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Leia a transcrição da entrevista de José Fortunati ao UOL

Do UOL, em Brasília

18/12/2014 06h00

José Fortunati, prefeito de Porto Alegre e presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, participou do Poder e Política, programa do UOL conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 17.dez.2014 no estúdio do UOL, em Brasília.

UOL [OFF]: José Alberto Reus Fortunati tem 59 anos. É formado em Matemática, Direito e Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

José Fortunati iniciou sua militância política no movimento estudantil. Foi presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina.

Funcionário concursado do Banco do Brasil, José Fortunati também presidiu o Sindicado dos Bancários de Porto Alegre, em 1985. No mesmo ano, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores.

Em 1987, filiado ao PT, José Fortunati elegeu-se deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul. Três anos depois, foi eleito deputado federal, reeleito em 1994.

José Fortunati trocou o PT pelo PDT em 2002. No ano seguinte, foi nomeado secretário estadual de Educação pelo então governador Germano Rigotto, do PMDB.

Em 2008, Fortunati foi eleito vice-prefeito de Porto Alegre, na chapa liderada por José Fogaça, do PMDB. Fogaça renunciou em 2010 para concorrer ao governo do Estado e José Fortunati assumiu a Prefeitura de Porto Alegre.

Dois anos depois, Fortunati elegeu-se prefeito de Porto Alegre no primeiro turno, com 65% dos votos válidos, cargo que exerce até hoje. Em 2013, Fortunati assumiu a Presidência da Frente Nacional dos Prefeitos.

UOL: Olá. Bem-vindo a mais um Poder e Política - Entrevista. Este programa é uma realização do portal UOL. E a gravação é realizada aqui no estúdio do UOL, em Brasília. O entrevistado desta edição do Poder e Política é José Fortunati, prefeito de Porto Alegre.

UOL: Olá prefeito. Tudo bem?
Tudo bem Fernando. Satisfação.

O sr. também é presidente da Frente Nacional dos Prefeitos. A presidente Dilma Rousseff acabou de sancionar, no final de novembro, uma lei que altera o indexador da dívida dos Estados e dos municípios. Qual será o impacto dessa decisão da presidente?
Sobre alguns Estados, muito importante. Eu cito, como exemplo, o meu Estado, o Rio Grande do Sul, que há mais de 20 anos tem tido problemas orçamentários seríssimos. O governador Tarso Genro entrega o Estado numa situação idêntica que ele recebeu, complicada, não por sua responsabilidade, mas pelas condições concretas das gestões que estão acontecendo. E o governador José Ivo Sartori apanha o Estado complicado. Esta nova lei não reduz de imediato a dívida, e não é este o propósito, mas permite, ao menos, que o governador possa, quem sabe, buscar novos financiamentos. É o que acontece com São Paulo, a cidade de São Paulo. O prefeito, [Fernando] Haddad, obviamente nenhum refresco no que respeito ao desembolso no que tem que fazer com o pagamento da dívida, mas como a médio e longo prazo a dívida reduz por causa do indexador, ele poderá buscar novos recursos através de financiamento.

Todo mundo diz que 2015 vai ser um ano difícil na economia. Como que isso vai estar presente no cotidiano das pessoas que vivem nas cidades, que é onde as pessoas vivem mesmo, ninguém mora na União, não é isso? Mora nas cidades.
Sim.

Qual vai ser o impacto para as pessoas nesse ano ruim?
Complicado. Porque é na cidade que o cidadão busca o acesso à saúde, educação, assistência social, é lá que acontece a mobilidade urbana. Os serviços essenciais estão na cidade. E é o prefeito que acaba tendo que responder para essas demandas serem atendidas. Os prefeitos já estão se preparando, desde 2013, especialmente 2014. Durante o processo eleitoral, Fernando, ficou muito claro, independentemente de quem vencesse o processo eleitoral, principalmente os dois grandes candidatos, Aécio [Neves] ou Dilma [Rousseff], haveria um aperto em 2015. O que os prefeitos e prefeitas de todo o país fizeram? Levando em consideração esse cenário, projetaram orçamentos ajustados. Então, eu tenho a convicção de que hoje, dos 5.570 municípios brasileiros, grande parte desses municípios ajustaram os seus orçamentos para menos. Ou seja, certamente, é o que aconteceu em Porto Alegre, o orçamento de 2014 projetado foi um e eu projetei para 2015 um orçamento menor. Mas isso tem consequência onde? Na aplicação das políticas públicas. Então, naturalmente, se eu estou ajustando o meu orçamento para uma realidade que deve ser mais dura, e já foi mais dura em 2014, obrigatoriamente eu terei que fazer alguns cortes. Então, óbvio que alguns prefeitos tomarão o cuidado e não cortarão o que é essencial para a população, mas, ao mesmo tempo, terão dificuldades para colocar novas obras,  novos serviços e até a qualificação dos serviços existentes no dia a dia.

