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E depois? Como relato de ataque sexual de Trump afetou a vida de uma mulher

11.out.2016 - Jessica Leeds, que diz ter sido assediada por Donald Trump durante um voo para Nova York na década de 1980 - George Etheredge/The New York Times
11.out.2016 - Jessica Leeds, que diz ter sido assediada por Donald Trump durante um voo para Nova York na década de 1980 Imagem: George Etheredge/The New York Times

Nora Caplan-Bricker

17/10/2017 15h05

No rastro da demissão de Harvey Weinstein do famoso estúdio de cinema que leva seu nome, ocorrida alguns dias depois que "The New York Times" relatou pela primeira vez suas supostas décadas de assédio e ataque, é tentador acreditar que estamos entrando em uma nova era de intolerância ao abuso sexual cometido por homens poderosos. Mas talvez seja cedo para declarar uma mudança. Como indicou Rebecca Traister na revista "New York Magazine", Weinstein "não é mais o titã do cinema independente", que teria apavorado tantas mulheres, levando-as ao silêncio. As vozes das mulheres carregam mais peso que antes, mas talvez não seja suficiente para inclinar a balança contra os homens no auge do poder.

Para encontrar provas disso, basta olhar a Casa Branca, onde Donald Trump é presidente apesar de mais de uma dúzia de denúncias contra ele. Nesta época no ano passado, mulheres ainda se apresentavam para contar suas histórias de bolinação e beijos não consentidos e, pelo menos segundo uma acusadora, "tentativa de estupro".

Uma das pessoas que falou contra Trump antes da eleição foi Jessica Leeds, que há um ano disse a "The New York Times" que ele a atacou em um avião no início dos anos 1980. Então uma empresária em uma companhia de papel, ela disse que estava sentada ao lado de Trump em um voo para Nova York, quando ele tocou seus seios e tentou enfiar a mão sob sua saia. "Ele parecia um polvo", disse ela à imprensa. "Suas mãos estavam em todo lugar." Apenas duas semanas depois que o "Times" publicou a história de Leeds, Trump venceu.

'Ele botou suas mãos em mim' - o relato da vítima de assédio de Trump

New York Times

A Slate procurou Leeds em sua casa em Nova York na semana passada para falar sobre a queda tão aguardada de Harvey Weinstein, como foi testemunhar a presidência de seu suposto atacante e se ela ainda sente que valeu a pena se pronunciar. A seguinte entrevista foi editada e condensada.

Como você se sentiu depois que Trump venceu, depois que você e outras mulheres o acusaram publicamente de ataque sexual?

Realmente sinto muito que eu não tenha causado mais impacto, que nós todas não tenhamos causado mais impacto. Mas, como o próprio homem diz, ele poderia ficar na Quinta Avenida e atirar em alguém que seus seguidores não se importariam.

Foi decepcionante o fato de ele ter ganhado, muito decepcionante. Eu não podia acreditar, não queria acreditar. Eu gostaria de ter fé no sistema de governo americano, mas está difícil no momento.

O que você experimentou depois de se pronunciar? Como as pessoas próximas de você reagiram à sua história?

Minha experiência depois disso foi que eu realmente achei que as coisas tinham melhorado para as mulheres nos negócios, eu realmente achei que sim. Mas depois desses 15 minutos de fama ficou claro para mim que talvez 95% das mulheres que trabalham já experimentaram isso.

As pessoas lhe contavam suas próprias histórias?

Sim, exatamente. Parecia que toda mulher já tinha experimentado alguma forma de agressão sexual.

Além de meu encontro com Trump, eu poderia contar um monte de histórias sobre o que as mulheres enfrentaram no final dos anos 1970, início dos 80 --nossa expectativa era de que aquilo continuaria. Quando meus filhos tiveram idade suficiente para ir à escola, fui trabalhar. Fiz uma entrevista na sexta-feira, pensei que tivesse conseguido o emprego e apareci na segunda-feira de manhã. Na festa de Natal, o cara que me contratou disse: "Sabe, eu estava pedindo para você sair comigo, não estava pedindo para você vir trabalhar, mas você apareceu". Eu estava tão distraída do que ele estava sugerindo que pensei que estivesse me oferecendo um emprego. Isso era o dia a dia no ambiente de trabalho, mas eu não dei importância e continuei indo.

Estive fora da corrente dominante, trabalhando de casa nos últimos 15 anos, e realmente achava que as coisas tivessem melhorado.

Você ficou desiludida com isso em parte por causa do modo como as pessoas a trataram depois que você se manifestou?

Não, eu moro em uma bolha em Nova York, por isso ninguém nunca disse nada negativo para mim diretamente. Era sempre a mesma coisa: toda pessoa, homem ou mulher, que se aproximava de mim --e foram muitos-- dizia a mesma coisa. Agradeciam-me e diziam que eu fui corajosa. Bem, eu ainda não acho que fui corajosa. Eu estava com raiva. Não sei por que as pessoas acham que a coragem faz parte, mas isso é mais pensamento do que estou interessada no momento.

