Açude do sertão passa a abastecer Fortaleza e abre 'guerra' pela água no Ceará
A grave escassez de água que afeta o Ceará iniciou uma disputa entre Fortaleza e praticamente o restante do Estado. O motivo é a recente autorização para retirada de água do açude com o maior volume do sertão cearense para abastecer a região metropolitana da capital, que enfrenta um período seco se precedentes, segundo o governo do Estado.
O Ceará enfrenta o período mais seco dos últimos 50 anos, de acordo com a ANA (Agência Nacional de Águas), e está em uma situação dramática - desde 2012 o nível dos principais reservatórios praticamente só diminui. Segundo a Cogerh (Companhia de Gestão de Recursos Hídricos), quase todos estão com apenas 11,5% da capacidade total acumulada de água. Alguns estão com menos de 10%.
Ameaçado por um racionamento inédito, o Estado discute há meses soluções para a escassez de água do açude do Castanhão, responsável pelo abastecimento de Fortaleza e região metropolitana --onde vivem 4 milhões de pessoas. O açude está com 7,8% de sua capacidade. Sem novas fontes de captação de água, o local não teria como manter o abastecimento da região até o fim do ano.
O açude de Orós, no município de mesmo nome no sertão cearense, foi apontado como a solução por ser o que mais tem mais água armazenada no Estado.
Mesmo com a resistência de muitas prefeituras e especialistas, um encontro de comitês autorizou, no último dia 20, que o Orós forneça 4 m³/s de água até setembro para a capital, saltando então 16 m³/s até janeiro de 2017.
A transposição por meio de canais começou a ser adotada no dia 21. Quando passar esse período de retirada, a estimativa é que o açude fique com apenas 9% de sua capacidade, o que causaria problemas aos moradores do entorno do açude. O Comitê do Alto do Jaguaribe, a Prefeitura de Orós e grupos de apoio a pescadores são contra a medida.
Prejuízos
O açude de Orós tem capacidade para 1,94 bilhão de m³ de água (cada m³ equivale a 1.000 litros) e está com 32,4% do total. Já o Castanhão tem 6,7 bilhões de m³/s de capacidade, mas está com apenas 7,8% --o menor nível desde que foi inaugurado, em 2002.
Segundo o presidente do Comitê da Sub-Bacia Hidrográfica do Alto Jaguaribe, Antonio Cezar Cristóvão, a decisão de retirar a água do Orós ignorou os prejuízos que seriam causados à população e produtores que dependem da água do açude.
“Hoje o Orós é a caixa d'água que está abastecendo a região metropolitana, mas não foi feita nenhuma análise das comunidades das bacias, que será prejudicada em sua pesca, com pequenos agricultores nas áreas de irrigação e, principalmente, do abastecimento dos municípios que dependem de carros-pipa retirado água de Orós”, disse Cristóvão.
Segundo ele, 15 municípios em nível crítico de seca depende da água de Orós, por meios de carros-pipa que abastecem do local. O presidente do comitê diz que vai lutar para, pelo menos, reverter a decisão que ampliará a vazão do açude em setembro.
“Vamos preparar uma moção para entregar no fórum que teremos nos 25 e 26 de agosto. Vamos tentar, de todo jeito, reverter isso. Ou que haja pelo menos uma compensação do Estado relativa a essa retirada, que hoje não há. Agora é só tirando água, sem compensar nada”, disse. Por enquanto, não existe uma iniciativa, política ou judicial, para reverter a decisão do governo estadual.
O professor de piscicultura e integrante do comitê, Paulo Landim, afirma que a redução de nível trará enorme prejuízo a pescadores. “Desde 2005 temos vários produtores de tilápia [espécie de peixe] em tanques-rede. Com a retirada da água, eles vão ficar sem condições de produzir, pois o volume vai ficar muito baixo, tornando inviável a criação. Os pescadores artesanais também vão ficar sem condições de pescar e com o agravante que eles não receberam o seguro defeso.”
Landim lembra que não é a primeira vez que o açude tem água retirada para abastecer a capital. Da outra vez, mesmo não baixando de 10% da capacidade, houve problemas de abastecimento. “Em 1993, o governador Ciro Gomes retirou muita água do Orós para Fortaleza, e o açude ficou com 13%. Na época, a Cagece [Companhia de Água e Esgoto do Ceará] não conseguia tratar a água, e imagine agora que vai ficar só com 9%?”.
O secretário de Aquicultura e Pesca do município de Orós, José Henrique da Silva, também faz coro às críticas e afirma que a rápida redução do nível de água vai causar problemas graves especialmente em cinco comunidades. “A água vai se distanciar muito rapidamente dessas comunidades, eles terão de fazer trajetos longos para pegar água. Apresentamos uma proposta de retirar até 6,5m³/s, mas tirar 15 será algo muito complicado, vai secar rápido demais. Vamos nos unir aqui para que isso não ocorra.”
'Abastecimento é prioridade', diz o governo
O UOL procurou a Cagece e a Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos), mas ambas disseram que não iriam se pronunciar sobre as medidas adotadas. Apenas por meio de nota, a Casa Civil do governo cearense se manifestou. O texto informa que a decisão de uso da água para a Grande Fortaleza foi tomada porque “o abastecimento humano é prioridade, de acordo com a legislação vigente.”
Ainda de acordo com a nota, decisão foi tomada de forma compartilhada com os 12 comitês de bacias existentes no Ceará há 23 anos. "Essa decisão é tomada no chamado 'Seminário de Alocação', que funciona como uma grande assembleia na qual têm assento os diversos representantes da sociedade civil e de diferentes esferas de governo Cabe à Cogerh apresentar os cenários de reservação (quantidades de água de cada bacia) e possibilidades de uso (simulações). A assembleia, de posse dessas informações, decide quanto da água represada será destinada a cada setor: irrigação, indústria, carcinicultura, piscicultura etc”, diz o texto.
Em uma entrevista coletiva na sede do governo, o governador Camilo Santana (PT) apresentou, em 26 de julho, o Plano de Ações de Segurança Hídrica para Fortaleza e Região Metropolitana e comentou as medidas de abastecimento.
“Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para evitar o racionamento de água para os cearenses. Posso, inclusive, tomar decisões mais drásticas, mas jamais deixarei de atender à população em algo fundamental como a água. Principalmente, porque sei que a população que mais sofrerá, caso houvesse um possível racionamento, é a mais carente”, afirmou o governador.
A ideia do governo é reduzir em 20% o consumo de água nos próximos meses e investir R$ 64 milhões em obras para melhorar o abastecimento, como projetos na área de reúso, perfuração de poços, combate às perdas de água e campanha educativa.
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