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2015 começa com ônibus mais caro em capitais, diz Frente de Prefeitos

Fernando Rodrigues

Do UOL, em Brasília

18/12/2014 06h00

O prefeito de Porto Alegre e presidente da Frente Nacional de Prefeitos, José Fortunati (PDT), afirma que a maioria das capitais e cidades de regiões metropolitanas deve adotar reajustes de tarifas de ônibus no início de 2015. O valor do aumento deve acompanhar a inflação, em torno de 6% a 7%.

“O reajuste é inevitável. Se congelarmos as tarifas do transporte coletivo, nós começamos a sucatear o sistema. Ou então começamos a ter que tirar [dinheiro] da saúde, da educação”, diz Fortunati ao programa "Poder e Política", do UOL.

Nenhum prefeito deverá aceitar desta vez, como no início de 2013, adiar os reajustes para ajudar no controle da inflação. Naquele ano, a correção das tarifas fora de época acabou sendo um dos fatores propulsores das manifestações de rua em todo o país.

Os reajustes de tarifas de ônibus no início de 2015 tornam o cenário político ainda mais negativo do que foi em 2013. Para Fortunati, 59 anos, um dos quadros mais qualificados do PDT, as descobertas de corrupção na Petrobras alimentam o sentimento difuso de insatisfação das pessoas.

“Em 2013 o item corrupção não entrou, basicamente, nas grandes mobilizações. Entrou marginalmente. Hoje, essa é a centralidade do processo. Este é o item que está na cabeça de todo mundo”.

Outro fator que aponta para um 2015 difícil é que muitos prefeitos já perceberam que será um período de escassez de verbas e “ajustaram” seus orçamentos –ou seja, fizeram cortes e não deve haver ampliação nem melhorias significativas dos serviços públicos nas cidades. Mas o prefeito da capital do Rio Grande do Sul não se arrisca a dizer que a conjuntura atual levará necessariamente a manifestações de rua no ano que vem.

“A situação é complexa. Agravou-se do ponto de vista da insatisfação da população em relação a dezembro de 2012. Dezembro de 2014 é um momento muito mais tenso para a vida democrática. No que isto vai resultar para 2015, é um grande ponto de interrogação”.

LIXÕES ATÉ 2020
Um novo prazo está sendo costurado para que as cidades brasileiras acabem com os lixões a céu aberto. O cronograma inicial venceu em agosto de 2014. Agora, o novo prazo deve ser até o final de 2020.

Para Fortunati, é necessário antes de fixar um prazo “buscar uma fonte de financiamento” para que as prefeituras já saibam como poderão executar o plano. Se uma nova lei não for aprovada, milhares de prefeitos podem ser processados por não terem eliminado os lixões.

“60% dos prefeitos do país estão com a guilhotina no seu pescoço. Podem ser acionados pelo Ministério Público em função do não cumprimento da legislação atual. Qual é a vantagem que temos em processar 60% dos prefeitos? Nenhuma. Porque os prefeitos não vão resolver. Só serão processados, punidos e sem solução”, opina.

DILMA ERRA NA PETROBRAS
O prefeito de Porto Alegre conhece Dilma Rousseff há décadas por ser do Rio Grande do Sul. Diz entender que a presidente do “ponto de vista pessoal” tem dificuldades para demitir a presidente da Petrobras, Graça Foster. Mas essa atitude “do ponto de vista político é um equívoco”.

“Algumas medidas têm que ser tomadas. A primeira delas é a mudança total da direção. É uma sinalização para o mercado, é um sinalização para a população, é uma sinalização para o mundo, de que o governo está tomando uma medida”, diz.

PDT FORA DO TRABALHO
Apesar de ter razões históricas para ocupar o Ministério do Trabalho, o PDT acha que a pasta acabou trazendo um dano de imagem ao partido. A partir de agora, deseja que a presidente Dilma escolha uma outra vaga na Esplanada para a legenda durante o segundo mandato. Até porque, o partido seguirá apoiando Dilma Rousseff daqui para a frente.