Foto de Jessica Leeds de 1978 NYT - Arquivo pessoal/ Jessica Leeds via The New York Times - Arquivo pessoal/ Jessica Leeds via The New York Times
Foto de Jessica Leeds de 1978
Imagem: Arquivo pessoal/ Jessica Leeds via The New York Times
Minha filha e seu marido me levaram para a casa deles porque tinham medo do que pudesse me acontecer. Eles moram numa cidadezinha nos Poconos, e no dia seguinte nós fomos à biblioteca e as mulheres de lá me agradeceram, disseram que fui corajosa. Fomos ao mercado e homens e mulheres vieram me agradecer, dizer que fui corajosa. Fomos ao correio, ao banco. Voltei para casa e comecei a ir à piscina para nadar, e as mulheres no vestiário e na piscina vinham me procurar também. Foi incrível. Algumas mulheres no metrô e alguns homens também. Durante cerca de três a seis meses depois daquilo as pessoas vinham me agradecer.

Qual foi a sensação?

Foi um tipo de sensação de restauração, e eu me senti honrada. Como eu disse, fiquei totalmente surpresa de que era sempre a mesma coisa.

Sei que a reação na internet à sua história não foi tão uniforme. Por exemplo, Roger Stone [lobista e estrategista apontado como um dos responsáveis pela ascensão de Donald Trump] afirmou que você era a mesma Jessica Leeds envolvida em uma disputa de propriedade sobre um campo de golfe de Trump na Califórnia em 2008 --foi provado que isso era mentira--, e o âncora do Fox Business Channel Lou Dobbs basicamente a pôs na fogueira ao publicar no Twitter seu endereço e telefone. Isso a prejudicou na vida real?

Minha filha liberou meu telefone. Eu soube que durante alguns dias depois que Lou Dobbs publicou meu endereço havia pessoas sentadas na frente do meu prédio --mas minha filha me levou para a casa dela, por isso não experimentei aquilo... Trump disse que eu "não era bonita o suficiente" [para que ele a atacasse]. Eu era bastante bonita em minha carreira profissional para sentir confiança no meu visual --mas a beleza também é um fardo. Se você não é bonita o suficiente, não é levada a sério; e se você é bonita demais não é levada a sério. De todo modo, você bate de cabeça contra as expectativas dos homens.

Ouvi outras duas mulheres [que acusaram Trump] dizerem que foi uma verdadeira luta depois que suas histórias foram publicadas. Elas viviam em comunidades onde se sentiram muito mais vulneráveis.

Nas últimas semanas, dezenas de denúncias surgiram contra Harvey Weinstein. Ele foi demitido da companhia que leva seu nome e chutado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Como foi para você ver outras mulheres se apresentarem depois que você contou sua história de abuso nas mãos de homens poderosos?

Isso trouxe o assunto à tona, e entre minhas amigas e família nós conversamos a respeito. Não é como abrir uma ferida inflamada. É só uma espécie de frustração, mais que qualquer outra coisa: que essa história em Hollywood está produzindo algum efeito e reação real, isto é, Harvey Weinstein ser demitido, mas quando tentamos conseguir tração sobre Trump, com ele há tantas questões, acho que essa questão simplesmente não era importante o suficiente. E isso é um pouco frustrante.

E eu penso: "Que porcentagem da população masculina se sente livre o suficiente para fazer isso?" Começo a me preocupar com meu próprio neto --devo ter uma conversa com ele, com meu genro?

Você pensa nessas questões mais do que pensava antes de contar sua história?

Oh, Deus, sim.

Por que você acha que a história de Weinstein está se desenrolando de modo tão diferente da história de Trump?

Essa é uma pergunta muito boa, e não tenho certeza se posso respondê-la --tudo o que posso dizer é que no mundo do entretenimento a expressão "teste do sofá" vem desde o início. No mundo da política, Gary Hart foi derrubado apenas por aparecer com uma namorada e ter uma foto tirada. Até certo ponto, parece que esses escândalos pessoais podem afetar um político, mas Trump parece ser a exceção à regra. Não sei por quê, mas ele é realmente de Teflon.

Hoje mesmo recebi uma ligação de uma amiga que disse que sua filha viajou à Inglaterra e foi a uma loja e comprou para sua mãe um "boné de gatinha" de uma artesã local. A dona da loja disse à filha da minha amiga: "Sabe, ficamos realmente marcadas pela história da mulher no avião". Então essas histórias têm pernas, eu acho, e é fascinante como funciona. Mas foi frustrante pensar que conseguimos eleger um homem que tem a moral de um gato vadio.

Assim como você e muitas outras pessoas que falaram contra Trump, muitas acusadoras de Weinstein ficaram em silêncio durante anos, e até décadas. Por que é tão difícil se manifestar?

Eu acho que é porque fomos aculturadas para pensar que de certa forma foi nossa culpa. De algum modo a culpa foi transferida para as mulheres. Você detesta sentir que foi uma vítima. Não é uma sensação que você realmente quer guardar. Acho que é o que aconteceu com muitas mulheres. Elas apenas não quiseram se expor para ser ridicularizadas.

Sua história não impediu que Trump vencesse, mas histórias semelhantes parecem ter derrubado Weinstein. Como isso a faz sentir-se sobre sua própria decisão de se pronunciar?

De maneira egoísta, eu adoraria sentir que causei um impacto, mas realisticamente sou muito pequena, minha história é muito pequena. Acho que precisamos que mais mulheres se adiantem e precisamos ter essa discussão, como precisamos ter uma discussão sobre questões raciais.

Temos um longo caminho a andar, e eu gostaria de sentir que já começamos, mas não tenho muita certeza disso --é cedo demais para dizer. Parece que mais mulheres estão dispostas a se manifestar, e as mulheres se sentem mais empoderadas para ao menos processar esses filhos das putas. Talvez isso seja um avanço. Certamente espero que sim.