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Um ano após jovem negro ser morto, Ferguson tem mudanças a passos lentos

Whitney Curtis/The New York Times
Imagem: Whitney Curtis/The New York Times

Monica Davey

Em Ferguson, EUA

09/08/2015 06h00

Brianna West levantou-se diante do juiz enquanto sua filha Morgan, 3, remexia-se ao lado dela. Brianna tinha esperado semanas para deixar este caso para trás, acusada de descumprir ordens policiais, entre outras coisas. Ela estava preocupada com medo de ter de pagar uma multa alta, e até de passar tempo na prisão, por acusações que ela considerava sem fundamento. Mas a audiência trouxe alívio.

Donald McCullin, um juiz recém-nomeado que, assim como Brianna, é negro, ordenou que ela prestasse dez horas de serviços comunitários. "Ele estava tentando me ajudar", disse Brianna, claramente surpresa.

Foi uma cena totalmente diferente da que os moradores de Ferguson enfrentavam neste tribunal municipal um ano atrás, antes de a agitação tomar conta da cidade após o disparo fatal de um policial branco contra um adolescente negro e desarmado chamado Michael Brown; antes que ele se tornasse um símbolo da desigualdade racial; antes que uma investigação do Departamento de Justiça concluísse que a cidade perseguia, inconstitucionalmente, pessoas negras com uma série de impostos e multas criados em grande parte para aumentar a arrecadação. O departamento também concluiu que o tiroteio não justificava acusações criminais.

No entanto, embora o juiz McCullin pareça um pouco de ar fresco para Ferguson, ele é apenas temporário. Segundo as regras de aposentadoria do tribunal de Missouri, ele deve se retirar dentro de oito meses, quando completar 75 anos. E ele não é a única mudança.

A cidade acabou de contratar um chefe de polícia e um administrador municipal –também negros– para substituir os funcionários brancos que tinham supervisionado as operações que receberam duras críticas no relatório do Departamento de Justiça. Mas eles, também, são contratações temporárias que podem terminar em questão de meses; o novo chefe está apenas de licença de seu departamento em outro Estado.

Enquanto recorda o aniversário de um ano da morte de Brown neste domingo (9), Ferguson, uma comunidade de 21 mil habitantes, de maioria negra, na colcha de retalhos dos subúrbios ao norte de St. Louis, continua sendo um "trabalho em progresso" cheio de interrupções. Nos últimos meses, a cidade tomou medidas para curar as cicatrizes raciais, reconstruindo suas áreas comerciais danificadas e diversificando a administração antes dominada pelos brancos.

Mas como tantas coisas que vieram à tona há um ano, Ferguson permanece dividida –desta vez entre aqueles que pensam que seu progresso é real, e aqueles que acreditam que pouca coisa mudou para além do superfície.

"Foi uma verdadeira ruptura social", disse a senadora Claire McCaskill, democrata de Missouri. "Muitas frustrações reprimidas agora vieram de fato à tona, e isso não se cura em 12 meses. Isso não vai acontecer da noite para o dia. E não vai melhorar em 365 noites. Vai levar anos."

Os protestos noturnos têm desaparecido, mas as autoridades policiais se prepararam para uma nova onda de memoriais, shows, fechamentos de estradas e desobediência civil previstos para o fim de semana, no aniversário da morte de Brown. A família dele fez um apelo por vigílias pacíficas, mas a polícia parece ter se preparado para qualquer resultado.

As melhorias aqui são inegáveis. As autoridades locais, estaduais e federais apontam para novos programas e leis promulgadas desde os protestos, incluindo mais fundos para a formação profissional e assistência aos estudos universitários, e leis diminuindo o percentual da receita que as cidades de Missouri podem conseguir com multas de trânsito –descritas pelo governador Jay Nixon como "a reforma mais radical dos tribunais municipais na história do Estado."