A seguir, trechos da entrevista gravada no estúdio do UOL, em Brasília, na quarta-feira (17.dez.2014):

UOL - A presidente Dilma Rousseff sancionou, no final de novembro, lei que altera o indexador da dívida dos Estados e dos municípios. Qual será o impacto?
José Fortunati -
Sobre alguns Estados, muito importante. Cito, como exemplo, o meu Estado, o Rio Grande do Sul, que há mais de 20 anos tem tido problemas orçamentários seríssimos. O governador Tarso Genro [PT] entrega o Estado numa situação idêntica à que ele recebeu, complicada. Não por sua responsabilidade, mas pelas condições concretas. E o governador José Ivo Sartori [PMDB, que toma posse em 1º.jan.2015] apanha o Estado complicado. Esta nova lei não reduz de imediato a dívida, mas permite que o governador possa buscar novos financiamentos.

Todo mundo diz que 2015 vai ser um ano difícil na economia. Qual será o impacto no cotidiano das cidades?
Complicado. Porque é na cidade que o cidadão busca o acesso à saúde, educação, assistência social. É lá que acontece a mobilidade urbana. Os serviços essenciais estão na cidade. É o prefeito que acaba tendo que responder para que essas demandas sejam atendidas. Durante o processo eleitoral, ficou muito claro que, independentemente de quem vencesse, Aécio [Neves] ou Dilma [Rousseff], haveria um aperto em 2015. O que os prefeitos fizeram? Ajustaram seus orçamentos para menos. É o que aconteceu em Porto Alegre: projetei para 2015 um Orçamento menor.
Isso tem consequência na aplicação das políticas públicas. Obrigatoriamente terei que fazer alguns cortes. É óbvio que alguns prefeitos tomarão o cuidado e não cortarão o que é essencial para a população, mas, ao mesmo tempo, terão dificuldades para colocar novas obras e qualificar os serviços existentes.

Menos dinheiro em algumas áreas, menor qualidade dos serviços oferecidos. Em 2013, a grande demanda dos brasileiros que foram marchar nas ruas era por melhores serviços públicos, sobretudo transporte, mobilidade urbana. A situação hoje no Brasil, dezembro de 2014, é melhor ou pior do que a gente teve em dezembro de 2012 quando estávamos às vésperas daquele movimento?
Eu diria que a situação orçamentária é muito parecida. O que se agravou de lá para cá? A exigência por novos serviços. Os prefeitos procuraram responder. As parcerias com os governos estaduais, com o governo federal, procuraram responder em parte, só que nós sabemos que o financiamento das políticas públicas tem um limite. Já o nível das demandas tem crescido de uma forma bastante razoável.
Há um distanciamento cada vez maior entre a fonte de investimentos que os municípios têm e a necessidade de dar conta das demandas da população. Nesse aspecto, 2014 pode ser ainda pior que o início de 2013, com outro agravante, a questão da corrupção.
Em 2013 o item corrupção não entrou, basicamente, nas grandes mobilizações. Entrou marginalmente. Hoje para mim essa é a centralidade do processo. Percebo que este é o item que está na cabeça de todo mundo.

O que vai agregar octanagem a esse combustível que empurra as pessoas para fazerem as manifestações é a vida delas no cotidiano. Haverá uma onda de aumentos de ônibus agora no início do ano. Dá para imaginar o que vai acontecer?
O reajuste da tarifa é inevitável. Se congelarmos as tarifas do transporte coletivo, nós começamos a sucatear o sistema, porque ele se retroalimenta em termos de financiamento. Ou então o poder público terá que buscar no seu orçamento recursos para bancar.
Para te dar um exemplo, o prefeito [de São Paulo] Fernando Haddad coloca a cada ano R$ 1,6 bilhão no sistema de transporte público. Isso é um valor que eu nem ouso pensar. O meu orçamento na cidade de Porto Alegre, anual, é de R$ 6 bilhões.
Se buscar recursos do seu Orçamento para financiar o sistema de transporte, vai ter que tirar da saúde, da educação. Então, o reajuste vai acontecer. Como isso vai impactar na opinião pública, eu não sei. Só acho que a atual população de lá para cá amadureceu. Percebe que é impossível prestar serviços públicos de qualidade sem que haja uma contraprestação do financiamento, ou pela população ou pelo poder público. É um ponto de interrogação o que vai acontecer em relação a isso.

