'Cheiro ruim e água suja': MP apura se Sabesp polui maiores represas de SP

O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) está investigando se a Sabesp é responsável pela poluição nas represas Billings e Guarapiranga, em São Paulo. Moradores reclamam da condição da água, do cheiro ruim e da falta de atenção do poder público. A Sabesp diz que prestou esclarecimentos ao MP e que "não é a única responsável pela revitalização de rios e represas".

O que aconteceu

O MP-SP instaurou um Inquérito Civil para apurar a contaminação da água nos reservatórios Billings e Guarapiranga, em São Paulo. Os reservatórios abastecem mais de cinco milhões de pessoas na Grande São Paulo.

O inquérito foi motivado por denúncias de contaminação por substâncias químicas e radioativas acima dos limites legais. O caso foi levado ao MP pela deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), pela vereadora Renata Falzoni (PSB) e pela ativista Mayara Torres, que apontam que a Sabesp não estaria fazendo manutenção no sistema de esgoto da região em volta das represas.

A empresa nega e diz estar aportando um investimento bilionário. Em nota ao UOL, a concessionária disse que está trabalhando para cumprir metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento. (Veja nota completa abaixo)

O MP-SP confirmou que apura as denúncias e que o caso está sendo averiguado por comissões técnicas. Para isso, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e a Vigiagua (Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano) foram convocadas para prestar esclarecimentos sobre as amostras colhidas nos reservatórios.

A denúncia ainda aponta que falta transparência por parte da Sabesp na divulgação dos dados de qualidade da água. A investigação, que o UOL teve acesso, apura as causas da poluição e vai verificar as responsabilidades da concessionária, do Governo do Estado e do Município de São Paulo.

"Diante da complexidade do assunto e da pendência de informações complementares por parte da Empresa responsável pelo abastecimento de água em São Paulo (SABESP), assim como do transcurso do prazo limite para a apreciação desta notícia de fato, afigura-se de rigor a instauração de inquérito civil", narra a 2ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

O relatório foi produzido com informações de órgãos independentes para apontar a poluição dos reservatórios. Marta Marcondes, Coordenadora do Projeto IPH - Índice de Poluentes Hídricos e professora da USCS (Universidade de São Caetano do Sul), coleta e analisa amostras da água em São Paulo e confirma que o problema é crônico e tem responsabilidade pública.

A Sabesp tem que fiscalizar. Tem a responsabilidade de discutir com especialistas o que fazer referente a poluição, o que não está acontecendo. Falta transparência e proximidade.
Marta Marcondes, professora da USCS

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Estão poluídos dois dos maiores (reservatórios) do mundo. E outro ponto que recebemos de relato, não só de quem mora lá, mas de quem está no entorno que é abastecido é a cor da água. Muita gente que abre a torneira nota. A gente não tem a comprovação ainda, mas quando a gente viu que estava acontecendo, toda saída de esgoto nas represas, pela empresa, vimos que tem muito vazamento. A rede de água e esgoto é antiga, e a gente começou a ver muitas coisas, que caberia aos órgãos observarem e a Sabesp fazer manutenção.
Tabata Amaral (PSB-SP), deputada federal

Tubulações de esgoto desaguam na represa Billings
Tubulações de esgoto desaguam na represa Billings Imagem: Obtido pelo UOL

Água suja e mau cheiro

O despejo do esgoto, a saúde dos peixes e o cheiro são as principais reclamações. Nos dois pontos analisados pelos relatórios, foram apontados vazamentos no sistema da Sabesp. Além disso, as represas são influenciadas pela reversão do Rio Pinheiros. Quando chove muito em São Paulo o Pinheiros extravasa, e a água, contaminada e poluída, vai parar na represa Billings, que, por sua vez, é conectada ao Guarapiranga.

Em fevereiro, moradores da zona sul da capital relataram que a água que saia em suas torneiras, vinda do Guarapiranga, estava esverdeada ou marrom, e com cheiro de enxofre. À época, a Sabesp informou que a alteração na coloração tinha relação com a questão climática e com o crescimento no número de moradores da região abastecida, mas que a água era potável.

A reportagem presenciou crianças tomando banho na represa e famílias de pescadores às margens. De acordo com o relatório, há substâncias na água que poderiam trazer problemas de saúde aos frequentadores, e que justamente por isso o estado e o município deveriam propor soluções.

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Moradora pesca às margens da represa Billings, em SP
Moradora pesca às margens da represa Billings, em SP Imagem: Uesley Durães/UOL

Conversando com pessoas às margens da represa Billings o UOL constatou o forte odor e ouviu reclamações de moradores e trabalhadores da pesca. Os pescadores explicam que permanecem com a atividade por não terem alternativas. João Mateus dos Santos, que mora próximo da represa, pesca há quase trinta anos no local.