Orçamento ajustado para 2015 significa, como o sr. disse, menos dinheiro em algumas áreas. Menos dinheiro em algumas áreas, menor qualidade, às vezes, dos serviços oferecidos. Em 2013, a grande demanda dos brasileiros que foram marchar nas ruas, Porto Alegre começou esses movimentos, era por melhores serviços públicos em geral, sobretudo transporte, mobilidade urbana. A situação hoje no Brasil, dezembro de 2014, é melhor ou pior do que a gente teve em dezembro de 2012 quando estávamos às vésperas daqueles movimentos?
Eu diria que a situação orçamentária é muito parecida. O que se agravou de lá para cá? Em primeiro lugar, a exigência por novos serviços. Os prefeitos procuraram responder. As parcerias com os governos estaduais, com o governo federal, procuraram responder em parte, só que nós sabemos que o financiamento das políticas públicas tem um limite muito grande. Em compensação o nível das demandas tem crescido de uma forma bastante razoável. Uso como exemplo a boca do jacaré, o jacaré tá lá quietinho daqui dessa forma, do lado de baixo é a questão orçamentária que praticamente não mudou, em alguns casos até caiu, no caso de 2015, provavelmente, caia. E aqui são as demandas que são imputadas aos municípios, ou imputadas pelo cidadão que quer o melhor serviço, ou porque o Congresso Nacional demagogicamente vota novas atribuições, acabou de votar agora o piso salarial dos agentes de saúde, sem mostrar a fonte dos recursos, ou por decisões do Ministério Público, do Poder Judiciário, imputa-se ao prefeito novas responsabilidades. Então, começa a haver um distanciamento cada vez maior entre a fonte de investimentos que os municípios têm, com a necessidade de dar conta das demandas da população. Por isso, eu acredito que nesse aspecto, 2014 pode ser ainda pior que o início de 2013, com outro agravante, a questão da corrupção. Se nós finalizamos 2012 para 2013, o item corrupção não entrou, basicamente, nas grandes mobilizações. Entrou muito secundariamente...

Marginalmente.
...Muito marginalmente. Hoje para mim essa é a centralidade do processo. Ao conversar com as pessoas, converso não somente em Porto Alegre, estive em São Paulo há alguns dias, aqui em Brasília, eu percebo que este é o item que está na cabeça de todo mundo. É o momento, não somente o momento, dezembro vai se manter janeiro, fevereiro, março, e qual é o poder de mobilização que um tema como este pode levar a uma população eu não sei, mas que ele realmente coloca um fator muito novo, coloca.

O que vai agregar, vamos dizer, octanagem a esse combustível que empurra as pessoas para fazerem as manifestações é a vida delas no cotidiano, aí tem transporte público, ônibus. O sr. conversa com muitos prefeitos, é presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, haverá uma onda de aumentos de ônibus agora no início do ano. O que dá para imaginar o que vai acontecer?
O reajuste da tarifa é inevitável, porque se simplesmente nós congelarmos as tarifas do transporte coletivo, ou nós começamos, literalmente, a implodir com o sistema, a sucatear o sistema, porque o sistema se retroalimenta em termos de financiamento ou o poder público terá que buscar no seu orçamento recursos para bancar. Só para te dar um exemplo Fernando, o prefeito Fernando Haddad coloca a cada ano, que são dados atuais, R$ 1,6 bilhão de financiamento do sistema de transporte público de São Paulo. Isso é um valor que eu nem ouso pensar. O meu orçamento na cidade de Porto Alegre, anual, é de R$ 6 bilhões. Então, o prefeito tem dupla opção: se buscar recursos do seu Orçamento para financiar o sistema de transporte, ele vai ter que tirar da saúde, da educação, piorando ainda mais o Orçamento de 2015. Então, o reajuste vai acontecer. Como isso vai impactar na opinião pública eu não sei. Eu só acho que a atual população de lá para cá, eu percebo isso em Porto Alegre, amadureceu. Percebe que é impossível prestar-se serviços públicos de qualidade sem que haja uma contra prestação do financiamento, ou quer seja pela população ou pelo poder público. Então é muito... Para mim é um ponto de interrogação muito forte o que vai acontecer em relação a isso.

Em 2013, falou-se muito em passe livre para todos, nos ônibus municipais. Esse tipo de proposta é inviável?
Inviável. Nós da Frente Nacional de Prefeitos procuramos realizar vários cenários, discutimos tanto no Senado Federal, o senador Renan Calheiros tinha uma proposta sobre isso...

Exato.
....Buscamos assessoria técnica, estivemos no poder Executivo Federal, discutimos com o Ministério da Fazenda, com os técnicos do Ministério da Fazenda. E chegamos à conclusão de que, simplesmente, pensarmos em passe livre de forma ampla seria algo absolutamente impensável, não existem recursos para que isso aconteça. Nós propusemos, e achamos que é uma proposta razoável, o chamado passe livre com corte social. Então, nós, com isso, poderíamos atender desempregados, donas de casa, estudantes com um limite de renda. Isso faria com que o impacto no país poderia chegar a R$ 3 bilhões o que seria até adequado, desde que fosse financiado pelo governo federal. Os municípios não tem como fazer isso.

Mais fácil que tem agora é arrancar o dinheiro do governo federal.
Das coisas mais difíceis.

Não é?
Pode ter certeza Fernando.

Porto Alegre vai aumentar os ônibus? A tarifa?
Vai.

Quando deve ser aplicado o aumento?
Nós, felizmente, acabamos, nesse processo de 2013, desnudando de forma aberta, transparente, a planilha que calcula a tarifa do transporte coletivo. Tivemos inúmeras audiências no Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário, Câmara de Vereadores, eu tenho hoje a convicção, e digo com muito orgulho, de que a planilha do transporte coletivo de Porto Alegre é uma das mais transparentes do país. Então o que nós vamos fazer, que a lei, nós temos uma lei municipal, que diz “depois do destino coletivo da categoria dos rodoviários, que acontece em janeiro, em seguida aplica-se a tabela, no início de fevereiro”. Então, nós vamos aplicar até apanhar todos os itens, óleo, combustível, carroceria, pneus...

Salário.
...Salário, que impacta quase 50% no preço da passagem em Porto Alegre. Vamos colocar, naturalmente, na planilha e apresentarmos. Ela vai ser uma planilha técnica. 

A sua estimativa é que fique próximo da taxa de inflação de 2014?
Essa é a minha expectativa. Nós não calculamos ainda porque estamos esperando fechar o mês de dezembro. A nossa equipe de mobilidade urbana tem a planilha trabalhando com ela. Estamos aguardando fechar dezembro para começarmos a calcular qual vai ser a projeção para janeiro. É claro que há um componente que foge à nossa governança que é a negociação salarial entre patrões e empregados, rodoviários e empresários.

