Topo

Sem ajuda, famílias procuram sozinhas por desaparecidos após erupção de vulcão na Guatemala

7.jun.2018 - Francisco Davila lamenta a morte da mãe Maritza Nij Ramos Davila, 40, vítima do Vulcão de Fogo, durante velório em Alotenango, na Guatemala - AP Photo/Rodrigo Abd
7.jun.2018 - Francisco Davila lamenta a morte da mãe Maritza Nij Ramos Davila, 40, vítima do Vulcão de Fogo, durante velório em Alotenango, na Guatemala Imagem: AP Photo/Rodrigo Abd

Da Associated Press

08/06/2018 14h37

Estuardo Hernandez, um rapaz de 19 anos que trabalha em um viveiro de plantas na cidade de Antígua, sabe bem onde seus pais estão, e isso está o deixando desesperado. Ele tem certeza de que eles estão enterrados dentro da casa onde ele cresceu, coberto por cinzas e outros detritos lançados pelo vulcão de Fogo que atingiu esta pequena comunidade.

Deitado de bruços, ele chega até um espaço estreito entre o topo de uma janela e as toneladas de cinzas que enchem um andar inteiro da casa. As cinzas chegam quase até o telhado e seus esforços são tão inúteis que Hernandez chega a chorar baixinho.

Na quinta-feira (7), o governo da Guatemala suspendeu as buscas por mortos, dizendo que o clima úmido e o material vulcânico ainda quente eram muito perigosos para os socorristas. As retroescavadeiras que Hernandez precisaria para achar os corpos de seus pais estão em outra parte da colina, sendo utilizadas para reabrir uma rodovia coberta por cinzas e pedregulhos.

7.jun.2018 - Mulher abraça Francisca Nij (sentada), que chora a morte da mãe Maritza Nij Ramos Davila, 40, vítima do Vulcão de Fogo, na Guatemala - AP Photo/Rodrigo Abd - AP Photo/Rodrigo Abd
Mulher abraça Francisca Nij (sentada), que chora a morte da mãe, Maritza
Imagem: AP Photo/Rodrigo Abd

O governo afirmou que pelo menos 109 pessoas foram mortas quando o vulcão entrou em erupção no domingo, e há quase 200 desaparecidos. Parentes e amigos foram deixados sozinhos para continuar as buscas com as próprias mãos ou com as poucas ferramentas disponíveis.

Hernandez estava conversando com seu pai, Margarito Hernandez, ao telefone quando milhões de toneladas de cinzas vulcânicas invadiram San Miguel Los Lotes, um vilarejo localizado na encosta do vulcão.

"Ele me ligou às 15h13 de domingo", disse o jovem Hernandez, que estava trabalhando em Antígua naquele dia. "A última coisa que ele me disse foi para ir longe daqui... a última coisa que eu podia ouvir era ele dizendo: "Entre! Há muito fogo lá fora.' Eu sei que eles ficaram em casa."

Hernandez examina o estreito espaço aberto e aponta para a parede de trás da casa, onde a lama vulcânica atingiu a estrutura. "Lá é onde eles tinham as camas. Eu acredito que eles foram lá."

Nos quatro dias desde o desastre, nenhum funcionário do governo tinha sequer passado para ouvir essa informação, ou dar uma ajuda, disse ele. "Sem auxílio não podemos fazer nada... a única coisa que importa para o governo é a rodovia. Por que não trazer as máquinas até aqui?", perguntou.

Algumas casas abaixo da encosta, o pedreiro Alejandro Esqueque, 45, cansou de esperar o governo para recuperar os corpos de sua mãe, três irmãos e quatro sobrinhos. Ele organizou um grupo de colegas da construção civil e amigos na quinta-feira para cavar com pás na casa, que está preenchida até o telhado com cinzas.

Leia mais

Eles fizeram o maior progresso entre todas as dezenas de famílias que desafiaram os bloqueios da polícia para procurar desaparecidos por conta própria.

"Precisamos de uma retroescavadeira, mas eles (autoridades) têm de autorizar primeiro, mas não dão permissão", disse Esqueque.

