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No Brasil, abrigos antiaéreos da 2ª Guerra viram salão de festas e depósito

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

09/05/2015 06h00

Os diversos abrigos antiaéreos construídos no Brasil na primeira metade da década de 1940 viraram garagens, salão de festas, refeitórios, quartos de despejo e até depósito de lixo.

Dez dias após declarar guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e o Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial, o presidente Getúlio Vargas assinava o decreto 4.098, que, entre outras providências para o conflito, determinava que os edifícios com mais de cinco andares e prédios instalados em estabelecimentos de diversões ou que ocupassem área superior a 1.200 metros quadrados tivessem abrigos antiaéreos (estruturas para proteção da população civil em caso de bombardeio pelo ar).

Anúncios em jornais da época davam amplo destaque à informação da existência do abrigo nos lançamentos residenciais: "edifício dotado de abrigo antiaéreo".

"Pode ser que os tempos mudem e, em vez de pardais, singrem os ares belo-horizontinos as máquinas terríficas da morte. Então os moradores do edifício Tupynambás estarão a salvo de qualquer perigo", afirmou o proprietário do prédio situado no centro de Belo Horizonte, Antônio Seabra, durante sua inauguração em 1943.

Hoje, o subsolo do edifício Tupynambás, três metros abaixo da portaria, com ventilação e comunicação exterior, está abandonado. Funciona como quarto de despejo. As paredes estão mofadas e o lodo ocupa o piso.

"Aquele decreto foi de uma burrice danada do Getúlio [Vargas]. Se os prédios fossem bombardeados, as pessoas ficariam presas sob os escombros, que fechariam as passagens", diz o comerciante aposentado Aurelino Fernandes Machado, 88, morador do bloco A do edifício Moema, na Praia de Icaraí, Niterói (RJ), desde 1946.

O edifício Moema ainda possui os blocos B e C, todos independentes. Entretanto, como esses blocos ficaram prontos após a guerra, em 1946, somente o bloco A tem abrigo antiaéreo. À época, lembra Machado, as construções de prédios residenciais duravam até cinco, seis anos, para serem concluídas.

Com 300 metros quadrados, três metros abaixo do térreo do bloco A e com acesso pela portaria, o abrigo antiaéreo do Moema é utilizado como bicicletário, dependência de empregados do condomínio, com quarto, cozinha e banheiros, e casa de força.

Abrigo projetado por Jacques Pilon

Nos 100 metros quadrados do abrigo antiaéreo do edifício São Luiz, na praça da República, zona central de São Paulo, foram instaladas uma caixa de água, um aquecedor central e um quarto de despejo. Antes, o local foi depósito de lixo. Uma escada, a partir da portaria, dá acesso ao subsolo. 

O corretor de valores Luiz Carlos Sansone, síndico do São Luiz, explica que o prédio é tombado pelo patrimônio histórico, a exemplo de toda a região da praça da República, o que impede que sejam feitas modificações no edifício, inclusive em sua estrutura. "Claro que poderíamos pensar em construir uma garagem. Mas isso não existe, toda a região [praça da República] é tombada", diz Sansone.

O edifício São Luiz, projeto do arquiteto Jacques Pilon (1905-1962), na esquina da avenida São Luís com a avenida Ipiranga, foi construído em estilo neoclássico.

Abrigo desconhecido

Segundo porteiros, a síndica do edifício Largo do Arouche nunca citou nada a respeito da existência de um abrigo antiaéreo no prédio, no largo de mesmo nome, no centro de São Paulo. Ela não atendeu à reportagem do UOL, mas o porteiro de plantão informou que o "subsolo", com acesso pela portaria, e três metros abaixo do térreo do edifício, está fechado e guarda despejos dos moradores, como material de construção, móveis antigos, bicicletas e carrinhos de bebê: "Os moradores guardam tudo o que não utilizam mais no porão".

Construído pela companhia Mendes Figueiredo, um anúncio do edifício nas páginas do jornal "O Estado de S. Paulo", de 15 de junho de 1944, coloca o abrigo antiaéreo como principal atrativo para a aquisição de um apartamento no prédio.

No edifício Gáudio, prédio mais antigo de São Vicente (a 70 km da capital), litoral paulista, o abrigo antiaéreo é utilizado como salão de festas pelo restaurante que funciona no térreo.

Segundo o proprietário do restaurante Gáudio, Carlos Manuel Pedro Lopes, o antigo abrigo antiaéreo comporta cerca de 60 pessoas nos diversos eventos, festas de casamento e debutantes, entre outras, que são realizados no local.

"Antes, o salão funcionava como depósito de bebidas, mas resolvemos transformá-lo em um local para festas e recepções", diz Lopes. 

Os 900 metros quadrados do abrigo antiaéreo do edifício Acaiaca, na avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte, com iluminação e ventilação natural, permitiram ao condomínio transformar o local em dependências para os empregados, com quarto, refeitório e banheiros, sala para guarda de material de limpeza, além de depósito de lixo.

"Mas o lixo não fica parado lá. É para carga e descarga", diz o advogado Estevão Brina, presidente do Conselho de Administração do edifício Acaiaca. Ele explica que, como o prédio é tombado pelo patrimônio histórico, não podem ser realizadas modificações no prédio. "Nem nesse 'porão' podemos mexer", afirma Brina.

Construído em formas geométricas, pontiagudas e angulares, o edifício Acaiaca foi inaugurado em 1943 e tem 30 andares.