O sr. conversando com os seus colegas prefeitos de grandes regiões metropolitanas, de capitais, ouviu de algum deles a possibilidade de não aplicar reajuste agora no começo do ano de 2015?
Não. Os únicos que não irão aplicar no início de 2015 é porque caso aumente, por uma questão histórica, o reajuste se dá mais próximo à metade do ano. Mas os que têm, estabelecido por lei ou por critério já histórico o reajuste no início do ano, todos deverão estar aplicando o reajuste.

Ou seja, São Paulo, Rio de Janeiro são assim, Porto Alegre é assim.
Porto Alegre é assim, Belo Horizonte é assim.

Ou seja, as principais capitais?
As principais capitais estarão reajustando. Aqui na região metropolitana de São Paulo, que são grandes cidades, 90% ou talvez mais das cidades reajustem no mês de janeiro e fevereiro.

O sr. não acha que isso tem potencial explosivo para levar de novo as pessoas se manifestarem porque acha que as pessoas amadureceram, é isso?
Não. Obviamente que tem potencial. Dizia o Delfim Neto, quando era o superministro, que “a parte mais sensível do ser humano é o bolso”, nós sabemos disso, ninguém desconhece. Uma coisa é racionalizarmos sobre a importância do reajuste da tarifa e outra coisa é emocionalmente tratarmos disso, tem um potencial explosivo. Mas, do ponto de vista do gestor público, é impossível que, neste ano de 2014, a questão do reajuste das tarifas não seja colocada na ordem do dia. Nós batalhamos, e eu quero resgatar isso, por dois projetos: primeiro deles Reitup (Regime Especial do Transporte Urbano de Passageiros), conseguimos, a Frente capitaneou, para ver como o tema é antigo, esse é um tema de 2003, quando a Frente aprovou lá em Salvador essa proposta. Em 2003, o projeto foi apresentando na Câmara, somente em 2014 ele começou a seguir o seu caminho. Aprovamos no Senado e voltou para a Câmara e parou. O que ele propõe? Ele propõe isenção de tributos sobre a cadeia do sistema do transporte coletivo, propõe licitação –só pode aderir ao Reitup quem fizer licitação–, propõe a criação da comissão de usuários –isso democratiza a fiscalização do sistema–, e, obviamente, faz com que nós possamos do fio ao cabo subsidiar o valor da tarifa. Então, esse é um projeto importante que, infelizmente, não conseguimos avançar nesse momento.

Tem algumas saídas criativas que vêm sendo tentadas. Em São Paulo, por exemplo, há a cogitação do prefeito, Fernando Haddad, de aumentar o preço da passagem de ônibus para quem compra o bilhete em dinheiro e para manter o preço atual para quem usa o Bilhete Único. O sr. acha que esse tipo de solução é possível para minorar o efeito, o impacto, que vai ter o aumento?
Na verdade, o caso de Porto Alegre, nós usamos o Tri, o cartão eletrônico Tri. Hoje, 90% do usuário de transporte coletivo de Porto Alegre usa o Tri. Então..

O impacto seria pequeno?
O impacto seria muito pequeno. Então, ou nós aumentaríamos de uma forma demasiada e com isso nós acabaríamos penalizando exatamente as pessoas que não estão na cadeia produtiva porque quem tem normalmente o Tri é empregado, recebe o vale transporte, tem uma atividade formal. O desempregado, a dona de casa, que muitas vezes acaba pagando em dinheiro. Então nós temos que tomar um certo cuidado quando a gente elabora as formas do financiamento do transporte coletivo para não acabarmos imputando aos que mais precisam do transporte coletivo um custo maior. Então, cautela e calda de galinha na hora do cálculo é muito importante. O importante seria buscarmos, volto a dizer, o Reitup, rediscutimos o vale transporte, que é uma peça fundamental, atende uma grande parte hoje dos usuários de transporte coletivo. E a discussão da Cide, que voltou, veio e voltou, mas será que não é justo, e eu quero lançar isso como um debate aberto que a Frente está fazendo, será que não é justo que quem utiliza automóvel, ocupa o espaço urbano, inclusive com isso trancando o próprio transporte coletivo, não quer usar o transporte está bem, ao invés de discutirmos o que fez Londres, o pedágio eletrônico em algumas áreas da cidade, porque ele não pagar um pouco mais no preço da gasolina e isso ser revertido diretamente para reduzir o preço da passagem do transporte coletivo? É um debate que nós da Frente queremos fazer, para quê? Porque não existem mágicas, não existem milagres, é muito fácil a gente de forma populista, demagógica, dizer “não pode aumentar a passagem”. Então, nós temos que buscar soluções e as soluções passam obrigatoriamente por fontes de financiamento.

Agora, resumindo tudo isso que falamos sobre o cenário agora, aumento de ônibus, o sr. enxerga, portanto, neste momento, um cenário parecido com o que existia no final de 2012 e com elementos, inclusive, extras no caso, esse noticiário todo a respeito de casos de corrupção, que tem dominado o debate político no país. É isso?
Sem dúvida. Se isso vai ter poder de mobilização não sei. Eu era deputado federal quando tratamos do impeachment do [Fernando Henrique] Collor.

1992?
1992. A corrupção foi um tema muito forte, tomou conta do país, mas as mobilizações se deram forte, mas de uma outra forma. Então, cada momento histórico é um momento histórico. Eu que convivo com movimento social há tantos anos, eu não ousaria apresentar, pelo menos, este ou aquele cenário. Eu sei que a situação é complexa, ela se agravou do ponto de vista da percepção que eu tenho da insatisfação da população em relação a dezembro de 2012, dezembro de 2014 é um momento muito mais tenso para a vida democrática como um todo. No que isto vai resultar para 2015 é um grande ponto de interrogação.