Ele tem certeza que o corpo de sua mãe de 69 anos de idade está dentro da casa, porque ela usava uma cadeira de rodas e não podia fugir. Ele também tem certeza de que seus irmãos não a deixariam sozinha. "Eles nunca iriam querer deixar a minha mãe. Eles estavam sempre com a minha mãe."

Seu único pensamento agora é "não deixá-los aqui", disse ele com incrível determinação. "Eu não vou deixá-los aqui."

7.jun.2018 - Familiares de Sandra Orizabal Diaz choram durante seu enterro em Escuintla, na Guatemala; mulher foi uma das 18 vítimas da família que morreram ou desapareceram após a erupção do Vulcão de Fogo - AP Photo/Luis Soto - AP Photo/Luis Soto
Familiares de Sandra Orizabal Diaz choram durante seu enterro em Escuintla; mulher foi uma das 18 vítimas da família que morreram ou desapareceram
Imagem: AP Photo/Luis Soto

A agência de desastres da Guatemala, a Conred, suspendeu a busca várias vezes nesta semana, incluindo durante boa parte de quinta-feira. A atividade vulcânica despejou mais rochas e cinzas nos locais de busca entre quarta e quinta-feira. E os funcionários estão preocupados com as chuvas.

Francisco Chavez apareceu cedi com dois filhos e sem ferramentas em uma casa que havia desmoronado para procurar por Edgar Diego Chavez, um outro filho seu que estava desaparecido, Sandra Hernandez, mulher dele, Josué, o filho de quatro anos de idade do casal.

No início, eles cavaram com pedaços de tábuas quebradas e paus nas cinzas, que, por causa da ação da chuva, virou uma espécie de concreto.

Eventualmente, alguns policiais se sensibilizaram e, em vez de expulsá-los dali, emprestaram pás e os ajudaram na tentativa desesperada de escavação.

Mas o enorme campo de cinzas diminuiu seus esforços, e a falta de ajuda do governo os irritou.

"Eles estão limpando a rodovia. O presidente tem compromissos com empresários... Mas aqui, uma vez que as pessoas não têm nada a lhe oferecer, ele deixa esta parte como um cemitério", disse um dos filhos, William Chavez, um estudante de contabilidade de 29 anos.

Soldado leva uma criança coberta de cinzas a um hospital depois que o vulcão de Fuego entrou em erupção em El Rodeo, Guatemala - Fabricio Alonzo/REUTERS - Fabricio Alonzo/REUTERS
Soldado leva uma criança coberta de cinzas a um hospital
Imagem: Fabricio Alonzo/REUTERS

A raiva em relação ao presidente Jimmy Morales está crescendo. O político fez apenas uma breve visita quarta-feira (6) à área. Ele não parou para falar com moradores ou repórteres ou oferecer muita ajuda. Depois de alguns minutos, seu comboio acelerou em direção a um helicóptero que estava a espera.

"Por que o presidente veio aqui se ele não trouxe nada?", disse Gloria Esperanza Lopez, 35, que trouxe tamales, uma iguaria local parecida com a pamonha, para doar aos residentes e trabalhadores de resgate, mas ela não foi autorizada a passar por um posto de polícia. "Como ele poderia vir com as mãos vazias quando nós chegamos com pelo menos um tamal?"

Residentes de várias comunidades se protegem em abrigo temporário - Johan ORDONEZ/AFP PHOTO - Johan ORDONEZ/AFP PHOTO
Residentes de várias comunidades se protegem em abrigo temporário
Imagem: Johan ORDONEZ/AFP PHOTO

Em um abrigo criado em uma escola na cidade vizinha de Escuintla, Nohemi Ascon, 41, esperava por ajuda. Ela é a tia de seis crianças com idades entre 1 e 8 anos que morreram em Los Lotes. Uma fotografia tirada logo após o desastre mostrou seus corpos amontoados em uma cama no canto de uma sala, coberta de cinzas e sangue.

Ela disse que outros parentes estão desaparecidos.

"Meu pai, minha mãe, minhas irmãs estão lá", disse ela, triste com a decisão de novamente suspender as buscas. "É o trabalho deles. Não é certo que eles os deixem lá. Eles devem tirá-los para que possamos levá-los para o cemitério", afirmou.