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Brasil tem "tortura crônica" e sistema prisional devastado, diz HRW

Victor Soares/Leia Já Imagens/Estadão Conteúdo
Imagem: Victor Soares/Leia Já Imagens/Estadão Conteúdo

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

29/01/2015 06h00

Organização internacional que defende a proteção dos direitos humanos e tem representantes em várias partes do mundo, a Human Rights Watch (HRW) divulga nesta quinta-feira (29), em seu relatório anual, que a tortura “permanece sendo um problema crônico” no Brasil, e que as condições desumanas no sistema carcerário e a impunidade para policiais que matam sem justificativa são desafios ainda não vencidos pelo país.

“Embora autoridades estaduais e federais tenham dado passos significativos voltados a conferir maior proteção dos direitos fundamentais, os abusos que documentamos em 2014 mostram que muito mais precisa ser feito”, diz Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil.

Na 25ª edição de seu relatório anual, a ONG analisa os avanços e retrocessos em 90 países, no decorrer do último ano, na proteção dos direitos humanos.

No caso do Brasil, embora tenha se tornado, nos últimos anos, “uma voz cada vez mais importante nos debates sobre as respostas internacionais a problemas de direitos humanos”, falta “fazer mais” no cenário doméstico, diz a HRW.

“O país continua a enfrentar sérios desafios relacionados aos direitos humanos, incluindo o uso de tortura e maus-tratos, execuções extrajudiciais cometidas por policiais, superlotação das prisões e impunidade para abusos cometidos durante o regime militar do país (1964-1985)”, afirma o documento.

Condições das prisões, tortura e maus-tratos a presos

A HRW indica que o sistema prisional do país abriga 37% mais presos do que sua capacidade: a população carcerária atual é superior a 500 mil pessoas, número que teve aumento de 45% entre os anos de 2006 e 2013, “e muitas de suas instalações estão devastadas pela violência”.

A tortura é considerada um problema crônico nas delegacias de polícia e nos centros de detenção. Entre janeiro de 2012 e junho de 2014, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 5.431 denúncias de tortura e tratamento cruel, desumano ou degradante em todo o país. Desse total, segundo o relatório da HRW, 84% se referiam a abusos cometidos dentro de presídios, cadeias públicas, delegacias de polícia, delegacias que funcionam como unidades prisionais e unidades de medidas socioeducativas.

São considerados raros os casos de agentes de segurança pública ou da administração penitenciária que são levados à Justiça após cometerem abusos contra presos. Uma “notável exceção”, na avaliação da ONG, foi a condenação de 73 PMs em São Paulo, por júri popular, entre 2013 e 2014, pelas mortes de 111 presos no incidente conhecido como massacre do Carandiru, em outubro de 1992.

Segurança pública e conduta policial

Confrontos violentos entre manifestantes e policiais em 2013, nos protestos de rua realizados em várias regiões do país, e o aumento de mortes provocadas por intervenções da polícia têm destaque no relatório.

“Nos últimos anos, os governos de São Paulo e Rio de Janeiro adotaram medidas para melhorar o desempenho das polícias e diminuir os abusos, mas falsos registros policiais e outras formas de acobertamento persistem.”

Embora a ONG reconheça o empenho por parte de ambos os governos estaduais, seu relatório afirma que isso não evitou um crescimento drástico, em 2014, de mortes provocadas pelo uso indevido da força letal por parte da polícia: houve 97% de aumento em São Paulo e de 40% no Rio de Janeiro, em comparação a 2013.

De acordo com dados compilados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública e que fazem parte do relatório, em todo o país, mais de 2.200 pessoas foram mortas em operações policiais em 2014.

A frequente impunidade a policiais que matam ilegitimamente ainda ocorre porque existem, para a HRW, “falhas na preservação de evidências forenses fundamentais e falta de profissionais e recursos para que o Ministério Público possa cumprir sua tarefa constitucional de exercer o controle externo da polícia”.

Em São Paulo, a HRW considera positiva, como medida de combate à criminalidade policial, a determinação de que policiais não façam a remoção dos corpos de vítimas resultantes de confrontos. No Rio, o exemplo é a compensação financeira a 2.900 policiais e outros servidores públicos que alcançaram metas de redução de criminalidade, inclusive em número de mortos em ações policiais.

Outras ações positivas

São vistas com bons olhos pela ONG uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com as medidas a serem tomadas por juízes em possíveis casos de tortura e a seleção de uma equipe de peritos que visitarão locais de privação de liberdade civis e militares em todo o país.

Apesar de ter preparado seu relatório antes da conclusão dos trabalhos da Comissão da Verdade, que investigou crimes cometidos durante a ditadura, a HRW defende que a divulgação final do que foi apurado representa “um marco histórico para o Brasil, oferecendo um relato oficial há muito aguardado sobre os abusos cometidos pela ditadura militar”.

O relatório é extenso, tem 656 páginas, e ainda trata, entre outros itens, da liberdade de expressão e na internet, com destaque para a aprovação do Marco Civil, em abril de 2014.

Também são citadas medidas voltadas para a preservação dos direitos trabalhistas. Segundo dados oficiais, desde 1995, 46 mil trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão, mas, somente em 2013, a Comissão Pastoral da Terra, ligada à Igreja Católica, recebeu denúncias de que 3.600 pessoas foram vítimas de trabalho forçado.

“A responsabilização criminal para os empregadores que recorrem a essa prática continua sendo relativamente rara”, diz a HRW.

De acordo com informações também da Pastoral da Terra, em 2013, 34 pessoas envolvidas em conflitos de terra foram mortas e 15 foram vítimas de tentativa de homicídio.

Em 2014, até o mês de agosto, a Pastoral já tinha registrado 23 mortes em conflitos de terra. Cerca de 2.500 ativistas receberam ameaças de morte na última década.