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RJ renova acordo, e alvo da Lava Jato mantém controle do sistema de bilhetagem de transporte

JOSE LUCENA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Imagem: JOSE LUCENA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

05/05/2018 00h04

O governo do Rio de Janeiro renovou pela oitava vez o acordo com a RioCard, empresa que opera o sistema de bilhetagem eletrônica do transporte público estadual e que foi alvo de mandado de busca e apreensão na Operação Lava Jato. O convênio foi estendido, sem licitação, por mais oito meses e é válido até 31 de dezembro deste ano.

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Estado de Transportes confirmou a prorrogação, mas disse que não poderia divulgar os valores negociados. O novo contrato será publicado no Diário Oficial na próxima semana. Já a RioCard informou que o Ministério Público e o TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado) têm "total acesso ao novo convênio".

A última renovação havia ocorrido em agosto do ano passado, seis dias depois do cumprimento de ordem de busca e apreensão na sede da RioCard, no centro da capital fluminense. A ação fez parte da Operação Ponto Final, desdobramento da Lava Jato que levou à prisão dos principais nomes da cúpula do transporte público no Estado.

A empresa de bilhetagem é ligada à Fetranspor (Federação das Empresas de Transporte), entidade que reúne dez sindicatos e atua como ponte entre o poder público e os empresários do ramo. É responsável pela gestão do Bilhete Único fluminense e movimenta cerca de R$ 6 bilhões por ano, de acordo com depoimentos colhidos pela força-tarefa da Lava Jato.

Os valores contratuais se referem à compensação pelas viagens feitas com base na política tarifária e social do Bilhete Único do Estado --descontos e gratuidades. A média diária do ressarcimento de vale-transporte seria de R$ 18 milhões, segundo afirmou a força-tarefa com base em relatos de investigados.

Na Operação Ponto Final, a Lava Jato informou ter identificado um grandioso esquema de cobrança e pagamento de propina no setor, com repasses milionários a agentes públicos, em troca de vantagens ilícitas, como atos de ofício, concessão de benefícios fiscais, reajustes de tarifa, entre outros. Após a ação da PF, a Fetranspor informou que estava à disposição da Justiça para prestar esclarecimentos.

O esquema de propina movimentou, no total, mais de R$ 260 milhões, de acordo com denúncias oferecidas à Justiça. Somente o ex-governador Sérgio Cabral (MDB), apontado como chefe da quadrilha, teria levado R$ 144,7 milhões de 2010 a 2016. A defesa do ex-chefe do Executivo nega os crimes.

A propina era paga com o caixa dois da Fetranspor, que supostamente recolhia recursos em espécie em 26 empresas de ônibus. Os investigadores suspeitam que, além do caixa dois, o sistema do RioCard tenha sido sido utilizado para o mesmo fim.

"O funcionamento desse engenhoso sistema de arrecadação e pagamento de propina ao longo dos anos apenas foi possível em razão do absoluto domínio dos denunciados sobre a estrutura da Fetranspor e do controle da bilhetagem eletrônica do Rio de Janeiro, por meio da RioCard TI", afirmam os procuradores no pedido de busca e apreensão.

"[Há] fundados indícios de que o sistema de bilhetagem eletrônica, bem como as ordens de ressarcimento de valores às empresas que participavam da arrecadação para a 'caixinha' da propina da Fetranspor possam ter sido manipulados pelos denunciados, tendo servido de instrumento para a prática dos crimes", argumentam.

Na autorização da ordem de busca e apreensão, o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas, responsável pelas ações da Lava Jato em primeira instância, narra que o MPF (Ministério Público Federal) apresentou evidências que demonstram a utilização da empresa de bilhetagem na "estruturação desse esquema delituoso de recolhimento e pagamento de propina".

Além disso, três presos na Operação Ponto Final faziam parte da diretoria da RioCard: Lélis Teixeira, ex-presidente da Fetranspor; José Carlos Lavouras e Marcelo Traça, ex-conselheiros da federação.

Durante a execução do mandado, dois funcionários da empresa foram detidos por terem ocultado provas, de acordo com a Polícia Federal.

À espera de licitação

O último acordo entre o Estado e a RioCard, firmado em agosto, foi de R$ 267 milhões.

Desde fevereiro de 2013, quando o primeiro contrato foi assinado, a empresa já recebeu mais de R$ 2,7 bilhões do Fundo Estadual de Transportes, sendo cerca de R$ 2,4 bilhões somente em aditivos. As informações são da Secretaria de Estado de Fazenda.

As duas últimas renovações do convênio com a RioCard ocorreram porque o Estado ainda não cumpriu determinação judicial que o obriga a realizar uma licitação para definir o operador de bilhetagem eletrônica. A decisão é de julho do ano passado.

Segundo a Secretaria de Estado de Transportes, a prorrogação do contrato é necessária para que "o Bilhete Único Intermunicipal continue beneficiando os mais de 2 milhões de usuários habilitados atualmente".

Em 2017, o governo assinou um termo de compromisso com o Ministério Público, o TCE-RJ e a Defensoria Pública a fim de democratizar o sistema. Na versão do Executivo, a secretaria está cumprindo as etapas estabelecidas no acordo com objetivo de, enfim, lançar o edital do certame.

"Nesse momento, o processo encontra-se em fase de elaboração dos materiais para o lançamento do PMI (Procedimento de Manifestação de Interesse), conforme previsto no cronograma do Termo de Cooperação celebrado entre as partes", informou a pasta, por meio de nota.

O governo fluminense também ressaltou que há "previsão de encerramento antecipado" do novo convênio com a RioCard, caso o procedimento licitatório seja finalizado antes de dezembro.

Ao UOL, a RioCard informou que o valor estipulado no convênio diz respeito ao "ressarcimento das concessionárias de transporte público estadual (barcas, metrô, trens, ônibus e vans legalizadas)", isto é, a compensação pelas viagens feitas com desconto e as gratuidades do Bilhete Único do Estado.

"O valor citado no contrato é uma estimativa das transições tarifárias que deixam de ser pagas pelos usuários de transporte público quando utilizam o Bilhete Único Intermunicipal, portanto subsidiadas pelo governo do Estado do RJ através da Secretaria de Estado de Transportes. Ao utilizar o benefício, o passageiro paga o valor máximo de R$ 8,55 por dia, sendo o restante assumido pelo Estado", afirmou a empresa, em nota.

'Impossibilidade técnica da operação'

O promotor de Justiça Guilherme de Almeida Martins, titular da 5ª Promotoria Cível da Capital, afirmou que as partes concordaram em prorrogar o prazo de "plena interoperabilidade" (que permitirá que todas as concessionárias façam a emissão e a comercialização do vale-transporte) para 15 meses a partir da assinatura, que ocorreu 1º de novembro de 2017.

O aditivo ao termo de ajustamento de conduta que estende o prazo ainda não foi celebrado, mas já há uma minuta negociada, segundo informou o promotor. "O argumento dos modais para pedir a prorrogação foi a impossibilidade técnica da operação."

O chefe da 5ª Promotoria Cível disse ainda que o prazo para realização da licitação e contratação do vencedor do certame é de 540 dias contados a partir de 1º de novembro do ano passado, de acordo com o que foi subscrito no termo de compromisso.