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Personagens de onda de protestos de 2013 respondem a processos judiciais

Sininho e outros 22 ativistas respondem por formação quadrilha em ação judicial no RJ - Severino Silva/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Sininho e outros 22 ativistas respondem por formação quadrilha em ação judicial no RJ Imagem: Severino Silva/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

Flávio Costa e Fabiana Maranhão

Do UOL, em São Paulo

08/01/2016 12h00Atualizada em 08/01/2016 15h04

Personagens das manifestações contra reajustes das passagens do transporte público, que provocaram uma intensa mobilização pelo país em 2013, ainda respondem a processos judiciais, mais de dois anos depois. As acusações incluem danos ao patrimônio, formação de quadrilha, além da tentativa de homicídio de um coronel da Polícia Militar de São Paulo.

Um dos casos mais notórios é o da ativista Elisa Quadros, a Sininho, que ficou célebre nos protestos realizados no Rio de Janeiro. O Ministério Público do Estado a denunciou, juntamente com outras 22 pessoas, pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção de menores por suspeita de promover atos violentos nas manifestações realizadas entre junho de 2013 e julho de 2014 na cidade. Sininho chegou a ficar uma semana presa, antes de ser libertada por conta de um habeas corpus.

Em agosto de 2015, após prestar depoimento na 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, onde tramita o processo, Sininho disse à imprensa que "com a ajuda de fofocas, me transformaram em uma liderança quase terrorista." Em sua última postagem em seu perfil na rede social Facebook, na quarta-feira (6), ela escreveu: "Aos que desejam amor, muito amor... Aos que gostam de ódio, que fiquem com ele".

O advogado de Sininho, Marino D'Icarahy, afirma que a ação judicial é absurda e repleta de irregularidades técnicas. "Este processo é anômalo, um verdadeiro 'Frankenstein'. É um processo político, uma tentativa de criminalizar os protestos e os ativistas."

Ele prevê que a decisão do juiz Flávio Itabaiana seja conhecida ainda neste mês de janeiro. "É melhor que a decisão saia logo, seja ela qual for. Na segunda instância, ficará ainda mais evidente o quão absurdo é esta ação judicial."

Ex-diretora da Faculdade de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Ivana Bentes se notabilizou em 2013 pela sua defesa dos atos dos manifestantes. Atual secretária de Cidadania e Diversidade do Cultural do Ministério da Cultura afirma que "a luta contra o aumento das tarifas de ônibus é um movimento legítimo e justo e não deveria ser criminalizada". 

Para a pesquisadora na área de comunicação e cultura, a discussão sobre o valor das tarifas de transporte coletivo "é uma questão estruturante hoje para a vida das cidades e para o acesso à cultura". Ivana afirma que as pautas das manifestações de 2013 continuam atuais. "Essas pautas estão todas aí e podem retornar em um contexto diferente, com outros atores e participantes. O Estado tem que respeitar a democracia das ruas", disse.

Jornalista agredido e preso

Jornalista - Diogo MoreiraA/Frame/Estadão Conteúdo - Diogo MoreiraA/Frame/Estadão Conteúdo
O jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, 29, responde na Justiça por dano ao patrimônio
Imagem: Diogo MoreiraA/Frame/Estadão Conteúdo

Jornalista do Portal Aprendiz, site parceiro do UOL, Pedro Ribeiro Nogueira fazia a cobertura de um protesto contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo, em 11 de junho de 2013, quando foi agredido e detido por policiais militares. À época, um vídeo divulgado nas redes sociais mostrou o momento da agressão.

Ele foi autuado por formação de quadrilha e dano qualificado ao patrimônio, chegou a ficar três dias preso, mas foi libertado após pagamento de fiança. Dois anos e meio depois, ele conseguiu se livrar da acusação de formação de quadrilha, mas ainda responde por dano ao patrimônio.

"Anos depois e isso ainda não foi resolvido. Eu só fui punido nesse processo todo", disse o jornalista. Ele contou que ficou afastado durante um tempo da cobertura de protestos, mas acabou voltando. "Costumo ir, mas acabo saindo rápido. Fico com medo do que pode acontecer."

Nogueira pretende estar na manifestação marcada para esta sexta-feira (8), na capital paulista, contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trem. "Com as dores e o medo, eu consigo lidar. O que incomoda é ter a cabeça sob o martelo da Justiça. Tenho medo de ser condenado por uma coisa que eu nunca fiz".

Garçom processado

Pierre Ramon - Fabio Braga/Folhapress e Jorge Araujo/Folhapress - Fabio Braga/Folhapress e Jorge Araujo/Folhapress
O garçom Pierre Ramon, 22, protagonizou, em cadeia nacional, cenas de depredação do edifício da Prefeitura de São Paulo
Imagem: Fabio Braga/Folhapress e Jorge Araujo/Folhapress

Quem também responde por dano ao patrimônio é o jovem Pierre Ramon, então estudante de arquitetura, que ficou conhecido nacionalmente depois de ser filmado atirando pedras e investindo contra a grade metálica da sede da Prefeitura de São Paulo. À época, ele afirmou que estava arrependido do que tinha feito.

A prefeitura pede na Justiça que Pierre indenize o município por dano material. O valor da ação é de R$ 200 mil. O processo, que tramita na 8ª Vara de Fazenda Pública da capital, está parado desde maio de 2015, de acordo com informação do site do Tribunal de Justiça de São Paulo. O UOL não conseguiu localizar Pierre Ramon. A reportagem também ligou para os escritórios de seus dois advogados, mas ninguém atendeu as ligações.

Estudante responde por tentativa de homicídio

Outro caso célebre dos protestos de 2013, foi o da agressão ao coronel da Polícia Militar de São Paulo Reynaldo Simões Rossi. Em 25 de outubro de 2013, em meio à ocupação do terminal Parque D. Pedro 2º, no centro de São Paulo, o coronel Rossi foi cercado, espancado e acabou perdendo a arma e o rádio. 

À época, o coronel era chefe do Comando de Policiamento de Área Metropolitana 1. Atualmente, ele é diretor de Ensino e Cultura da PM paulista. Um dos acusados de espancá-lo é o estudante Paulo Henrique Santiago dos Santos, que responde por tentativa de homicídio em processo que tramita na 1ª Vara do Júri de São Paulo.

Em 16 de novembro de 2015, a juíza Débora Faitarone chegou a decretar que Paulo se encontra em situação de revelia (quando o réu não se apresenta ou manifesta sua defesa)."Isso já foi corrigido no processo, cuja audiência de instrução está marcada para o próximo dia 9 de maio", afirma a advogada Andréa Maria Sammartino. "No decorrer do processo está sendo provado que Paulo Henrique não participou da agressão ao coronel. Ele estava no local apenas como manifestante. Estamos confiante de que ele será inocentado".

Lei de Segurança Nacional

A manifestante Luana Bernardo Lopes chegou a ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional, pouco usada desde o fim do regime militar, por suposta depredação de um carro da Polícia Civil, durante um protesto em outubro de 2013. Ela foi presa em flagrante junto com seu namorado, o pintor Humberto Caporelli, na esquina das avenidas Ipiranga e São João, no centro da capital.

"O inquérito ainda tramita na delegacia que registrou a ocorrência, mas o Ministério Público já retirou as acusações com base na Lei de Segurança Nacional, e hoje ela está sendo investigada apenas por pichação", disse o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, que atuou na defesa de réus de casos como o mensalão e a Lava Jato.