O vento joga a água suja para cá, o peixe morre, enche a rede de lixo. A beira da represa está seca, pois eles aterraram com pedra. Muita gente acaba prejudicada. A maioria das pessoas tem medo de falar isso, mas eu sou um pescador e digo que o lugar está poluído. Teve um tempo que a água saia suja até das torneiras. A gente que é pescador e morador sofre duas vezes.
João Mateus dos Santos, pescador

No Guarapiranga, os relatos se repetem. Moradores e ativistas sociais explicam que com o grande adensamento populacional e a falta de manutenção dos esgotos pela Sabesp acaba afetando todo o sistema hídrico.

A represa é importante para a economia da região. Além da pesca, atividades de turismo náutico, esporte e lazer também acontecem na região. Adrian Meusburger, empresário e velejador, diz que frequenta a represa há 35 anos e relata que a urbanização desordenada e a negligência da gestão pública provocou a poluição.

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Pequenos córregos que deságuam nos reservatórios já estão poluídos. Afluentes, como o rio Embu-Guaçu e Embu-mirim são afetados pelo esgoto. Ao UOL, moradores em condição de anonimato disseram que sofrem problemas de abastecimento e tem contato direto com água contaminada.

Não existem ecobarreiras. Antes a Sabesp mantinha algumas, mas caducaram e, até o momento, ao que tudo indica, não foram reestabelecidas essas ecobarreiras. O esgoto bruto, aquela sujeira mesmo, oriundos desses córregos já poluídos estão entrando diretamente na Guarapiranga. A gente tinha uma embarcação para manutenção das ecobarreiras até algum tempo atrás, agora tá parado. Mais ou menos quatro meses.
Adrian Meusburger, empresário e velejador

Represas Billings e Guarapiranga
Represas Billings e Guarapiranga Imagem: Arte UOL

A curto prazo, a Sabesp deveria fazer a manutenção do sistema de esgoto que fica nos arredores dos reservatórios para sanar vazamentos e impedir que tubulações deságuem nas represas, segundo a especialista. No longo prazo, Marta explica que a solução passaria por uma regulação das moradias, unindo todos os órgãos responsáveis pelos reservatórios para uma discussão sobre viabilidade — o que não tem acontecido.

Seria necessário congelar todas as áreas habitacionais no entorno do reservatório, para isso o estado e município tem que se comunicar. Tem que deixar uma estrutura de unidades habitacionais para que as pessoas tenham um lugar decente e com dignidade. Segunda coisa é ter um sistema de fiscalização integrada, com tecnologia, drone, satélite. O terceiro é a questão da recuperação de áreas. Uma recuperação efetiva de áreas de mananciais. Não se pode permitir que grandes empreendimentos sejam colocados no reservatório, como foi o caso do Rodoanel, ou como no Guarapiranga, que assorearam, colocaram terra e cimento.
Marta Marcondes, professora da USCS

É preciso observar competências e deixar claro as responsabilidades de cada ator. Todo mundo tem que sentar junto para pensar em ações conjuntas, que aí esbarram na questão social, da habitação. Então é necessário que seja estudado o que vai ser feito com essas pessoas, porque elas não podem ser expulsas, precisam sair para que o manancial seja protegido, mas para onde elas vão?
Mayara Torres, moradora e ativista

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O UOL tentou contato com o Governo do Estado e com a Prefeitura. Em nota, a instância municipal disse que não vai comentar o caso — deixando a cargo da Sabesp explicar as ações que estão sendo tomadas. A gestão estadual não respondeu a reportagem. A Emae (Empresa Metropolitana de Água e Energia), responsável pela usina elétrica que opera na Billings, disse que não possui responsabilidade pela limpeza e qualidade da água.

O que diz a Sabesp

A Sabesp disse que investe R$ 70 bilhões para levar coleta e tratamento de esgoto para os municípios, inclusive em áreas informais — que não podiam ser atendidas até então. Em nota encaminhada ao UOL, a empresa explicou que a revitalização dos rios e represas não depende apenas da Sabesp.

A Companhia iniciou um investimento de mais de R$ 70 bilhões para levar coleta e tratamento de esgoto a todos os municípios em que a empresa opera até 2029, inclusive para áreas informais, que não podiam ser atendidas até então. Essas obras contemplam a região das represas Guarapiranga e Billings. Cerca de R$ 15 bilhões do total já estão contratados. A empresa tem como meta conectar ao sistema de coleta e tratamento de esgoto aproximadamente 2 milhões de imóveis. Esse plano de investimentos antecipa em quatro anos as metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento, o que vai contribuir de forma expressiva para a melhoria da qualidade dos rios e represas de São Paulo. A revitalização de rios e represas, no entanto, depende de várias iniciativas além da ampliação do saneamento básico, como o desassoreamento, a recuperação de fauna e flora e a correta destinação do lixo. A Sabesp informa ainda que respondeu ao ofício do Ministério Público dentro do prazo estabelecido, prestando todos os esclarecimentos solicitados.
Sabesp

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