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Um balanço do Burning Man: sem chefe, dinheiro ou violência, mas com liberdade

Marion Strecker

De San Francisco, Califórnia (EUA)

21/09/2011 07h00

Vou tentar fazer um balanço do que vi, vivi e entendi do Burning Man na forma de “perguntas mais frequentes” que meus amigos fizeram ou fariam:


Gostou? Valeu o “sacrifício”?
Sim, gostei de ter ido. Valeu a pena ter ido. Aprendi muitas coisas ali, comigo mesma, com outras pessoas, com tudo aquilo, todas as dificuldades e alegrias, com o previsto e com o imprevisto. Conheci pessoas maravilhosas. Nunca vou me esquecer de que um dia fui ao Burning Man.

Iria de novo?
Não sei. Preciso responder agora?

O lugar é mesmo inóspito?
É um deserto muito, muito empoeirado. Quanto à salinidade e à altitude, é uma brincadeira de criança para quem subiu a cordilheira dos Andes e já foi ao Atacama, no Chile, ou ao Uyuni, na Bolívia. Mas as nuvens de poeira são onipresentes e exigem mesmo óculos especiais, lenços ou máscaras para proteger boca e nariz, essas coisas. De dia faz um sol de rachar e à noite esfria muito. Tive sorte de não ter pegado verdadeiras tempestades de areia nem chuvas. Dizem que a coisa fica horrível. É uma trabalheira incrível acampar ali, sem deixar rastros. Tirei a sorte grande ao ser convidada a ficar num acampamento muito especial, com pessoas incríveis e um nível de corforto muito alto, considerando as condições dadas.

O Burning Man é um festival?
Os organizadores preferem chamar de evento. É um acampamento que forma uma cidade temporária de 50 mil habitantes. Não é um festival de música, mas tem muito DJ e muita gente leva seus instrumentos. Não é uma Bienal, mas reúne milhares de artistas e centenas de obras de arte de grande porte. Não é Carnaval, mas quase todo mundo usa fantasias e há carros alegóricos, só que pequenos para os padrões brasileiros. Não é Réveillon, mas parece, por causa da excitação, da alegria geral e dos incríveis fogos de artifício que soltam no sábado apoteótico, quando queimam a instalação principal, que é um enorme homem de madeira. Durou de segunda a segunda, antes do Dia do Trabalho (que aqui acontece no começo de setembro). Mas muita gente vai uma semana antes, para organizar seus campings.
 


Quem vai ao Burning Man?
Urbanóides e hippies. Jovens e velhos. Todos com uma imprescindível disposição para acampar ali. E que podem comprar um ingresso que custa ao menos uns US$ 300 (o preço vai aumentando quando a data do evento anual se aproxima) e fazer a viagem até lá, com toda a tralha de acampamento, em carros grandes ou em caminhões, comida, água etc. Espere gastar entre US$ 600 e US$ 1.000, fora as passagens, para um plano básico.

Tem muito "freak"?
Tem. Mas tem muita, muita gente normal também. Ao menos no meu entendimento do que seja normal. Mas mesmo os “normais” se fantasiam. Quase todos. É uma festa à fantasia. Leia o censo do Burning Man neste texto aqui.

Por que vão ao Burning Man?
Cada um tem sua resposta. Eu fui porque acho ridículo sair dando opinião por aí sem ter posto os pés no Burning Man. E achei que devia conhecer esse lado da Califórnia, que acabou acontecendo na vizinha Nevada. Mas é gente que gosta do desafio de acampar num lugar assim difícil, gosta de viver em comunidade, gosta de ganhar muito abraço, gosta de ser submetido a um grande teste de civilidade, já que a onda lá é ser generoso e não ter preconceitos. Também é gente que gosta de farra e de se divertir 24 horas por dia. Sem chefe. Sem dinheiro. Sem violência. Com toda a liberdade. Dizem que é um grande exercício de criatividade; e eu tendo a concordar. Dizem também que é um lugar inspirador; também concordo.

Mas por que ir até lá para ficar pelado ou se divertir, se podem fazer a mesma coisa no lugar onde vivem?
Boa pergunta. Talvez não possam. Mesmo que vivam em San Francisco, uma cidade pra lá de liberal. Aqui em San Francisco roubam não só bicicletas como até o meu sexy “The New York Times” aos domingos, na porta de casa. O dinheiro manda. O interesse individual manda. Lá há um exercício de bem viver coletivamente mais profundo e disseminado do que aqui, onde já vivo cercada de tolerância, agricultura orgânica e cereais integrais. Acho que as pessoas vão e voltam porque gostam de praticar esse exercício coletivamente. Acho um bom exercício a ser praticado. Embora não precisasse ser num lugar tão empoeirado…

Drogas? Sexo? Violência?
Eu vi violência zero. Vi muita gente viajando. Vi dezenas de opções de programas bizarros para adultos. Mas uma piada recorrente é que o Burning Man é empoeirado demais para ser bom para sexo!  Também vi no livrinho muitas palestras, incluindo gente séria falando sobre assuntos sérios. As fantasias e as obras de arte são onipresentes. Outra peculiaridade é que lá as pessoas se abraçam muito e forte, e raramente se beijam.

BURNING MAN TEM SAUNA NO DESERTO, ENERGIA SOLAR E DEUS LOIRO

Como faço para ir?
Informe-se pelo site do Burning Man (http://www.burningman.com/) e procure uma turma com quem acampar. A cidade temporária é organizada em acampamentos. Os acampamentos se formam entre amigos. É tudo geralmente combinado com bastante antecedência, já que a logística é complexa. Você vai precisar levar toda a comida e toda a água que precisar para sobreviver, não há nada para comprar lá, a não ser café e gelo, e não vai poder deixar lixo nenhum para trás, nem água limpa jogada no chão. Então, bom planejamento é vital. Os organizadores provêm banheiros portáteis, não há filas, mas não é algo confortável. Não pode levar cachorro. E definitivamente não é um lugar para folgados. Prepare-se para trabalhar bastante.

Grécia no meio dos Estados Unidos?



Seria possível um Burning Man no Brasil?Hummm… Espaço não falta! Onde? Nos Lençóis Maranhenses? Seria lindo, com suas lagoas azuis depois da temporada de chuvas, mas será que uns riquinhos não iam ficar dando rasante para espiar e zoar o acampamento? Alguma autoridade impediria? Será que não haveria milhares de pessoas tentando dar um jeitinho para entrar de graça e acampar fora dos locais pré-determinados? E os banheiros portáteis, seriam usados adequadamente e seriam em número suficiente? Nem nos melhores festivais de música ou camarotes de Carnaval no Brasil temos banheiros em número suficiente… Sempre há filas (nos femininos, ao menos…)! E achamos normal! Não temos banheiros públicos, com papel, em número suficiente nem nas cidades…
Mas, sim, claro que precisa ser possível haver um Burning Man no Brasil, se brasileiros em número suficiente quiserem e puderem fazê-lo.
Mas já temos o Carnaval, o Réveillon… Será que precisamos de um Burning Man? Talvez sim. Um grande exercício de planejamento e civilidade. Tudo bem que já temos a maior parada gay do mundo, mas ainda precisamos de um pensamento mais tolerante, mais aberto, mais moderno, menos preconceituoso, mais organizado.
Criativos, nós já somos. Festivos, nem se fala. Musicais e dançarinos, aí não há comparação.
Se alguém for criar um Burning Man no Brasil pode fazer o favor de me avisar?