Em 2013, a presidente Dilma Rousseff pediu a muitos prefeitos aliados que postergassem o aumento nas tarifas de ônibus como forma de tentar conter uma alta de preços que prejudicava o andamento da economia. Os prefeitos aceitaram, eles tiveram que recuar, foi um erro dos prefeitos terem concordado com essa estratégia?
Alguns aceitaram, como foi Rio e São Paulo, acabaram postergando e depois tanto o Eduardo [Paes] quanto o [Fernando] Haddad acabaram reconhecendo que deveriam ter feito o reajuste anteriormente. Eu acho que nenhum prefeito mais vai postergar. O que eu volto a dizer...

Ou seja, se a equipe econômica ou a própria presidente Dilma fizer um apelo “contenham os aumentos agora”, o sr. acredita que ela vai ter dificuldades em convencer?
Vai ter dificuldades. No meu caso concreto, eu não vou atendê-la. Porque eu, obrigatoriamente, devo manter o meu sistema devidamente estabilizado. Porque, caso contrário, se eu não der reajuste em fevereiro eu estarei criando um desequilíbrio financeiro para o sistema e vou pagar um preço logo ali. A população acabará pagando este preço logo adiante.

Ou seja, não há como as grandes cidades, mesmo as pequenas, colaborarem nessa hora para conter a alta de preços?
Não. Impossível. A não ser que nós recebamos algum recurso extra para poder financiar.

O que também não vai acontecer?
O que também não vai acontecer. Sabemos disso.

Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, estabelecia que todas as cidades do país deveriam extinguir lixões a céu aberto até agosto de 2014. Esse prazo já passou. 60% das cidades não cumpriram esse prazo. Os prefeitos foram relapsos ao não cumprir esse prazo, de quatro anos, ou não?
Não. De forma alguma Fernando, esse é um tema que diz respeito a nosso dia a dia. Eu não tenho problema de lixões em Porto Alegre então me sinto muito à vontade, como presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, de tratar sobre ele. Mas conheço várias cidades, não somente no Rio Grande do Sul, mas no país, onde os prefeitos obviamente não têm capacidade financeira e técnica para simplesmente extinguir os lixões.

Mas em quatro anos?
Mas é muito pouco tempo.

Tinha que ser quantos anos?
Não. Tem que ser ajustado, e nós propusemos isso, agora a Frente Nacional dos Prefeitos propôs isso na discussão que o Senado Federal está fazendo para readequarmos. Nós não podemos tratar os desiguais de forma desigual, e este é um grande problema do Brasil. O Brasil tem 5.570 municípios e acha que todos eles têm as mesmas condições. Eu não tenho como tratar Porto Alegre, igual a Viamão, que é uma cidade vizinha. Mas tem um outro... O Viamão faz parte do G-100, é um movimento com grande nível populacional, com baixo PIB, então tem que olhar cada situação. Segundo, além disto nós temos que buscar uma fonte de financiamento para que a prefeitura além dos gastos que tem normalmente que já são exorbitantes, que não consegue dar conta das políticas do dia a dia ele possa, bom, com recursos de financiamento, também financiamento, a longo prazo, ter um recurso específico para tratar desse caso. Caso contrário se torna impossível.

Se esse planejamento existir, for feito a partir de agora, e houver uma moratória a respeito desse prazo que já não foi cumprido, em quanto tempo o sr. acha que as cidades brasileiras, sendo realista, poderiam se livrar desse lixões a céu aberto?
Nós apresentamos uma tabelinha, que acreditamos, ela seja viável. Algumas cidades têm condições de terminar com lixões em 2016, outras em 2018, e algumas em 2020. E tais condições nós temos que monitorar, a Frente quer ser parceira nisso. Porque, caso contrário, se nós criarmos um novo calendário sem responsabilizações desde o primeiro momento do prefeito, ele vai jogar para frente. Daqui a dois anos teremos eleições municipais, o prefeito sai do cargo e ponto. Então, nós temos consciência de que o problema é grave, mas não pode ser decidido, simplesmente, com canetaço. Ele tem que ser decido através de um planejamento e com recursos. Financiamento, não estamos pedindo a fundo perdido, nós queremos um financiamento adequado para que as prefeituras possam levar adiante.

Tem essa articulação agora no Senado, acho que a senadora Gleisi Hoffman, do PT do Paraná, para que, enfim, seja dado um novo prazo para o planejamento...
Com critérios.

...Com critérios. O sr. acredita que a proposta que está sendo debatida ela já tem um formato para ser aprovada no início do ano que vem e levar esse cronograma realmente a sério até 2020?
Eu estou convencido de que nós avançamos bastante.

Agora, o sr. diz que noção conhece o valor do orçamento necessário para isso. Vai precisar de dinheiro.
Não. Com certeza.

Isso vai ter que ser decidido pela equipe econômica...
Junto com o Ministério do Meio Ambiente, que cuida exatamente dessa área, nós podemos fazer isso com muita rapidez. O que não é possível é, simplesmente, ficarmos com esta lacuna em branco, porque o que vale é a lei que impunha que os lixões desaparecessem em agosto de 2014, ou seja, todos os 60% dos prefeitos do país estão com a guilhotina no seu pescoço. Podem ser, a qualquer momento, acionados pelo Ministério Público em função do não cumprimento da legislação. Qual é a vantagem que temos em processar 60% dos prefeitos? Nenhuma. Porque os prefeitos não vão resolver....

Claro.
Só serão processados, punidos e sem solução. Então, por isso, que nós estamos propondo, na verdade, um cronograma diferenciado, a busca de um financiamento adequado, com compromisso assinado por cada prefeito. Aí sim, não é uma questão geral, nós temos que buscar cada prefeito para que ele possa assinar, se co-responsabilizando, porque ele é o mandatário maior para que uma solução seja encontrada na sociedade.

Não é segredo para ninguém, houve uma onda de criação de cidades no país de 1980 para cá, país teve mais de 2 mil cidades criadas nesse período, hoje mais de 50% das cidades não têm receita para cobrir o seu próprio orçamento...
Depende do FPM.

