Ciclistas pedalam contra "modelo retrógrado" após veto a ciclovias em SP
Retrocesso, “carrocentrista”, defesa de modelo falido: é assim que ciclistas classificam o pedido de paralisação das obras de ciclovias na cidade de São Paulo feita pelo Ministério Público e aceita parcialmente pela Justiça. Como reação à decisão, uma bicicletada convocada para esta sexta-feira (27) pelo Facebook já conta com mais de 7.000 presenças confirmadas na capital paulista e apoio em dezenas de cidades do Brasil e do mundo.
A maior crítica dos ciclistas recai sobre os argumentos usados pela promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo Camila Mansour Magalhães da Silveira, do Ministério Público de São Paulo. Segundo eles, ela não os ouviu e teria cometido equívocos ao embasar seu pedido de veto às novas vias para bicicletas argumentando não terem sido realizados estudos e consulta à população.
“Contabilizamos 170 reuniões públicas em que se discutiu mobilidade com participação de ciclistas entre 2013 e 2014. E [o MP] diz que não houve participação”, diz Gabriel Di Pierro, 35, diretor-geral da Ciclocidade, ONG que defende direitos de ciclistas.
“Há arbitrariedade na ação do Ministério Público”, opina Yuri Vasquez, 27, historiador e pesquisador sobre bicicletadas. Ele explica que grupos criados para discutir a mobilidade em São Paulo trabalham há anos para fomentar o uso da bicicleta na cidade.
Também há a opinião de que o MP não questionou apenas o modo como as ciclovias foram construídas, mas, sim, a política para bicicletas como um todo. "A política cicloviária em São Paulo foi feita de baixo para cima, está respondendo a um anseio da população. Mas há quem queira resolver de cima para baixo, colocando tudo num mesmo balaio", diz Di Pierro.
Quanto aos defeitos nas vias, também apontados pelo MP, Vasquez é categórico: “Sou mais pedalar em ciclovia com buraco do que na rua com buraco”. Já para o músico Pedro Bruschi, 27, problemas como buracos e falhas de sinalização “têm uma resolução fácil, de baixo custo e impacto, e não devem ser resolvidos com retrocesso na política [de ciclovias]”.
"Os ciclistas estão dizendo que são favoráveis às ciclovias e que elas os protegem", diz Di Pierro. A questão do risco à vida dos ciclistas surge entre suas preocupações. "Se amanhã morrer alguém, após a paralisação das obras das ciclovias, o MP e a Justiça deverão ser responsabilizados por essa inversão de valores e prioridades.”
Com o protesto, além de se colocarem contra o veto às ciclovias, os ativistas pretendem defender os benefícios trazidos pelo uso da bicicleta. Para eles, a bicicleta é importante não só como meio de transporte, mas também para proporcionar saúde e segurança à população, por meio do exercício e da ocupação das vias públicas.
"Retrógrado, falido, é o modelo baseado apenas no carro ou no transporte público, sem outros modais. Deve ser usado o transporte motorizado, mas há necessidade de diversificar", diz o diretor da Ciclocidade.
Além do protesto desta sexta, coletivos e grupos de ativistas protocolaram na Corregedoria do Ministério Público Estadual uma representação contra a promotora, alegando que ela "atenta contra a vida dos ciclistas" ao pedir a paralisação de obras de implementação de ciclovias em São Paulo, feitas pela Prefeitura de São Paulo.
Procurada pelo UOL, a assessoria do Ministério Público de São Paulo disse que a promotora Camila Mansour não daria entrevista.
Se você tem informações sobre as bicicletadas de protesto desta sexta-feira (27), envie para o UOL o seu relato em texto, foto ou vídeo via Whatsapp (11) 97500-1925.
Massa Crítica
Os cicloativistas de São Paulo não estão sozinhos. A bicicletada desta sexta integra um movimento maior, chamado Massa Crítica, que teve origem em San Francisco, nos EUA, em 1992. Em São Paulo, é realizada desde o início dos anos 2000. As pedaladas, que ocorrem simultaneamente em diversas cidades todas as últimas sextas-feiras do mês, desta vez terão tom de protesto e apoio à questão paulistana. Os eventos em São Paulo e em outras cidades do Brasil e do mundo podem ser conferidos aqui e aqui.
Pedro Bruschi foi um dos que enviou mensagens para comunidades de ciclistas e pedaladas de outras cidades do Brasil e do mundo pedindo manifestação de solidariedade. “Tivemos muitas respostas, tem até um blogueiro de Munique querendo fazer uma matéria cobrindo o evento com outros jornalistas pelo mundo”, conta.
O músico é exemplo de adesões que o protesto está tendo entre quem não é frequentador assíduo das pedaladas às sextas. “Já participei anos atrás, mas faz bastante tempo. Fiquei sensibilizado, entrei para ajudar na divulgação”, diz.
O organizador do evento do Facebook, Henrique Espirito Santo, tem apenas 14 anos. “Costumo ser o mais novo da pedalada”, conta ele, explicando que participa da Massa Crítica há mais de um ano. Sua iniciativa de criar o evento conclamando pessoas para a pedalada ilustra o caráter horizontal e sem lideranças do movimento frequentemente propalado pelos participantes.
Segundo Yuri Vasquez, que pesquisa as pedalas, elas “têm o intuito de disseminar a cultura da bicicleta e tornar visível o que é invisível na cidade: o ciclista urbano”. Em 2011, após 150 ciclistas serem atropelados em bicicletada de Porto Alegre, também houve manifestação internacional de apoio ao Brasil.
Para Di Pierro, é fácil para ciclistas de todo o mundo e do Brasil entenderem o que acontece em São Paulo. “É sabido que, quando se investe em bicicleta, há setores da cidade que tentam barrar. Há interesses econômicos maiores que o interesse em mudança dos modais", diz.
Os ciclistas mostram-se animados com o evento desta sexta. "Será provavelmente a maior bicicleta já realizada em São Paulo”, afirma Di Pierro. No espírito de pluralidade do movimento, diversas palavras de ordem surgem em suas falas. “O mote do ato será “#vaiterciclovia”, diz o ativista. Já Bruschi prepara sua última ação de apoio. “Estou pensando em levar frase ‘diga não à violência verbal’, pois a manifestação não precisa de xingamentos.”
Resumindo toda a motivação dos cicloativistas, o organizador do movimento da vez deixa seu recado: “A bicicleta é o veículo do futuro que já chegou. Vamos cantar: ‘Cidade com mais amor e menos motor’”.
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