Não muito longe de um distrito comercial marcado pelos incêndios, a Starbucks planeja abrir sua primeira franquia aqui. A Urban League anunciou recentemente um centro de formação profissional no lugar de uma loja de conveniência que foi saqueada e queimada nas manifestações que se seguiram à morte de Brown.

Até mesmo a Guarda Nacional do Missouri, que respondeu aos protestos que em alguns momentos se tornaram violentos em agosto e novembro passados, planeja transformar um prédio fechado em um centro onde tentará recrutar mais guardas da região urbana, disseram oficiais.

Talvez mais importante seja que os líderes da cidade dizem ter renovado seu sistema judiciário municipal, substituindo o juiz de longa data e acabando com duas práticas amplamente criticadas: manter as pessoas na prisão por dias por causa de delitos menores quando elas não podem pagar fiança, e encher aqueles que não se apresentam ao tribunal de acusações de "não comparecimento".

"Veja, quero ser claro em termos inequívocos –esta cidade melhorou", disse Wesley Bell, membro recém-eleito da Câmara Municipal que é negro e representa o bairro onde Brown morreu.

Por baixo da superfície, no entanto, alguns dos problemas da cidade permanecem tão assustadores como nunca. A força policial, esmagadoramente branca quando Brown foi morto, continua esmagadoramente branca ainda hoje. Os esforços para instituir o policiamento "de base comunitária" para melhorar as relações com os moradores negros parecem estar apenas nos estágios iniciais.

Um mar de ideias consideradas por uma Comissão Ferguson nomeada pelo Estado, entre elas o aumento do salário mínimo e a consolidação de pequenos departamentos de polícia, continuou sendo apenas propostas. Da mesma forma, a Assembleia Geral do Missouri considerou mais de 20 projetos de lei para mudar as políticas de policiamento, mas apenas um –o limite para as multas de trânsito – foi aprovado.

Talvez o mais revelador, nas ruas perto de onde Brown morreu, é o fato de as pessoas dizerem que se sentem tão marginalizadas pela polícia quanto há um ano, e tão céticas quanto em relação aos líderes da cidade –negros ou brancos.

"A mentalidade é que ainda é normal a polícia parar, perseguir e extorquir os negros", disse Phil Gassoway, morador de Ferguson e presença constante nas manifestações. "Essa é a norma –ainda é. Não houve nenhuma mudança em lugar nenhum."

Uma nova imagem pública

Enquanto as crianças se reuniam no fim do corredor para ir acampar, Andre Anderson, um comandante da polícia de Glendale, no Arizona, subiu no pódio em frente às câmeras de televisão para ser apresentado como o novo chefe interino de polícia da cidade.

"Nós não podemos fazer isso sem vocês", disse Anderson à multidão reunida no centro comunitário, enfatizando seu compromisso com um novo tipo de policiamento inclusivo, centrado na comunidade. Ele estava acompanhado de Ed Beasley, um negro que já foi administrador municipal em Glendale, e que tinha sido nomeado administrador municipal interino de Ferguson no mês anterior.

Perto deles também estavam os novos membros do Conselho Municipal de Ferguson, entre eles dois negros que foram eleitos em abril, aumentando o número de negros no conselho, que tem sete integrantes, de um para três. Foi um sinal de que a imagem pública começa a ser alterada em Ferguson.

A pressão para apresentar rapidamente uma nova imagem é palpável. A cidade está em negociações com o Departamento de Justiça sobre as conclusões de que as políticas de aplicação da lei de Ferguson eram predatórias. Na quarta-feira, Bell disse que existiam áreas divergentes à medida que Ferguson e o Departamento de Justiça trabalham para chegar a um acordo.

Enquanto isso, entre as iniciativas da Prefeitura para fazer mudanças, ainda há muita coisa em andamento. As tentativas de contratar policiais negros progrediram lentamente: um ano atrás, quatro entre os cerca de 50 policiais da cidade eram negros; esta semana, eles eram cinco, incluindo Anderson, que deve ficar por seis meses. Autoridades da cidade disseram que a contratação de líderes permanentes pode demorar até nove meses e que a cidade precisa acelerar o processo.