Em 2013, falou-se muito em passe livre para todos. Esse tipo de proposta é inviável?
Inviável. Nós da Frente Nacional de Prefeitos procuramos realizar vários cenários. Discutimos tanto no Senado Federal. O senador Renan Calheiros [PMDB-AL] tinha uma proposta sobre isso. Buscamos assessoria técnica. Estivemos no Poder Executivo federal, discutimos com o Ministério da Fazenda. E chegamos à conclusão que passe livre de forma ampla seria algo absolutamente impensável. Não existem recursos para que isso aconteça.
Nós propusemos, e achamos que é uma proposta razoável, o chamado passe livre com corte social. Poderíamos atender desempregados, donas de casa, estudantes com um limite de renda. O impacto no país poderia chegar a R$ 3 bilhões, o que seria até adequado, desde que financiado pelo governo federal. Os municípios não têm como fazer isso.

Porto Alegre vai aumentar a tarifa do ônibus?
Vai.

Quando deve ser aplicado o aumento?
Felizmente, nesse processo de 2013, acabamos desnudando de forma transparente a planilha que calcula a tarifa do transporte coletivo. Tivemos inúmeras audiências no Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário, Câmara de Vereadores. Tenho hoje convicção de que a planilha do transporte coletivo de Porto Alegre é uma das mais transparentes do país.
Temos uma lei municipal que diz “depois do dissídio coletivo da categoria dos rodoviários, que acontece em janeiro, em seguida aplica-se à tabela, no início de fevereiro”. Então, vamos aplicar todos os itens: óleo, combustível, carroceria, pneus, salário. Será uma planilha técnica. 

A sua estimativa é que fique próximo da taxa de inflação de 2014?
Essa é a minha expectativa. Nós não calculamos ainda porque estamos esperando fechar o mês de dezembro. É claro que há um componente que foge à nossa governança que é a negociação salarial entre patrões e empregados, rodoviários e empresários.

Conversando com os seus colegas prefeitos de capitais, ouviu de algum deles a possibilidade de não aplicar reajuste no começo de 2015?
Não. Os únicos que não irão aplicar no início de 2015 é porque, por uma questão histórica, o reajuste se dá mais próximo à metade do ano. Mas entre os que têm estabelecido por lei ou por critério histórico o reajuste no início do ano, todos deverão aplicar o reajuste.

Ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro são assim, Porto Alegre é assim...
...Belo Horizonte é assim.

As principais capitais?
As principais capitais estarão reajustando. Na região metropolitana de São Paulo, 90% ou talvez mais das cidades reajustem no mês de janeiro e fevereiro.

Isso tem potencial para levar de novo as pessoas a se manifestarem?
Obviamente, tem potencial. A parte mais sensível do ser humano é o bolso, nós sabemos disso. Uma coisa é racionalizarmos sobre a importância do reajuste da tarifa. Outra coisa é emocionalmente tratarmos disso. Tem um potencial explosivo. Mas, do ponto de vista do gestor público, é impossível que a questão do reajuste das tarifas não seja colocada na ordem do dia.
Nós batalhamos por dois projetos: o Reitup (Regime Especial do Transporte Urbano de Passageiros), que propõe isenção de tributos sobre a cadeia do sistema do transporte coletivo, licitação –só pode aderir ao Reitup quem fizer licitação–, criação da comissão de usuários –isso democratiza a fiscalização do sistema–, e faz com que nós possamos subsidiar o valor da tarifa. É um projeto importante que, infelizmente, não conseguimos avançar nesse momento.

Algumas saídas criativas vêm sendo tentadas. Em São Paulo, por exemplo, Fernando Haddad cogita aumentar o preço da passagem de ônibus para quem compra o bilhete em dinheiro e manter o preço atual para quem usa o Bilhete Único. O sr. acha que esse tipo de solução é possível para minorar o efeito do aumento?
Em Porto Alegre, nós usamos o cartão eletrônico Tri. Hoje, 90% dos usuários de transporte coletivo de Porto Alegre usam o Tri. Então o impacto seria muito pequeno. Ou aumentaríamos de forma demasiada e acabaríamos penalizando as pessoas que não estão na cadeia produtiva, porque quem tem normalmente o Tri é empregado, recebe o vale transporte, tem uma atividade formal. O desempregado, a dona de casa, que muitas vezes acaba pagando em dinheiro.
O importante seria buscarmos o Reitup. E a discussão da Cide [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico]: será que não é justo que quem utiliza automóvel, ocupa o espaço urbano, trancando o próprio transporte coletivo, pagar um pouco mais no preço da gasolina e isso ser revertido diretamente para reduzir o preço da passagem do transporte coletivo? É um debate que nós da Frente [Nacional de Prefeitos] queremos fazer. Não existem mágicas, milagres. É muito fácil a gente de forma populista, demagógica, dizer “não pode aumentar a passagem”. As soluções passam obrigatoriamente por fontes de financiamento.