Foi um erro essa criação de cidades sobre os aspectos lógicos, o que se observa agora. Do ponto de vista político, foi uma boa iniciativa criar tanta cidade assim?
Criar-se novas cidades com um conceito amplo não deixa de ser uma coisa positiva, se critérios mínimos forem olhados. O Rio Grande do Sul, como exemplo, nós criamos vários municípios de lá para cá nesse período, e praticamente todos tiveram êxito, porque além da legislação nacional, a legislação estadual era muito mais rigorosa para que o desmembramento acontecesse, criava critérios e, felizmente, a comissão que analisou o assunto na Assembleia Legislativa foi muito criteriosa, para verificar se a emancipação daquela área territorial teria condições depois de suportar os encargos, além do FPM, os encargos financeiros normais. Então, no Rio Grande do Sul foi uma medida bem posta, porque esse pequenos municípios acabaram prosperando, acabaram desenvolvendo suas atividades. O que eu percebo no país é que nem sempre os critérios foram utilizados. Então, em tese, desmembramento de municípios é importante, muitas vezes necessário, mas da forma como foi feita é muito questionável, pode ter certeza.

O Congresso tomou algumas iniciativas, em anos recentes, que sempre foram vetadas pela presidente Dilma Rousseff. Ela fez bem em vetar as iniciativas que haviam sido aprovadas pelo Congresso?
Eu acho que sim, porque, na verdade, é um tema tão complexo que é importante que a gente estabeleça normas mais claras. Em nenhum dos projetos aprovados pelo Congresso Nacional, Câmara e Senado, isso ficava explícito. Na verdade, buscava-se mais uma vez, de certa forma, facilitar a emancipação de municípios. E o problema não é facilitar a emancipação dos municípios, a grande questão é: se vamos adequar uma determinada área territorial, é necessário que as regras existentes nos deem convicção de que a partir de sua emancipação esta área terá condições de se sustentar, e não depender exclusivamente do FPM.

Seria positivo que a regra, que já existe aliás, para um município voltar a ser agregado à cidade anterior, seria positivo que essa regra fosse mais rígida e que isso fosse mais comum acontecer no Brasil? Depois de alguns anos o município vai a falência, ele deixa de existir e volta a ser agregado como bairro ou cidade?
Com certeza. Eu não vejo nenhum problema.

Isso nunca aconteceu?
Nunca aconteceu. Ao contrário, por interesses locais, por disputas, e nós sabemos como isso acontece na vida real, é muito difícil propor que um município emancipado retorne ou se incorpore à cidade mãe anterior, ou a uma outra cidade, é muito difícil.

Agora, me parece vital porque de outra forma são 5.570 cidade, metade não consegue sobreviver sozinha, isso daí não vai ter que ser feito em algum momento, porque não é o caso de pensar que daqui a alguns anos o Brasil deva reduzir o número de cidades para ser mais eficiente?
A grande questão é como é que nós damos eficiência para a gestão municipal. Este é o grande segredo.

Mas essas cidades que não têm dinheiro, como vamos fazer com elas? Mais de 2.500 cidades.
O problema é que além de não terem dinheiro, isto cria uma série de dificuldades. Como exemplo, não adianta ter um prefeito e uma Câmara de Vereadores e não ter um corpo técnico adequado. Então este, para mim, é o grande entrave, porque o prefeito e os vereadores, isoladamente, por mais boa vontade que tenham não conseguem buscar prosperidade, geração de emprego e geração de renda. Tem que ter um quadro técnico adequado. Uma parte dessas cidades não tem. Então, este é um debate que obrigatoriamente vai ter que voltar.

Congresso promulgou, em 2 de dezembro, a PEC que eleva em 1 ponto percentual, até 2016, o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e isso vai dar aí um reforço de quase R$ 4 bilhões aos cofres das cidades por 2 anos. Este tipo de medida, uma espécie de tapa buraco, vai resolver os problemas?
Não. Bem vinda a aprovação da PEC, amplamente negociada com as entidades municipalistas, FPM, CNM, ABM com o governo federal, mas isto mascara o que para nós é fundamental que seja discutido, chamado de pacto federativo. Se nós voltarmos em 1988, quando pela primeira vez os municípios foram reconhecidos como entes federados e há uma repartição de tributos muito mais adequada, com responsabilidades que começaram a ser desenhadas, de lá para cá há claramente um retrocesso. Os municípios passaram a ser exigidos cada vez mais. Primeiro nós os atingimos, só para dar um exemplo aqui para que o telespectador entenda, nós atingimos o ensino fundamental, a nossa obrigação, depois ampliamos o ensino fundamental, de 8 para 9 anos, sem que novas fontes de financiamento acontecessem. Depois disso, educação infantil, com as mesmas fontes de financiamento, estou dando um exemplo de tantos outros. Então, de lá para cá, aumentou-se muito a sobrecarga das responsabilidades dos municípios e diminuiu-se, em muitos casos, o repasse de recursos. O próprio FPM foi perdendo, porque o FPM é calculado em cima do imposto. Como o overno federal, e não é este governo, ao longo do tempo foi criando taxas...

Que não são repassadas...
Que não são repassadas, nós perdemos com isto. O FPM tem importância? Tem, mas não responde ao que os municípios desejam. É a rediscussão do pacto federativo, que significa, na verdade, dois eixos fundamentais, quais são, efetivamente, as responsabilidades que devem ser atendidas pelos municípios? Definir isso de forma clara.