E o prefeito James Knowles III, 36, que é branco e já liderou um grupo de Jovens Republicanos, não só permanece no cargo como diz que deve tentar um terceiro mandato, para o desespero dos manifestantes que exigiam sua saída.

Tony Rice, um ativista local que liderou a iniciativa malsucedida para destituir Knowles, zombou do cinismo da Prefeitura para correr para anunciar contratações provisórias. "Isso é o pensamento mais simplista que se pode imaginar –correr para conseguir um chefe de polícia negro, um administrador negro e um juiz negro", disse ele.

"Toda vez em que eles tomaram alguma atitude para fazer algo pela comunidade, é porque foram pressionados e arrastados a iss", disse Rice. "Não é mudança quando alguém o obriga a mudar."

Algumas mudanças são impressionantes. Em uma sessão recente do tribunal municipal, o juiz McCullin pediu a uma mulher com uma bengala para voltar com provas de que era indigente para não ter de pagar uma multa. Para um homem com uma multa de US$ 756, o juiz considerou o tempo que o homem já tinha passado na prisão e baixou a multa.

O serviço comunitário –antes uma raridade por aqui– é a norma para McCullin, um ex-juiz do tribunal do circuito de St. Louis, com uma nuvem de cabelos brancos, que em junho foi chamado de volta da aposentadoria para assumir o cargo. Mas ele deve se aposentar novamente dentro de alguns meses. "Ainda há problemas", disse McCullin em uma entrevista. "Mas temos feito muita coisa."

As autoridades municipais também afirmam que a mudança está em andamento no Departamento de Polícia. Os policiais usam câmeras no corpo, e policiais de patrulha começaram a participar de reuniões de bairro. Com a ajuda de um consultor, o departamento planeja reorganizar os horários de trabalho e as rondas de forma que todos os policiais se concentrem em desenvolver laços mais estreitos com os bairros que patrulham.

No entanto, algumas mudanças não são vistas como positivas. Knowles disse que uma queda acentuada das blitzes de trânsito podem ser um sinal de que a polícia está em dúvida e com medo. "Nós quase não paramos mais ninguém", disse ele.

Observando que alguns têm sugerido que os policiais podem estar se comportando de forma menos agressiva em todo o país após o escrutínio em Ferguson, ele disse: "odeio o fato de as pessoas chamarem isso de 'efeito Ferguson'. Eu disse a algumas pessoas que elas deveriam chamar de efeito Eric Holder –quando o mais alto agente da lei no pais chega e deixa a polícia com medo de fazer seu trabalho."

"Tem policiais que chegam para mim e dizem 'eu não sei o que devo fazer lá fora'", continuou ele. "Estou com medo de parar alguém porque eu vou ser chamado de racista."

Problemas com a polícia continuam

No bairro de prédios baixos, de maioria negra, onde Brown morreu, as opiniões do prefeito não são compartilhadas por muitos. As pessoas dizem que a polícia ainda trata os moradores de forma suspeita, ainda perguntam com agressividade, continuam prendendo gente pelo que eles consideram acusações banais.

"Eles nos perseguem por motivo nenhum", disse Brianna, a mulher que foi notificada para comparecer no tribunal municipal no mês passado. As autoridades municipais dizem que Brianna foi citada por "não cumprimento" de uma ordem de um policial e por um boletim de ocorrência falso. Ela também foi presa por um mandado judicial, de acordo com os registros, porque devia US$ 77 de uma multa antiga por roubar uma cortina de chuveiro com ganchos no valor de US$ 29.

Brianna, 21, conta uma história um pouco diferente sobre a prisão recente. Ela disse que estava discutindo com o namorado fora de seu apartamento quando um policial se aproximou. Eles disseram ao policial que não havia nada de errado, ela disse. "Ele me disse que se eu não desse meu número de Seguridade Social, ele ia me prender –e foi o que ele fez”, disse ela.foi o que ele fez”, disse ela.