O sr. enxerga, portanto, neste momento, um cenário parecido com o que existia no final de 2012, com elementos extras, esse noticiário a respeito de casos de corrupção. É isso?
Sem dúvida. Se isso vai ter poder de mobilização não sei. Eu era deputado federal quando tratamos do impeachment do [Fernando Henrique] Collor.

Em 1992.
1992. A corrupção foi um tema muito forte. Tomou conta do país. As mobilizações eram fortes, mas de uma outra forma. Cada momento histórico é um momento histórico. Eu, que convivo com movimento social há tantos anos, não ousaria apresentar este ou aquele cenário. Sei que a situação é complexa, agravou-se do ponto de vista da insatisfação da população em relação a dezembro de 2012. Dezembro de 2014 é um momento muito mais tenso para a vida democrática como um todo. No que isto vai resultar para 2015, é um grande ponto de interrogação.

Em 2013, a presidente Dilma Rousseff pediu a prefeitos aliados que postergassem o aumento nas tarifas de ônibus como forma de tentar conter a inflação. Os prefeitos aceitaram. Depois, tiveram que recuar. Foi um erro dos prefeitos terem concordado com essa estratégia?
Alguns aceitaram, como foi Rio e São Paulo, acabaram postergando e depois tanto o Eduardo [Paes] quanto o [Fernando] Haddad acabaram reconhecendo que deveriam ter feito o reajuste anteriormente. Acho que nenhum prefeito mais vai postergar.

Se a equipe econômica ou a própria presidente Dilma fizer um apelo, “contenham os aumentos agora”, ela vai ter dificuldades em convencer?
Vai ter dificuldades. No meu caso concreto, não vou atendê-la. Porque devo manter o meu sistema devidamente estabilizado. Se não der reajuste em fevereiro, estarei criando desequilíbrio financeiro para o sistema e vou pagar um preço logo ali. A população acabará pagando este preço logo adiante.

Ou seja, não há como as cidades colaborarem nessa hora para conter a alta de preços?
Não. Impossível. A não ser que nós recebamos algum recurso extra para poder financiar.

O que também não vai acontecer?
O que também não vai acontecer. Sabemos disso.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, estabelecia que todas as cidades do país deveriam extinguir lixões a céu aberto até agosto de 2014. Esse prazo já passou e 60% das cidades não cumpriram a meta. Os prefeitos foram relapsos?
Não. De forma alguma. Conheço várias cidades onde os prefeitos obviamente não têm capacidade financeira e técnica para simplesmente extinguir os lixões.

Mas em quatro anos?
É muito pouco tempo.

Tinha que ser quantos anos?
Tem que ser ajustado. A Frente Nacional dos Prefeitos propôs isso na discussão que o Senado Federal está fazendo para readequarmos. O Brasil tem 5.570 municípios e acha que todos têm as mesmas condições. Eu não tenho como tratar Porto Alegre igual a Viamão, que é uma cidade vizinha. Além disso, temos que buscar uma fonte de financiamento para que a prefeitura, além dos gastos que tem normalmente e já são exorbitantes, não consegue dar conta das políticas do dia a dia, possa, a longo prazo, ter um recurso específico para desse caso. Caso contrário, se torna impossível.

Se esse planejamento existir e houver uma moratória a respeito desse prazo que já não foi cumprido, em quanto tempo as cidades brasileiras poderiam se livrar desse lixões a céu aberto?
Algumas cidades têm condições de terminar com lixões em 2016, outras em 2018, e algumas em 2020. E temos que monitorar. A Frente quer ser parceira nisso. Caso contrário, se criarmos um novo calendário sem responsabilizações desde o primeiro momento, o prefeito vai jogar para frente. Daqui a dois anos teremos eleições municipais, o prefeito sai do cargo e ponto.

