Espera por assentamento dura até duas décadas e cria nova geração sem-terra
No acampamento Santa Cruz, na zona rural de Murici (50 km de Maceió), as terras são férteis e a produção de feijão, mandioca, cana de açúcar e frutas é farta. Na vila onde moram os cerca de 70 camponeses, há igreja, casa de farinha e uma pequena escola que funciona em uma casa de taipa.
Tem sido assim há 19 anos, quando os camponeses começaram a ocupar a área da fazenda Bota Velha, fruto da falência de uma usina no município. Mas, passadas quase duas décadas, a regularização da terra ainda é um sonho dos camponeses, o que fez surgir uma nova geração de sem-terra.
A luta dos acampados começou em 1996, quando o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fez uma primeira vistoria e considerou a área produtiva. Começava ali uma luta dos camponeses pela criação dos assentamentos.
“Não falta nada para minha vida, só a garantia do pedaço de chão. Tenho muito medo de nos tirarem daqui. Já chegaram a nos ameaçar muito disso”, afirma Maria Divalice dos Santos, 58, que vive no local há quase duas décadas.
Benedito de Lima, 55, coordenador do acampamento Santa Cruz, diz que no espaço de 30 hectares vivem 22 famílias. Durante anos, foram muitas as ameaças de despejo, mas hoje eles se sentem mais tranquilos, após acordo firmado na Vara Agrária que garantiu o usufruto do local à espera do assentamento.
Mas a luta social é intensa. No local não há água encanada nem esgoto, e as roupas e louças são lavadas em um barreiro próximo. Por conta da mudança de governo em Alagoas, não há aulas na escola --o convênio que garantia o único professor para ensino de jovens e adultos não foi renovado. “Estamos esperando assinar. Isso deve ser feito nos próximos dias”, afirma, na esperança de voltar à sala de aula.
Nova geração sem-terra
A 5 km do local, outro acampamento é fruto de resistência há 18 anos: o acampamento Mumbuca, herança também de uma falida usina. A demora fez surgir uma nova geração sem-terra.
Neislane Barbosa, 23, chegou ao acampamento ainda criança na esperança de sua família em ter um local para produzir. Cresceu ouvindo e vendo histórias de luta pela regularização da terra. Agora, se tornou mãe de crianças de um e três anos e passou a ter o mesmo temor do pai: morrer sem deixar a posse da terra para os herdeiros.
“É um sonho ter a posse da terra. Espero não ver meus filhos passarem pela situação que passei, de crescer vendo a incerteza, o sofrimento à espera da reforma agrária”, disse.
O acampamento Mumbuca é considerado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) um modelo de produção. Na área de 296 hectares vivem 40 famílias, que produzem diversas culturas, como laranja, coco, banana e pera. Cada família tem direito a 5,5 hectares para plantações.
No local, as áreas já existentes foram adaptadas. O coordenador do loca, Severino Bernardo da Silva, 61, explica a escola foi feita na casa antiga do então posseiro.
Mas a espera pela posse da terra causa sofrimento aos camponeses e os leva a adoecer. “Já tivemos 13 mortes de pessoas que estavam aqui à espera da terra. Muitos adoecem de desgosto, com esse medo constante de sair daqui”, contou.
Uma das mortes foi do marido de Marluce Félix dos Santos, 60. “Ele teve um linfoma. O último pedido que fez foi para que nós [da família] não deixássemos a terra nunca”, disse.
“O meu marido morreu há 12 anos e se foi dizendo que não realizou o sonho dele, que era deixar a posse da terra para os filhos”, completou Maria de Lourdes da Conceição, 63, que também é viúva e mora no local.
Burocracia
Segundo o Incra em Alagoas, a criação de assentamentos esbarra em questões legais. Em suas primeiras análises, em 1996 e 1997, os acampamentos Santa Cruz e Mumbuca foram considerados produtivos, o que impediu a realização da reforma agrária. Mesmo assim, o Incra reconhece a produção atual nas áreas e assegura que tenta obter as terras para garantir a reforma agrária.
No caso do acampamento Santa Cruz, o Incra diz que a área é considerada “emblemática” e há várias iniciativas para aquisição.
Para tentar desapropriar a terra com os arrendatários da Usina Santa Clotilde, o Incra afirma que tentou usar a Lei 4.132 –de desapropriação por interesse público. “No entanto, considerando uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que determina a não utilização da referida lei para aquisição de imóveis para a reforma agrária, as tratativas foram suspensas. Atualmente, o Incra persegue, juridicamente, a superação dessa proibição”, explicou.
Já no caso do Mumbuca, o Incra alega que várias pessoas se apresentam como proprietário ou posseiro. “Sem a definição de domínio, o Incra é proibido por lei de adquirir qualquer imóvel”, explica, completando:
“Hoje, a Caixa tem a garantia de penhora, já decorrente de disputas judiciais com supostos proprietários. No entanto, no cartório, a situação do imóvel continua indefinida – e isso independe do Incra.”
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