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3 anos após tragédia da Kiss, maioria das famílias não recebeu indenização

Protesto em 2014 pedia justiça às vítimas do incêndio na boate Kiss em Santa Maria (RS) - Juliano Mendes - 27.jan.2014/UOL
Protesto em 2014 pedia justiça às vítimas do incêndio na boate Kiss em Santa Maria (RS) Imagem: Juliano Mendes - 27.jan.2014/UOL

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

27/01/2016 06h00

A tragédia da boate Kiss, que vitimou fatalmente 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas em Santa Maria (RS), completa três anos nesta quarta-feira (27). Até agora, a imensa maioria dos sobreviventes – muitos deles com graves sequelas físicas e psicológicas – e de pais e familiares dos mortos não recebeu nenhum tipo de indenização.

Há um processo na esfera cível em andamento, mas ainda deve demorar para ser concluído. E, quando isso ocorrer, a reparação financeira para quem teve a família lapidada ou desenvolveu severos problemas de saúde deve ficar muito aquém de suas necessidades. “Que ninguém espere resolver a vida com o valor da indenização. Ele não será o ideal, infelizmente”, afirma a defensora pública de Santa Maria, Tamara Flores Agostini.

Tamara representa os familiares e sobreviventes da tragédia em uma ação indenizatória movida em 2013 contra o Estado do Rio Grande do Sul, o município de Santa Maria e os proprietários da boate. Ela explica que, apesar da aparente morosidade da Justiça, o processo – imenso, devido ao enorme número de vítimas – está andando a uma velocidade superior ao usual, embora esteja momentaneamente interrompido.

A ação que pede indenização por dano moral, material e estético, e engloba sobreviventes e familiares dos mortos, está aguardando a realização de uma perícia contábil dentro de outra ação. Trata-se de uma cautelar para a indisponibilidade dos bens dos sócios. Esta foi aberta três dias após o incêndio com o objetivo de impedir que os donos da boate se desfizessem de seus bens.

“Isso para garantir o pagamento das indenizações quando a Justiça determinar. Já foi penhorado cerca de R$ 1 milhão em dinheiro, além de carros e imóveis. Mas grande parte do valor em espécie já foi levantado por credores em ações trabalhistas datadas de antes e depois da Kiss”, diz Tamara.

A perícia que tranca o andamento do processo foi requisitada pelos réus para determinar quem, de fato, era dono da boate – manobra que retarda qualquer movimento. Até sua realização, o processo fica em espera.

Pedidos individuais de indenização somam R$ 220 mil

Há alguns poucos pedidos de indenização já deferidos pela Justiça. Eles, entretanto, foram feitos de forma individual (cada autor custeando seu advogado). Em setembro do ano passado, a Justiça gaúcha concedeu seis indenizações a sobreviventes e familiares de vítimas da tragédia. As compensações beneficiaram oito pessoas e somaram cerca de R$ 220 mil.

Os processos foram julgados pela juíza Eloisa Helena Hernandez de Hernandez, da 1ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública, de Santa Maria, e tinham como réus comuns a Santo Entretenimentos (razão social da boate Kiss), o Estado do Rio Grande do Sul e o município de Santa Maria.

Seis sobreviventes que moveram as ações receberam indenizações individuais de R$ 20 mil da Santo Entretenimento. Já José Diamantino Fricks e Rosane Portella Fricks, pais de Bruno Portella Fricks, uma das vítimas da tragédia, devem receber R$ 50 mil cada.

A quantidade de ações isoladas pedindo reparação é incerta. A reportagem do UOL solicitou ao TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) informações os pedidos de reparação. “Não temos como precisar esse tipo de informação. São muitos pedidos de indenização, com diferentes réus e tramitação própria, e seria temerário dizer um número sequer aproximado”, respondeu o órgão.

“O que a gente menos ouve falar é em indenizações. E muitas famílias não entraram com essas ações individuais. Na época a defensoria entrou com um pedido coletivo. Depois concluíram que cada um deveria solicitar com seu próprio advogado, porque cada caso é um caso”, comenta o presidente da AVTSM (Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria), Sérgio Silva.

O que parece é que as mazelas da Justiça fazem com que familiares e sobreviventes se percam dentro dos ritos. O "juridiquês" mais confunde que ajuda. “Essa ação não vai terminar em 2016. Creio que, em primeiro grau, deva encerrar em 2017. Mas ainda há os recursos”, estima Tamara.

Até lá, jovens sobreviventes que estão impedidos de trabalhar, famílias inteiras que perderam seus mantenedores e familiares que tiveram de uma forma tremendamente dolorosa seus entes queridos arrancados de suas vidas vivem na incerteza de uma reparação.