Há uma articulação no Senado, da senadora Gleisi Hoffman, do PT do Paraná, para que seja dado um novo prazo. A proposta que está sendo debatida já tem um formato para ser aprovada no início do ano que vem e levar esse cronograma realmente a sério até 2020?
Estou convencido de que avançamos bastante.

O sr. diz que não conhece o valor do orçamento necessário para isso. Quem vai decidir é a equipe econômica...?
Junto com o Ministério do Meio Ambiente, que cuida da área, podemos fazer isso com rapidez. O que não é possível é ficarmos com esta lacuna. O que vale é a lei que impunha que os lixões desaparecessem em agosto de 2014, ou seja, 60% dos prefeitos do país estão com a guilhotina no seu pescoço. Podem ser, a qualquer momento, acionados pelo Ministério Público em função do não cumprimento da legislação. Qual é a vantagem que temos em processar 60% dos prefeitos? Nenhuma. Porque os prefeitos não vão resolver. Só serão processados, punidos e sem solução. Estamos propondo um cronograma diferenciado, a busca de um financiamento adequado, com compromisso assinado por cada prefeito.

Houve uma onda de criação de cidades no país de 1980 para cá, o país teve mais de 2 mil cidades criadas nesse período. A maioria não tem receita para cobrir o seu próprio orçamento. Do ponto de vista político, foi uma boa iniciativa criar tantas cidades assim?
Criar-se novas cidades não deixa de ser positivo, se critérios mínimos forem olhados. No Rio Grande do Sul, como exemplo, criamos vários municípios e praticamente todos tiveram êxito porque, além da legislação nacional, a legislação estadual era muito rigorosa para que o desmembramento acontecesse, criava critérios. A comissão que analisou o assunto na Assembleia Legislativa foi muito criteriosa, para verificar se a emancipação daquela área territorial teria condições depois de suportar os encargos financeiros normais. No Rio Grande do Sul foi uma medida bem posta, porque esse pequenos municípios acabaram prosperando e desenvolvendo suas atividades. O que percebo no país é que nem sempre os critérios foram utilizados. Então, em tese, desmembramento de municípios é importante, muitas vezes necessário, mas da forma como foi feita é muito questionável.

O Congresso aprovou projetos de lei para facilitar a criação de novos municípios, sempre vetados pela presidente Dilma Rousseff. Ela fez bem em vetar essas iniciativas?
Sim, é importante que a gente estabeleça normas mais claras. E em nenhum dos projetos aprovados pelo Congresso Nacional isso ficava explícito. Na verdade, buscava-se mais uma vez facilitar a emancipação de municípios. E é necessário que as regras nos deem convicção de que a partir de sua emancipação a área terá condições de se sustentar.

Seria positivo se, depois de alguns anos, o município novo que for à falência voltar a ser agregado como bairro a outra cidade?
Com certeza. Eu não vejo nenhum problema.

Isso nunca aconteceu?
Nunca aconteceu. Ao contrário, por interesses locais, é muito difícil propor que um município emancipado retorne ou se incorpore à cidade mãe anterior, ou a uma outra cidade.

Não é o caso de pensar que daqui a alguns anos o Brasil deva reduzir o número de cidades para ser mais eficiente?
A grande questão é como é que nós damos eficiência para a gestão municipal. Este é o grande segredo.

Mas e essas cidades que não têm dinheiro? O que fazer com elas? Mais de 2.500 cidades...
O problema é que além de não terem dinheiro, criam uma série de dificuldades. Não adianta ter um prefeito e uma Câmara de Vereadores e não ter um corpo técnico adequado. Este, para mim, é o grande entrave. O prefeito e os vereadores, isoladamente, por mais boa vontade que tenham, não conseguem buscar prosperidade, geração de emprego e geração de renda. Tem que ter um quadro técnico adequado. Uma parte dessas cidades não tem. Este é um debate que obrigatoriamente vai ter que voltar.

