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Acordos usados com terroristas do passado não funcionariam com o EI; entenda

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

04/12/2015 06h00

Após os atentados terroristas no dia 13 de novembro em Paris, que mataram 130 pessoas, o governo francês --com a ajuda de importantes parceiros [Estado Unidos e Rússia]-- intensificou os bombardeios aéreos contra o Estado Islâmico na tentativa de aniquilar ou enfraquecer o movimento jihadista. Algo que no passado aconteceu com os grupos separatistas ETA (Pátria Basca e Liberdade), IRA (Exército Republicano Irlandês), Tigres Tamil (Sri Lanka) e mais recentemente, e ainda em andamento, com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

"O terrorismo entendido como o uso de violência indiscriminada para o alcance de uma determinada causa é um fenômeno bastante antigo, com o início na Revolução Francesa (1789-1799)", disse Paulo Wrobel, professor de relações internacionais da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). A diferença entre os grupos do passado e os da atualidade, segundo ele, está nos objetivos.

ETA: o grupo separatista, fundado em 1959, luta pela autonomia da região do País Basco, que engloba parte do norte da Espanha e do sudoeste da França. O grupo perdeu força com o processo de redemocratização do país, em 1977. Em 2011, anunciou um cessar-fogo.

IRA: fundado em 1919, o grupo visava separar o país do Reino Unido e reanexá-lo à República da Irlanda. Mais de 3.500 pessoas morreram ao longo de mais de duas décadas de guerrilha. Em 2005, após negociações políticas, o IRA anuncia o fim da luta armada e a entrega de armas. Alguns grupos dissidentes, no entanto, continuam tentando realizar atentados.

Tigres Tâmeis: Fundado em 1976, o grupo separatista ligado à minoria tâmil do Sri Lanka luta pela independência de região do nordeste da ilha. Enfraquecidos, em 2001, após anos de luta armada, o grupo anunciou um cessar-fogo. A guerrilha deixou cerca de 70 mil mortos, segundo dados oficiais

Farc: a organização guerrilheira de inspiração comunista nasceu no contexto dos embates entre forças liberais e conservadoras na Colômbia na década de 1960. Com o passar dos anos, o grupo recorreu ao narcotráfico para garantir o sustento de suas atividades. Atualmente, está em curso um diálogo de paz entre o grupo guerrilheiro e o governo colombiano.

Enquanto o IRA, o ETA, os Tigres e as Farc foram criados a partir de uma ideologia política, o Estado Islâmico --assim como a Al-Qaeda, o Hamas e o Boko haram, por exemplo-- surgem com um ideal religioso. "Diferenças que os tornam muito distintos e, portanto, inviabilizam o uso das mesmas medidas para combatê-los", afirma Wrobel, que descarta a possibilidade dos acordos políticos e de paz auxiliarem no combate aos grupos extremistas.

"Os grupos do passado mencionados tinham um propósito político claro, que pode ser objeto de concessões políticas [no caso do IRA] ou de uma derrota militar [a exemplo do ETA]. Já o Estado Islâmico tem a pretensão de transformar o mundo inteiro em uma comunidade muçulmana. Algo inegociável", aponta o professor da PUC-Rio, que também cita diferenças na finalidade do uso da violência nestas duas categorias de grupos terroristas. "Uma usa o terror para forçar uma negociação do governo. A outra, em contrapartida, quer pura e simplesmente aterrorizar a população civil desarmada."

O IRA, por exemplo, comunicava a população de suas ações com antecedência para evitar que civis se ferissem, conta Wrobel. "Já o Estado Islâmico visa matar o maior número de pessoas possível só para gerar pânico." Uma estratégia que o especialista classifica de "covarde" e "fadada ao fracasso", embora bastante "devastadora".

Conforme acrescenta Heni Ozi Cukier, professor de relações internacionais da ESPM, o que dificulta o combate dos grupos extremistas é a falta de nacionalidade deles. "Diferente dos grupos nacionalistas do passado, eles não lutam contra um governo local e são alocados em áreas não governadas por ninguém. O EI é um 'Estado'", afirma.

Caminho para o combate aos grupos extremistas

A luta armada é o único caminho para enfraquecer os grupos extremistas, na opinião dos dois especialistas. "A coalizão internacional para uma ofensiva é mais do que necessária", afirma Wrobel. "Isso é uma guerra". Cukier, no entanto, diz que os ataques aéreos à Síria não seriam suficientes. "A invasão terrestre é mais do que necessária e ela não deve se restringir ao país sírio. É preciso expandi-la ao Iraque."

Os ataques aéreos, na opinião do professor da ESPM, tendem a matar muitos civis inocentes, além de fortalecer o discurso do Estado Islâmico para atrair mais combatentes e fortalecer sua tropa. "Para conseguir enfraquecer o grupo, é preciso atacar diretamente sua fonte de financiamento e sua tropa. E somente o uso da força militar terrestre pode conseguir isso."

Segundo Cukier, a intervenção militar também deve ser aliada a um plano de reconstrução dos dois países (Iraque e Síria). "Vale lembrar que esses grupos nascem e se estabelecem em regiões em conflito. Se não houver uma reestruturação nos países, o vácuo deixado com o fim da guerra vai propiciar a criação de novos 'Estados Islâmicos'".