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Polícia do Rio é criticada por medidas enérgicas em favelas

Jens Glüsing

No Rio

10/10/2013 06h00

Uma nova campanha de segurança está ajudando as autoridades a reconquistar o controle das favelas do Rio de Janeiro antes da Copa do Mundo do próximo ano. Unidades especiais da polícia estão expulsando as gangues de traficantes das favelas --mas, muitas vezes, apenas para substituí-las com seus próprios regimes brutais.

A operação foi pacífica, como prometido. Demorou apenas 50 minutos para que, no domingo (6), policiais e soldados ocupassem o Complexo do Lins, um conjunto de 12 favelas com uma população estimada em 15 mil habitantes na zona norte do Rio de Janeiro. No ponto alto de uma das favelas, eles hastearam a bandeira brasileira como um anúncio a todos de que o Estado tinha recapturado o território.

Antes, o complexo era governado por um bando fortemente armado de traficantes de drogas, como é o caso da maioria das mais de 300 favelas do Rio de Janeiro. Os bandidos fugiram após a polícia anunciar que implantaria uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no complexo.

 

As UPPs estão no centro da estratégia do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB). Primeiro, a polícia monta estações permanentes nas favelas --antes ela só podia entrar nas comunidades em investidas policiais para, depois, retirar-se novamente. Essas batidas geralmente terminavam em tiroteios, e pessoas inocentes muitas vezes morriam. Hoje existem 34 UPPs no Rio, controlando mais de 100 favelas e centenas de milhares de moradores.

Tais medidas visam tornar mais segura a cidade que se prepara para sediar a Copa do Mundo do próximo ano e os Jogos Olímpicos de 2016. O homem responsável pela estratégia é o secretário de segurança, José Mariano Beltrame, um ex-comissário de polícia respeitado e equilibrado, do sul do país. Ele ordenou que as ocupações das favelas fossem anunciadas com antecedência para evitar banhos de sangue. Isso geralmente resultou na fuga dos traficantes antes da chegada das UPPs.

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A única operação que resultou em violência pesada foi a ocupação, há dois anos, do Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro, que resultou em vários dias de tiroteios. A maior organização criminosa do Rio, o Comando Vermelho, havia estabelecido sua sede na favela gigantesca. Eles aterrorizaram a cidade com ataques a ônibus e delegacias de polícia, e o caso terminou em mais de uma dezena de mortes.

Desde a introdução das UPPs, a taxa de homicídios caiu drasticamente. O mercado imobiliário nas favelas está crescendo, especialmente nas favelas da zona sul, que se tornaram destinos populares de turistas. Moradores empreendedores alugam suas varandas e coberturas para festas e sessões de fotos.

Mas por quanto tempo será mantida a paz? Entre os muitos moradores da favela, a força policial do Rio de Janeiro tem uma reputação pior do que as quadrilhas de traficantes criminosos. Os policiais são vistos como bandidos e assassinos --e muitas vezes com razão, como admite o secretário de segurança Beltrame.

Dez policiais, incluindo o chefe de uma UPP, foram acusados de torturar e matar Amarildo de Souza, um pedreiro que morava na maior favela do Rio, a Rocinha. Pelo menos 20 outros moradores da favela dizem ter sido torturados pela polícia. Isso resultou em uma investigação pelo Ministério Público do Estado, que chegou ao final na semana passada. Amarildo de Souza foi preso pela polícia em 14 de julho e enviado para a UPP. Segundo os promotores, os policiais acreditavam que Souza trabalhava como capanga de traficantes. Eles queriam informações sobre o paradeiro dos bandidos, bem como seus esconderijos de armas.

Os policiais da UPP afirmam que enviaram Souza para casa após o interrogatório porque ele não foi capaz de fornecer informação alguma. Mas eles negligenciaram o fato de que uma câmera de vigilância 24 horas estava filmando a única entrada da UPP. O filme mostra Amarildo entrando na estação, mas não saindo. Uma investigação feita por uma unidade especial chegou à conclusão de que ele foi torturado com choques elétricos na presença do comandante da UPP e, eventualmente, assassinado. Seu corpo ainda está desaparecido. Ele provavelmente foi retirado da favela no porta-malas de um carro da polícia.

Violência policial desenfreada

O crime lança uma sombra sobre toda a estratégia de pacificação do governo. “Onde está Amarildo?”, perguntam os cidadãos furiosamente no Facebook. Quase todos os dias, manifestantes marcharam diante do palácio do governador exigindo uma explicação.

O delito certamente não é sem precedentes: a tortura é rotina em muitas delegacias de polícia. A polícia, os bombeiros e os antigos militares formaram milícias que expulsaram os traficantes de muitas favelas e estabeleceram seus próprios reinados de terror.

Isso levou o governo a recrutar jovens policiais diretamente do treinamento para as UPPs. Com um reforço no salário de quem trabalha em uma UPP, o governo também pretendia torná-los menos suscetíveis à corrupção. Mas as denúncias de ataques por policiais da UPP estão se acumulando. Vários comandantes foram removidos devido ao seu envolvimento em escândalos de corrupção. Ao mesmo tempo, as facções de traficantes tentaram várias vezes retomar as favelas ocupadas pelas UPPs. Houve tiroteio, especialmente no Complexo do Alemão. E os bandidos que fugiram dessas favelas se refugiaram em outras da periferia da cidade, provocando um aumento da violência suburbana.

Ao mesmo tempo, a polícia está reprimindo os manifestantes mais brutalmente. Praticamente todas as semanas há uma batalha de rua no Rio de Janeiro entre manifestantes e policiais, que respondem com bombas de gás lacrimogêneo e violência aparentemente excessiva, mesmo contra transeuntes. “A polícia era menos violenta sob a ditadura militar do que sob o governador Cabral”, diz Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Especialistas em segurança têm reivindicado há anos uma ampla reforma na polícia --acima de tudo, que as forças de segurança sejam suficientemente desmilitarizadas. Até agora, as polícias estaduais são organizadas pelos militares, e um esprit de corps governa suas fileiras, como acontece dentro das forças armadas. Muitos crimes cometidos pela polícia permanecem impunes.

Na Rocinha, o secretário de Segurança Beltrame está começando a tomar medidas sobre o escândalo envolvendo tortura e assassinato pela polícia. Ele substituiu o comandante da UPP com Priscilla de Oliveira Azevedo, que liderou com sucesso a primeira UPP da cidade. Agora, ela enfrenta um duplo desafio: precisa evitar a entrada dos traficantes de drogas, mas também obrigar seus colegas machistas a se comportarem de maneira civilizada.