O Congresso promulgou, em 2 de dezembro, a PEC que eleva em 1 ponto percentual, até 2016, o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e isso dará um reforço de quase R$ 4 bilhões aos cofres das cidades por 2 anos. Este tipo de medida vai resolver os problemas?
Não. É bem-vinda a aprovação da PEC, mas mascara o que é fundamental: o pacto federativo. Houve um retrocesso desde 1988, quando os municípios foram reconhecidos como entes federados e houve uma repartição de tributos mais adequada. Os municípios passaram a ser exigidos cada vez mais.
Para dar um exemplo, nós atingimos o ensino fundamental, a nossa obrigação, depois ampliamos o ensino fundamental de 8 para 9 anos, sem que novas fontes de financiamento acontecessem. Depois disso, educação infantil, com as mesmas fontes de financiamento.
Aumentou-se a sobrecarga das responsabilidades dos municípios e diminuiu-se o repasse de recursos. O próprio FPM foi perdendo. O FPM é calculado em cima do imposto. Como o governo federal ao longo do tempo foi criando taxas, que não são repassadas, nós perdemos.
O FPM tem importância? Tem, mas não responde ao que os municípios desejam. É a rediscussão do pacto federativo, que significa definir de forma clara as responsabilidades que devem ser atendidas pelos municípios.

Tem alguma atribuição hoje que o sr. acha que não deveria ser mais dos municípios, ou alguma que não é e deveria ser?
Não. Como o cidadão vive no município, busca a solução no município, o prefeito, naturalmente, não se nega a cumprir com isso. Na verdade, estou com muito mais responsabilidades do que recursos.
O Congresso Nacional aprova novo piso salarial para os agentes de saúde. Pois bem, como é que nós pagamos isso? Piso salarial dos professores, redução de jornada de trabalho. O Congresso Nacional é useiro e vezeiro em...

...Fazer benemerência com chapéu alheio.
O nosso chapéu! O chapéu dos prefeitos. Então, nós queremos discutir qual é a nossa responsabilidade e qual é a fonte de financiamento que banca isto. O pacto federativo tem que entrar de uma vez por todas na ordem do dia. Isto não acontece. O Congresso Nacional cada vez mais distante, Poder Executivo, de outro lado, cada vez mais distante.
Há um distanciamento cada vez mais preocupante entre o Congresso Nacional e o Poder Executivo federal. Isso me preocupa. Porque se nós não tivermos um amplo diálogo entre o Congresso e o Poder Executivo, todo mundo perde.

A presidente Dilma Rousseff tem dificuldade de melhorar esse relacionamento?
A gente responsabiliza muito a presidenta da República. Está bem, ela tem o seu estilo...

Mas quem deveria ser responsabilizado?
Não é só isto. Vamos olhar também do ponto de vista do Congresso Nacional. Respeito muito o Congresso Nacional, fui duas vezes deputado federal, mas o Legislativo se afasta das discussões macro do país.
Vou pegar um exemplo que sempre combati, nunca apresentei, e por isso me sinto muito à vontade. Emendas parlamentares. Eu acho que a emenda parlamentar é uma excrescência da democracia.

Não deveria existir?
Não deveria existir.

Nem de bancada, nem individual?
Nem de bancada, nem individual. Porque o Orçamento tem que ser algo pensado de forma ampla. O Congresso deve aprovar ou rejeitar ou fazer mudanças como um todo. E não o parlamentar, ou bancada, de forma individual dizer “eu quero apresentar emendas para o meu Estado, para a minha cidade”.
Isso termina servindo como proselitismo eleitoral, é muito difícil hoje um candidato que não é deputado federal enfrentar um deputado federal por causa das emendas parlamentares.

Mas acabou de ser aprovada a LDO e lá está a regra das emendas impositivas...
...O que é um retrocesso ainda maior.

Isso foi aprovado em concordância do Poder Executivo....
Não foi tanta concordância.

Foi empurrado...
Foi empurrado...