Tem alguma hoje que é muito clara que o sr. acha que não deveria ser mais dos municípios, ou inverso, alguma que não é e deveria ser?
Não. Na verdade, o que nós estamos abraçando, a grosso modo, como o cidadão vive no município, mora no município, busca a solução no município, o prefeito, naturalmente, não se nega a cumprir com isso. Nós não estamos questionando esta perna, o que nós questionamos é esta. Aliás, tem que ser inverso porque este dedo é maior, na verdade, estou com muito mais responsabilidades do que recursos. Então, nesse pacto federativo, volto ao exemplo, o Congresso Nacional aprova novo piso salarial para os agentes de saúde, pois bem, como é que nós pagamos isso? Piso salarial dos professores, redução de jornada de trabalho. O Congresso Nacional é useiro e vezeiro em...

Fazer benemerência com chapéu alheio.
O nosso chapéu. O chapéu dos prefeitos. Então, nós queremos discutir, bom qual é a nossa responsabilidade e qual é a fonte de financiamento que banca isto. Isto para mim é o pacto federativo que tem que ser de uma vez por todas na ordem do dia. Isto não acontece. O Congresso Nacional cada vez mais distante, Poder Executivo, de outro lado, cada vez mais distante. A minha percepção, eu que já fui deputado federal, já convivi com Brasília, é de que há um distanciamento cada vez mais preocupante entre o Congresso Nacional e o Poder Executivo Ffderal, isso me preocupa. Porque se nós não tivermos um amplo diálogo entre o Congresso e o Poder Executivo, bom, todo mundo perde, todo mundo acaba perdendo, o país perde com isso. E esse distanciamento, que existe hoje, é realmente preocupante.

Vou dar um exemplo deste distanciamento, acabei de falar aqui, o Congresso já votou aqui várias vezes leis, PECs para formar novos municípios, tudo é votado, aprovado, vai para o Palácio do Planalto, é vetado, não é? Na verdade são leis. Faltou diálogo nesses casos?
Com certeza.

Esse é um exemplo.
Esse é um exemplo muito claro, exemplo claríssimo.

O sr. acha que a presidente Dilma Rousseff tem essa dificuldade de melhorar esse relacionamento?
Mas eu acho que a gente responsabiliza muito a presidente da República. Está bem, ela tem o seu estilo.

Mas quem deveria ser responsabilizado?
Não, mas não é só isto. Vamos olhar também do ponto de vista do Congresso Nacional. Eu, obviamente, respeito muito o Congresso Nacional, passei por lá, fui duas vezes deputado federal, deputado estadual vereador, acho que o Legislativo é extremamente importante, mas eu acho que o Legislativo também se afasta um pouco das discussões macro do país. Vou pegar um exemplo que eu combati, sempre combati, nunca apresentei, e por isso me sinto muito a vontade. Emendas, emendas parlamentares, eu acho que a emenda parlamentar é uma excrecência da democracia.

Não deveria existir?
Não deveria existir.

Nem de bancada, nem individual?
Nem de bancada, nem individual. Porque o Orçamento ele tem que ser algo pensado de forma ampla o Congresso, obviamente, deve aprovar ou rejeitar ou fazer mudanças no Plenário como um todo, e não o parlamentar, ou bancada de forma individual está dizendo “eu quero apresentar emendas para o meu Estado, para a minha cidade”, isso termina servindo como proselitismo eleitoral, é muito difícil hoje um candidato enfrentar, um candidato que não é deputado federal, enfrentar um deputado federal por causa das emendas parlamentares.

Pois é, mas acabou de ser aprovada a LDO, foi hoje aprovada, e contêm a regra ainda que não esteja...
Sobre as emendas impositivas.

....Sobre as emendas impositivas.
O que é um retrocesso ainda maior.

Pois é, que vem a ser, enfim, uma determinação para que o Executivo pague, obrigatoriamente, determinadas emendas de determinados deputados e senadores.
Agora eu te pergunto...

Agora, isso daí foi com a concordância do poder Executivo....
Não foi tanta concordância.

...Foi empurrado...
Foi empurrado...

...Mas ainda assim...
Está bem, mas esse aí...

Poderia ter negociado antes?
Com certeza. Veja bem, há poucos dias atrás, discutiu-se a participação da população, criando seu chamado conselho popular. E o Congresso rejeitou como se fosse o final do mundo. Então há contradições malucas. Eu acho que o Congresso Nacional tem que estar um pouco mais aberto, também. Os dois lados têm que estar mais abertos. Para nós podermos nos aproximar Congresso Nacional, Poder Legislativo do Poder Executivo, acho que as duas partes têm que, de uma forma ou de outra, estarem mais maleáveis ao diálogo, e não a negociações que muitas vezes não apresentam o verdadeiro interesse do público. Ou seja, acabam aparecendo muito mais interesses particulares dos parlamentares, ou particulares do próprio Poder Executivo, e muito pouco acaba aparecendo aquilo de grandes projetos para a nação.

O sr. falou de Executivo e de Legislativo, agora, os políticos em geral pelo país todo sempre fazem muita carga quando tem essa história de criação de novos municípios, de alterar as regras a respeito disso, vêm para Brasília e pedem esse tipo de coisa. A Frente Nacional de Prefeitos tem alguma opinião formada sobre isso? Essa é uma discussão necessária para o país agora, formar novas cidades?
Não, de forma alguma, eu acho que o país vive um momento difícil, um momento em que nós temos que pensar no equilíbrio das contas, pensar no sentido de resolvermos a questão da corrupção através de uma investigação profunda, doa a quem doer, empresários, funcionários de carreira, diretores, parlamentares, se estiverem envolvidos, como se aventa hoje, não sei até onde isso é verdadeiro. Temos que resolver isso de uma forma muito forte, cuidarmos para que em 2015 os ajustes das contas não façam com que os serviços públicos caiam... Para mim essa é a grande agenda. Hoje pensarmos em criação de novos municípios é, na verdade, estarmos pensando em simplesmente dar satisfação ao pequeno eleitorado que os deputados têm numa determinada região e não pensar nos grandes problemas do país. 2015 deve ser um ano de ajuste das contas, no sentido amplo, na ética, combate à corrupção, nas finanças públicas, no diálogo entre Congresso Nacional e Poder Executivo.

