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Polícia indicia por tentativa de homicídio agressores de jovem negro no MA

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

25/01/2022 20h34Atualizada em 26/01/2022 09h05

A Delegacia Regional de Açailândia entregou hoje à Justiça do Maranhão o relatório final do inquérito que investigou as agressões praticadas por um casal ao jovem negro Gabriel da Silva Nascimento, 23. O caso ocorreu no último dia 18 de dezembro.

O delegado Saniel Ricardo Trovão indiciou Jhonnatan Silva Barbosa e Ana Paula Costa Vidal por tentativa de homicídio, crime com uma pena de seis a 20 anos de prisão. Além disso, ele pediu a prisão preventiva de Jhonnatan Silva Barbosa alegando "indícios veementes do intuito de fuga".

Imagens mostram que Gabriel foi imobilizado e agredido pelo casal após ser acusado de roubar o próprio carro na porta do prédio onde mora, em Açailândia.

No inquérito, o delegado cita que a classificação do crime veio após entrega do laudo dos ferimentos de Gabriel feito pelo Instituto de Criminalística. Com o documento, a classificação do caso mudou de lesão corporal para homicídio não consumado.

Ele cita que Jhonnatan "executou sufocação indireta ao permanecer com os pés sobre o tórax da vítima". Já Ana Paula "colocou o joelho esquerdo sobre o tórax e o joelho direito sobre o abdômen da vítima, e executou uma modalidade de asfixia denominada sufocação indireta".

Restou configurado que os indiciados agiram com dolo eventual [quando assumem o risco de matar]. Os indiciados assumiram o risco de causar sufocação indireta, o que levaria à morte da vítima, caso essa não conseguisse se desvencilhar dos agressores".
Delegado Saniel Ricardo Trovão

Para indiciar os dois, o delegado usou o artigo 121 (que trata de homicídio) associado ao 14 do Código Penal (que trata da não consumação do crime). Ele ainda pontuou duas qualificadoras para o crime: por "motivo torpe" e por "emprego de asfixia".

Antes da conclusão do inquérito, o delegado já havia pedido a prisão preventiva de Jhonnatan, mas a Justiça negou no último dia 21. Agora com a conclusão e indiciamento, o delegado voltou a fazer um pedido e aguarda nova decisão.

Com a entrega do inquérito, cabe ao MP (Ministério Público) do Maranhão decidir se denuncia ou não os dois suspeitos. Caso denuncie e mantenha a classificação do crime, eles podem ir a júri popular.

O advogado de Gabriel, Marlon Reis, disse ao UOL que a conclusão do inquérito fez jus à gravidade do caso. "Esse é um caso emblemático em que será possível levar para o banco dos réus um comportamento racista que muitas vezes não é verbalizado, mas nem por isso é menos violento", relata.

O racismo estrutural estava presente nesse caso. Felizmente, graças ao acompanhamento da sociedade e das organizações da sociedade civil de defesa de direitos humanos e de igualdade racial, ele agora pode se tornar um caso exemplar para o Brasil".
Marlon Reis, advogado

Ao UOL, o advogado Francisco Austríaco, que defende Jhonnatan, alega que a tipificação da conduta deveria ser "lesão corporal, com base no exame de corpo de delito realizado no dia posterior aos fatos".

"O médico legista de notável saber técnico concluiu que as lesões sofridas por Gabriel não resultaram risco de vida. Apenas em um segundo parecer complementar médico, juntado aos autos mais de 30 dias após o fato, trouxe os termos técnicos para as lesões sofridas, mas também não concluiu que estas resultaram em risco de vida", diz.

"A morte por asfixia, segundo especialistas, acontece com tempo médio de 3 minutos. Portanto, conclui-se que o golpe aplicado por poucos segundos, conforme vídeo, não levaram risco de vida à vítima, causando-lhe apenas lesões corporais.
Francisco Austríaco, advogado de Jhonnatan

Sobre o risco de fuga, a defesa alega que ele esteve na delegacia na segunda-feira (24), um dia antes da conclusão do inquérito. "Ele possui endereço fixo e trabalho lícito na comarca que tramita o processo", diz.

Gabriel discursa em ato em apoio a ele e por justiça realizado em Açailândia  - Marlon Reis/Divulgação - Marlon Reis/Divulgação
Gabriel discursa em ato em apoio a ele e por justiça realizado em Açailândia
Imagem: Marlon Reis/Divulgação

Relembre o caso

A agressão a Gabriel ocorreu por volta das 6h30 da manhã do dia 18, quando ele ajustava o carro para uma viagem na porta do prédio onde mora, em Açailândia. Recepcionista de uma agência da Caixa na cidade, ele afirma que iria encontrar colegas para uma confraternização no município vizinho de Governador Edison Lobão.

Ele relata que nesse momento foi abordado pelo casal, que questionou se ele não estaria roubando o carro. Toda agressão foi gravada por câmeras de segurança de um estabelecimento vizinho.

"Eles me perguntaram o que eu estava fazendo, já em um tom intimidador. Eu, já com as mãos levantadas, falo que estou observando o carro para sair; me identifiquei que morava ali, que era inquilino e que o carro era meu e a chave estava na ignição. Mas eles começaram a me agredir fortemente", relatou.

O caso gerou grande repercussão nacional e gerou um ato de desagravo na cidade no dia 22 de dezembro.