentos. É isso o que promete dizer o relatório da investigação policial, cujo conteúdo o jornal "Zero Hora", de Porto Alegre, teve acesso.

Segundo o impresso, quatro incongruências nos depoimentos de Boldrini poderão servir para incriminá-lo -- não está claro se pelo homicídio ou apenas pela ocultação do crime.

A primeira delas diz respeito à comunicação de Boldrini à polícia sobre o sumiço do filho, em 4 de abril. No dia 7, o médico foi até a delegacia informar o ocorrido. Na ocasião, disse que era a primeira vez que o menino saía de casa e não retornava no dia certo.

Levando em conta mais de cem depoimentos colhidos, os policiais escreveram no inquérito: "Restou mais que provado que Leandro era um pai omisso, que nunca ligava ou averiguava onde o menino estava e não se importava se ele passasse dois, três, cinco, dez ou 15 dias fora de casa".       

Outra contradição apontada pelas autoridades no relatório põe luz ao novo depoimento que Boldrini deu, em 10 de abril. Ele disse à polícia que tentou contato telefônico com o filho diversas vezes desde 5 de abril - um dia após o desaparecimento do menino. Ele alegou que o menino não tinha o costume de deixar o celular desligado.

Além disso, o médico enviou uma mensagem para a dentista do filho, no domingo (6), sendo que jamais teria se preocupado com o assunto antes.

"Leandro afirmou que ligou para Bernardo sexta-feira (4), sábado (5) e domingo (6), a fim de saber onde o menino estava. Ocorre que ele nunca fez isso, nunca se preocupou com o filho. Leandro Boldrini disse que Bernardo havia deixado o telefone em casa. Por que, então, passou o final de semana todo ligando para o celular do menino? Este fato foi confirmado pelo extrato das ligações telefônicas, o que nos causou estranheza", avalia o inquérito.

Mais uma vez o médico se contradisse, conforme o relatório policial a que o jornal gaúcho teve acesso, quando afirmou aos policiais que não havia conflitos entre pai e madrasta com o menino.

Em 16 de abril, dois dias após o corpo do garoto ser encontrado, Boldrini admitiu que a mulher odiava Bernardo: "O interrogado diz que ela tinha ódio do 'guri' e esclareceu que esse ódio se manifestava nos 'arranca' que dava entre os dois, eis que o Bernardo não aceitava 'não'. Que Keli [como Graciele era chamada], enquanto estava sozinha com o interrogado, se referia ao Bernardo dizendo que 'ele era uma semente do mal'. Perguntado se o Conselho Tutelar ou a Brigada Militar estiveram na sua casa, respondeu que o Conselho Tutelar esteve no seu consultório por duas ocasiões. E na metade do ano passado a BM esteve na sua residência por volta de 20h, 21h, eis que o Bernardo tinha ido até a janela da frente da casa e gritado por várias vezes por socorro. Na ocasião, o interrogado havia repreendido mais rispidamente, inclusive fazendo uso de um chinelo e batido na bunda de Bernardo."

Diz ainda o inquérito: "Bernardo era chamado de demônio pela Keli. Ela declarava a todos que o menino era um estorvo para a vida deles. (...) Coleguinhas de aula do Bernardo relataram que ele tinha um código de convivência com Keli, qual seja, de não se falarem", detalha o inquérito, que conclui: "Leandro e Keli afirmaram que não havia desentendimentos deles com o menino Bernardo, contrariando muitos depoimentos de testemunhas, que acompanhavam a situação do menor".

Por fim, os policiais salientam no documento que Leandro havia afirmado que nos dias anteriores à morte de Bernardo nada de errado teria ocorrido em sua casa. O clima na família era bom, teria dito.

"Leandro disse que a semana anterior ao desaparecimento do Bernardo foi tranquila, sem desentendimento. Ocorre que Bernardo, ao que parece, nunca teve uma semana tranquila em sua vida", aponta o inquérito.

A reportagem do UOL tentou, sem sucesso, contato com os advogados de defesa dos suspeitos. Já a polícia afirmou que não faria comentários a respeito.

O caso

Bernardo Uglione Boldrini, 11, desapareceu no dia 4 de abril, em Três Passos (470 km de Porto Alegre), no noroeste do RS. Na noite de 14 de abril, o corpo do menino foi encontrado no interior da cidade vizinha de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico enterrado às margens do rio Mico, na localidade de Linha São Francisco.

Para a polícia, o pai do menino, a madrasta e a assistente social e amiga do casal, Edelvania Wirganovicz, 40, assassinaram o garoto. Os motivos estão sendo apurados.

Os policiais acreditam que a herança deixada pela mãe do menino - parte do patrimônio de Leandro - depois de sua morte, um suicídio praticado em 2010, seja a principal hipótese.

Desde o fim de 2013, Conselho Tutelar e Promotoria da Criança e do Adolescente de Três Passos já eram cientes do abandono afetivo de Bernardo por parte do pai e da madrasta.

Depois de sua morte, relatos de que ele era agredido por Graciele chegam de pessoas próximas ao casal e de vizinhos.