No âmbito federal, qual o sr. acha que deveria ser a atitude dos poderes constituídos para tentar debelar essa crise a respeito de corrupção, que foi descoberta agora na Petrobras, com ramificações por empresas, envolvendo políticos? O que deveria ser feito?
Primeiro lugar, obviamente não dificultar as operações. Toda a transparência é importante, naturalmente isso acaba incomodando x ou y.

Mas do ponto de vista prático.
Do ponto de vista prático, em primeiro lugar, fazer com que as coisas aconteçam, e está acontecendo. Em segundo lugar, o Congresso Nacional, através da sua representação, e o Poder Executivo, mostrarem ao país que obviamente doa a quem doer os fatos serão apurados e os responsáveis, punidos. Este tem que ser um compromisso.

Mas o Congresso acabou de dar um mau exemplo agora, fez 2 CPIs para investigar a Petrobras, os relatórios finais não indiciam ninguém. Inclusive não indiciam pessoas que já foram indiciadas, não estão sendo indiciadas pelo Congresso.
Seria melhor que não tivesse acontecido.

Tem que fazer outra CPI no ano que vem?
Não. Eu acho que hoje, Ministério Público, Polícia Federal, as instâncias de investigação elas em primeiro lugar têm instrumentos que o Poder Legislativo não tem. Segundo, estão com plena e total liberdade para que as investigações aconteçam.

O Congresso deveria fazer o quê, então?
Deveria colocar-se à disposição para colaborar, nada mais do que isso. E fazer o debate.

E quando os políticos com mandato tiverem seus nomes incluídos em alguma denúncia, o Congresso também julgá-los, é isso?
Exatamente, este é o papel.

Outra CPI, não?
O grande problema que, na medida em que as CPIs vão acontecendo, o que é normal no Legislativo, nada contra, vira muito mais um palco de debate político do que na busca de apurações concretas.

Fala-se muito sobre a necessidade de renovar, não só o governo, como as empresas estatais também. O caso da Petrobras, o sr. acredita que seria positivo no atual momento que toda a diretoria fosse substituída?
Tenho plena e absoluta convicção de que seria uma boa sinalização para a sociedade. Volto a dizer, até hoje tenho plena convicção, do que foi apresentado, de que a atual diretoria, pelo menos presidente com a direção, não tem culpa em cartório. Está bem, mas não adianta.

O sr. está falando da presidente Graça Foster, da Petrobras?
Exatamente. O que acaba acontecendo? Há uma suspeição, há um sangramento muito claro da própria Petrobras, as ações estão caindo de forma célere. Este grande patrimônio, que é do povo brasileiro, está escorrendo pelas nossas mãos. Então algumas medidas têm que ser tomadas. A primeira delas é a mudança total da direção. É uma sinalização para o mercado, é um sinalização para a população, é uma sinalização para o mundo, de que o governo está tomando uma medida. Além de obviamente continuar com as investigações que são independentes, através dos órgãos, o governo está mostrando: nós vamos fazer com que a estatal Petrobras vá voltar a funcionar a todo o vapor. E a gente vive de símbolos, a sociedade vive de símbolos e para mim isso teria uma simbologia muito forte nesse momento.

Por que a presidente Dilma Rousseff não fez isso até agora?
É uma boa pergunta, gostaria de poder respondê-la.

Mas o sr. conhece ela há muitos anos, é do Rio Grande do Sul, ela também fez carreira política por lá.
Eu vou dar a minha opinião, não conversei com a presidente sobre isso, mas o que eu percebo: a presidente é muito zelosa pelas pessoas que ela acredita que tenham uma conduta adequada. Ela está convencida que a Graça [Foster] não tem culpa em cartório. Por isso tem feito o possível para mantê-la. Eu acho que do ponto de vista pessoal é correto, do ponto de vista político é um equívoco.

O seu partido, PDT, participa do governo. Tem um ministério, o do Trabalho. Como deve ser a participação do PDT no próximo mandato da presidente Dilma Rousseff?
Nós realizamos uma discussão bastante adequada no Diretório Nacional do PDT.

Quando?
Isto há pouco mais de 20 dias. E algumas decisões foram tomadas. Em primeiro lugar, o PDT não deseja mais permanecer na testa do Ministério do Trabalho. Aconteceram vários incidentes, sem entrar no mérito, que acabaram contaminando a presença do PDT no Ministério do Trabalho. Segundo: dar plena e total liberdade à presidenta Dilma para que indique uma outra pasta. Nós não estamos, o PDT não está reivindicando esta ou aquela pasta...

O Ministério do Trabalho combina muito com o PDT, por questões históricas, não é?
Qual é o grande problema, Fernando? Infelizmente nós tivemos tantos problemas que a imagem do PDT, é a minha compreensão e tenho certeza que é compreensão hoje da maioria do PDT, acabou sendo contaminada. Então mesmo que tenhamos essa relação histórica, forte, eu acho que está na hora do PDT migrar, mostrando o seguinte, nós queremos continuar fazendo parte do governo, queremos dar sustentação e governabilidade à presidenta Dilma. Obrigatoriamente não temos que estar neste ministério.

Qual seria uma pasta que combinaria com o PDT, ou quais pastas?
Teoricamente, se nós fôssemos falar como conceito, seria Educação, porque ao longo do tempo o PDT também se dedicou à Educação. Mas é uma pasta que naturalmente o PDT não vai receber. Estou falando em tese.

