Topo

Políticos elogiam cota a candidatos negros, mas veem ativismo do TSE

Funcionários do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal em teste e lacração de urnas eletrônicas - Pedro Ladeira/Folhapress
Funcionários do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal em teste e lacração de urnas eletrônicas Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

26/08/2020 18h27Atualizada em 26/08/2020 18h27

Políticos ouvidos pelo UOL elogiaram a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que determina o financiamento proporcional a candidaturas negras a partir das eleições de 2022, mas também criticaram o que viram como ativismo do tribunal e avanço sobre atividade do Poder Legislativo.

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirmou estar completamente de acordo com o mérito da decisão, mas disse ser contrário ao fato, na sua avaliação, de o TSE ter legislado sobre o assunto.

"Para isso, temos um Poder Legislativo. Que o Congresso saiba defender suas prerrogativas e legisle sobre essa matéria como desejar. Mas, nós no PSB defendemos o mérito. Acho importantíssimo que os negros tenham mais espaço", afirmou.

O TSE aprovou a imposição aos partidos de que o dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral seja destinado de forma proporcional às campanhas de candidatas e candidatos negros. A distribuição proporcional vale ainda para a divisão entre os candidatos do tempo de propaganda em rádio e TV do horário eleitoral gratuito a que o partido tem direito.

Não ficou estabelecido um número mínimo obrigatório a candidaturas negras, somente que os recursos sejam proporcionais segundo os perfis dos candidatos dentro de um partido, tanto homens quanto mulheres. A obrigação passará a valer somente a partir da eleição de 2022. A maioria dos ministros afirmou que a Constituição exige ao menos um ano de antecedência para alterações no processo eleitoral.

Siqueira e outros políticos ouvidos defenderam que o Parlamento deve ratificar ou regulamentar esse financiamento proporcional em tempo hábil para mudanças no pleito de 2022. Ainda que a decisão seja no mesmo sentido que a do TSE, explicam precisar de mais segurança jurídica e sugestões dos parlamentares.

Um dos vice-presidentes do PDT, deputado federal André Figueiredo (CE), afirmou que o partido sempre foi favorável a movimentações que incentivem candidaturas negras e acredita que essa proporcionalidade nos recursos é "extremamente adequada", em especial em tempos de intolerância.

"A gente pode ratificar isso no Congresso. Não tem problema. Sem entrar no mérito da matéria, discordo de o TSE ficar legislando, mas o Congresso pode trazer para si essa responsabilidade e transformar em lei", disse.

Ele acrescentou que o próprio PDT conta com uma resolução para apresentar uma proposta legislativa sobre proporcionalidade na distribuição de recursos. Sob reserva, outros líderes partidários concordam que os parlamentares devem analisar o caso no futuro.

"Não tem justificativa para ser contra [o financiamento proporcional]. Agora, a aplicabilidade em cada partido político cabe a cada visão partidária desse processo
André Figueiredo, deputado federal e vice-presidente do PDT

A decisão do TSE foi tomada no julgamento de uma consulta apresentada pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Ela considerou a decisão do TSE como um fato "histórico", embora gostaria que valesse já para as eleições de 2020. Para ela, a medida do TSE ajudar a inibir um recuo do Congresso quanto à proporcionalidade.

"O TSE faz justiça respeitando o que a Constituição exige. [...] Dá um passo histórico diante de um momento extremamente difícil em que essa questão da desigualdade social e racial ficou muito mais transparente com a pandemia", falou.

O secretário de Combate ao Racismo do PT, Martvs Chagas, informou ter recebido a decisão como uma vitória parcial, pois, como Benedita, queria que o financiamento proporcional valesse para o pleito deste ano. Atualmente, ele enxerga o PT e o PSOL como os partidos mais avançados nessa questão.

Nossa torcida é para que os partidos possam se antecipar a isso e alguns criem as condições para que as candidaturas já possam ser tratadas, no mínimo, de maneira isonômica quanto às candidaturas não negras"
Martvs Chagas, secretário de Combate ao Racismo do PT

O presidente nacional do MDB, deputado federal Baleia Rossi (SP), disse que o tema é importante e está em discussão inicial na sigla. Como exemplo, citou cotas já adotadas internamente.

"Em uma atitude inédita, aumentamos os recursos para mulheres e oficializamos cota para jovens já para esta eleição. Antes mesmo da decisão do TSE, já demos início ao debate para recursos definidos para candidatos negros", afirmou.

O líder do DEM na Câmara, deputado federal Efraim Filho (PB), classificou a medida do TSE como um "encaminhamento importante para a cidadania" e que o partido já procura equalizar as candidaturas.

O presidente nacional do PL, Tadeu Candelária, disse, em nota, que os membros da Executiva do partido ainda não trocaram impressões a respeito do assunto.

Como ficará o financiamento

A decisão recente do TSE não afeta as cotas para candidaturas femininas já estabelecida. Hoje, já há uma obrigatoriedade legal de que ao menos 30% das candidaturas sejam do gênero feminino.

Pelo novo financiamento proporcional, por exemplo, se entre os candidatos homens de um partido 60% for de negros, então esse grupo deve receber 60% dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral destinados pela legenda para a campanha das candidaturas masculinas.

Por sua vez, se entre as candidaturas femininas 40% for de mulheres negras, a proporção dos recursos dos fundos destinadas às candidatas negras deve corresponder também a 40% do total utilizado para financiar todas as candidaturas femininas desse partido.

Por não estabelecer uma cota mínima para candidaturas negras, políticos ouvidos pela reportagem consideraram que não haverá tantos casos de fraudes ou utilização de candidatos de fachada, os 'laranjas', como acontece no caso das mulheres ao buscarem preencher o mínimo de candidatas previsto em lei, com destaque em municípios pequenos.