Mas ainda assim, poderia ter negociado antes?
Com certeza. Veja, há poucos dias discutiu-se a participação da população, criando o chamado conselho popular. E o Congresso rejeitou como se fosse o final do mundo. Há contradições malucas. O Congresso Nacional tem que estar mais aberto. Os dois lados têm que estar mais abertos.
Para nós podermos nos aproximar o Poder Legislativo do Poder Executivo. Acho que as duas partes têm que estar mais maleáveis ao diálogo, e não a negociações que muitas vezes não apresentam o verdadeiro interesse do público. Acabam aparecendo muito mais interesses particulares dos parlamentares, ou particulares do próprio Poder Executivo, e muito pouco dos grandes projetos para a nação.

Os políticos em geral fazem muita carga sobre a criação de novos municípios, para alterar as regras a respeito disso. Essa é uma discussão necessária para o país agora?
Não, de forma alguma. O país vive um momento difícil. Nós temos que pensar no equilíbrio das contas, em resolvermos a questão da corrupção através de uma investigação profunda, doa a quem doer, empresários, funcionários de carreira, diretores, parlamentares, se estiverem envolvidos. Temos que resolver isso de uma forma muito forte. Cuidarmos para que em 2015 os ajustes das contas não façam com que os serviços públicos caiam... Para mim essa é a grande agenda.
Hoje, pensarmos em criação de novos municípios, é simplesmente dar satisfação ao pequeno eleitorado que os deputados têm numa determinada região e não pensar nos grandes problemas do país. 2015 deve ser um ano de ajuste das contas, no sentido amplo, na ética, combate à corrupção, nas finanças públicas, no diálogo entre Congresso Nacional e Poder Executivo.

No âmbito federal, o que deveria ser feito para debelar essa crise a respeito de corrupção descoberta na Petrobras, com ramificações por empresas, envolvendo políticos?
Em primeiro lugar, não dificultar as operações. Toda a transparência é importante, e naturalmente isso acaba incomodando x ou y.

Mas e do ponto de vista prático?
Fazer com que as coisas aconteçam. Em segundo lugar, o Congresso Nacional e o Poder Executivo mostrarem ao país que doa a quem doer os fatos serão apurados e os responsáveis, punidos. Este tem que ser um compromisso.

Mas o Congresso acabou de dar um mau exemplo. Fez 2 CPIs para investigar a Petrobras e não deu em nada...
Seria melhor que não tivesse acontecido.

Tem que fazer outra CPI no ano que vem?
Não. Hoje o Ministério Público, a Polícia Federal, as instâncias de investigação têm instrumentos que o Poder Legislativo não têm. E estão com plena e total liberdade para que as investigações aconteçam.

O Congresso deveria fazer o quê?
Colocar-se à disposição para colaborar, nada mais do que isso. E fazer o debate.

Quando os políticos com mandato tiverem seus nomes incluídos em alguma denúncia o Congresso deve julgá-los?
Exatamente, este é o papel.

Outra CPI, não?
O grande problema é que, na medida em que as CPIs vão acontecendo, viram muito mais um palco de debate político do que busca de apurações concretas.

No caso da Petrobras, seria positivo que toda a diretoria fosse substituída?
Tenho plena e absoluta convicção de que seria uma boa sinalização para a sociedade. Até hoje tenho plena convicção, do que foi apresentado, de que a atual diretoria, pelo menos presidente com a direção, não tem culpa em cartório. Está bem, mas não adianta.

O sr. está falando da presidente Graça Foster, da Petrobras?
Exatamente. O que acaba acontecendo? Há uma suspeição, há um sangramento muito claro da própria Petrobras, as ações estão caindo de forma célere. Este grande patrimônio, que é do povo brasileiro, está escorrendo pelas nossas mãos. Então algumas medidas têm que ser tomadas. A primeira delas é a mudança total da direção. É uma sinalização para o mercado, é um sinalização para a população, é uma sinalização para o mundo, de que o governo está tomando uma medida. Além de continuar com as investigações independentes.
O governo estará mostrando: nós vamos fazer com que a estatal Petrobras volte a funcionar a todo o vapor. A gente vive de símbolos, a sociedade vive de símbolos e isso teria uma simbologia muito forte nesse momento.

Por que a presidente Dilma Rousseff não fez isso até agora?
É uma boa pergunta. Gostaria de poder respondê-la.