E do ponto de vista do apoio político no Congresso e geral. Como vai ser a relação do PDT com a presidente Dilma Rousseff durante o segundo mandato?
Temos convicção de que o PDT ajudou a reeleger a presidenta Dilma, faz parte da base de sustentação, mas queremos ser ouvidos. Esse é um direito que o partido tem. Simplesmente de não receber projetos prontos e aí a ordem para votar a favor deste ou daquele projeto. Mas o PDT sempre reivindicou que antes mesmo da apresentação do projeto, ou mesmo após a apresentação do projeto, nós possamos fazer uma discussão com o Poder Executivo, de forma aberta, ampla e transparente. E entendermos e compreendermos e até propormos mudanças do projeto, porque o partido tem que ter a sua identidade. O partido, mesmo sendo a base, não pode ser simplesmente caudatário das políticas do governo federal. Ele é da base do governo, mas não pode ser submisso ao governo federal. Essa tem que ser a postura do PDT.

O sr. tem uma carreira longa, já, como político, já ocupou vários cargos, no momento é prefeito de Porto Alegre, reeleito, não pode mais se candidatar à reeleição daqui a dois anos, em 2016. Quais são os seus planos para depois?
Eu tenho um grande plano.

Qual seja?
Concluir bem o meu mandato de prefeito de Porto de Alegre até 31 de dezembro de 2016. E não estou brincando, porque começou uma discussão no Rio Grande do Sul sobre o apoio ou não do PDT ao novo governo de José Ivo Sartori. Eu participei, como participo ativamente, dentro do possível, das discussões partidárias e fiz a seguinte exigência ao meu partido. Não discuto 2018. Se discutirem 2018, não coloquem o nome de José Fortunati como possível candidato ao governo do Estado. Por quê? Porque eu sou prefeito da cidade, tenho uma ampla coligação, tenho um compromisso com minha cidade, com meu PDT, de administrar bem a cidade até o final. Ponto. Então hoje qualquer projeção que eu faça para o futuro mais atrapalha do que ajuda. Então prefiro pensar o meu papel como agente político e agente público, ele tem que estar concentrado e centrado até 31 de dezembro de 2016.

O PDT vai dar apoio político ao Sartori?
Vai, já decidimos isso e temos duas secretarias, vamos ocupar duas secretarias, Secretaria da Educação, com o deputado federal Vieira da Cunha, que ainda é deputado, e da Habitação, que é o deputado Gerson Burmann, deputado estadual do Rio Grande do Sul.

Quem olha o PDT a partir de Brasília, depois da morte de Leonel Brizola, a impressão que se tem é que o partido passou muitos anos sem rumo. Sem uma âncora que o levasse para frente, tanto é que o partido reduziu em tamanho aqui em Brasília, no Congresso. Essa fase já passou ou ainda o PDT se ressente dessa falta do seu grande líder?
Uma coisa é inquestionável, Fernando, a presença de Brizola no PDT era uma presença muito forte. Ele era chamado de comandante, não é força de expressão. Ele comandava o partido e comandava de uma forma bastante presente. Vou contar um fato, eu era da Executiva regional do PDT, no Rio Grande de Sul, e nós decidimos tomar uma decisão que sabíamos que ia ser polêmica, a primeira coisa que o presidente fazia era ligar para o Brizola. “E aí comandante, aqui temos...”. E o Brizola muitas vezes desautorizava que aquela decisão fosse levada adiante. Só para mostrar como o Brizola era muito presente na vida partidária.

Isso era bom e ruim ao mesmo tempo?
Com certeza, com certeza, bom e ruim ao mesmo tempo. Tem as suas vantagens e desvantagens. Felizmente o Brizola era um visionário, acertou mais do que errou com toda a certeza. Com o falecimento do Brizola, abre-se uma lacuna muito forte, porque ninguém substitui nem a médio e a longo prazo uma figura tão carismática, tão forte, como o Brizola. Então temos procurado democraticamente consolidar o partido em alguns Estados, acho que no Rio Grande do Sul tem uma vida partidária muito interessante. Tanto é verdade que mesmo após o falecimento do Brizola, nós não reduzimos o nosso tamanho, nós continuamos com basicamente o mesmo número de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores. Nesta eleição elegemos um deputado estadual a mais do que tínhamos, de sete para oito, mantivemos o mesmo número de deputados federais, mas em outros Estados a gente percebe que o PDT está apequinando, está em alguns casos definhando. Eu diria que nós estamos em um processo de transição. Não está resolvido o problema com a ausência do Brizola, mas estamos num processo de transição que eu acredito que possamos retomar o caminho agora, um novo caminho daqui para frente.

Falamos aqui sobre renovação no governo federal. Não falta também uma renovação na direção nacional do PDT?
Esta é uma discussão permanente. Eu acho que o [Carlos] Lupi é um grande presidente, ele é também muito cioso, mas quando fala-se em direção, obviamente não se fala somente do presidente, fala-se da sua composição da Executiva. Eu acho que esse é um grande embate que o PDT fará o ano de 2015 para se revitalizar.

Quando é a escolha da nova direção nacional?
No final de 2015.

Daí o sr. acredita que haverá um movimento pela renovação?
Não sei, honestamente é um tema que nós não temos tratado ainda. Como a gente saiu apenas do processo eleitoral, estamos muito voltados para a questão eleitoral, a questão partidária ficou secundarizada.

O sr. imagina o PDT em 2018 tendo candidato a presidente da República?
É uma possibilidade. Já tivemos Cristóvão, quando começamos a discutir em 2014 o apoio ou não à presidenta Dilma surgiu uma tese, defendida por Cristóvão Buarque, Pedro Taques, figuras ilustres do partido, de que o partido deveria ter candidatura própria. Esse foi um embate que foi sendo construído ao longo do tempo e aí surgiu a seguinte indagação. Quem seria o candidato? Como o Cristóvão imediatamente puxou o freio dele de mão, muito mais por uma falta de opção naquele momento é que a discussão acabou não sendo levada adiante. Eu acredito que esse debate voltará ao PDT.

José Fortunati, prefeito de Porto Alegre, presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, muito obrigado por sua entrevista ao portal UOL. Foi um grande prazer, enorme satisfação, Fernando, parabéns pelo seu trabalho, uma grande oportunidade.
Muito obrigado.