Mas o sr. a conhece há muitos anos. É do Rio Grande do Sul. Ela também fez carreira política por lá...
Vou dar a minha opinião. Não conversei com a presidente sobre isso, mas o que eu percebo? A presidente é muito zelosa pelas pessoas que ela acredita que tenham uma conduta adequada. Ela está convencida de que a Graça [Foster] não tem culpa em cartório. Por isso tem feito o possível para mantê-la. Eu acho que do ponto de vista pessoal é correto, do ponto de vista político é um equívoco.

O seu partido, PDT, participa do governo. Tem um ministério, o do Trabalho. Como deve ser a participação do PDT no próximo mandato da presidente Dilma Rousseff?
O PDT não deseja mais permanecer no Ministério do Trabalho. Aconteceram vários incidentes, sem entrar no mérito, que acabaram contaminando a presença do PDT no Ministério do Trabalho.
E dá plena e total liberdade à presidenta Dilma para que indique uma outra pasta. O PDT não está reivindicando esta ou aquela pasta.

O Ministério do Trabalho combina muito com o PDT por questões históricas...
Infelizmente tivemos tantos problemas que a imagem do PDT acabou sendo contaminada. Mesmo que tenhamos essa relação histórica forte, está na hora de o PDT migrar, mostrando o seguinte: queremos continuar fazendo parte do governo, queremos dar sustentação e governabilidade à presidenta Dilma. Obrigatoriamente não temos que estar neste ministério.

Qual seria uma pasta que combinaria com o PDT?
Teoricamente, se nós fôssemos falar como conceito, seria Educação, porque ao longo do tempo o PDT também se dedicou à Educação. Mas é uma pasta que naturalmente o PDT não vai receber. Estou falando em tese.

O sr. é prefeito de Porto Alegre, reeleito. Não pode mais se candidatar à reeleição daqui a dois anos, em 2016. Quais são os seus planos para depois?
Tenho um grande plano.

Qual seja?
Concluir bem o meu mandato de prefeito de Porto de Alegre até 31 de dezembro de 2016.
Não estou brincando. Começou uma discussão no Rio Grande do Sul sobre o apoio ou não do PDT ao novo governo de José Ivo Sartori. Eu participei, como participo ativamente, das discussões partidárias e fiz a seguinte exigência ao meu partido: não discuto 2018. Se discutirem 2018, não coloquem o nome de José Fortunati como possível candidato ao governo do Estado. Por quê? Porque eu sou prefeito da cidade, tenho uma ampla coligação, tenho um compromisso com minha cidade, com meu PDT, de administrar bem a cidade até o final. Ponto. Hoje qualquer projeção que eu faça para o futuro mais atrapalha do que ajuda.

O PDT vai dar apoio político ao Sartori?
Vai, já decidimos isso e vamos ocupar duas secretarias, Secretaria da Educação, com o deputado federal Vieira da Cunha, que ainda é deputado, e da Habitação, que é o deputado estadual Gerson Burmann.

Falta uma renovação na direção nacional do PDT?
Esta é uma discussão permanente. O [Carlos] Lupi é um grande presidente, é muito cioso, mas quando fala-se em direção, obviamente não se fala somente do presidente, fala-se da sua composição da Executiva. Acho que esse é um grande embate que o PDT fará no ano de 2015 para se revitalizar.

Acesse a transcrição completa da entrevista.

A seguir, os vídeos da entrevista (rodam em smartphones e tablets, com opção de assistir em HD):

1) Principais trechos da entrevista com José Fortunati (7:59)

2) 2015 começa com ônibus mais caro em capitais, diz Frente de Prefeitos (1:29)

3) “Nenhum prefeito aceita adiar reajuste de ônibus se Dilma pedir” (0:59)

4) Passe livre para ônibus é impensável, diz Frente de Prefeitos (1:32)

5) Dilma acertou ao vetar lei das novas cidades, diz Fortunati (2:43)

6) Prazo para acabar com lixões deve ser 2020, diz Frente de Prefeitos (3:01)

7) Dilma erra ao manter Graça na Petrobras, diz aliado do PDT (1:55)

8) PDT não quer continuar no Ministério do Trabalho (1:44)

9) Emendas parlamentares são excrescência, diz Fortunati (1:15)

10) Quem é José Fortunati? (1:54)

11) Íntegra da entrevista com José Fortunati (53 min.)

 

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