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Opinião: EUA precisam de uma nova forma de lidar com as mortes por armas de fogo

John Locher/AP
Imagem: John Locher/AP

Nicholas Kristof

07/10/2015 06h00

Nós já vivemos momentos de luto demais, vimos escolas e faculdades demais devastadas por tiroteios, vimos estudantes demais receberem uma educação em pesar. É hora de uma nova abordagem para a violência das armas.

Estamos furiosos, mas também precisamos ser inteligentes. E, francamente, os esforços liberais, como a proibição de armas de assalto, foram mal concebidos e salvaram poucas vidas, enquanto a conversa desavergonhada de simplesmente proibir armas apenas provocou uma reação que empoderou a Associação Nacional do Rifle.

O que precisamos é de uma abordagem de saúde pública baseada em evidência –o mesmo modelo usado para reduzir as mortes por outras coisas potencialmente perigosas à nossa volta, de piscinas a cigarros. Nós não vamos eliminar as armas nos Estados Unidos, de modo que precisamos descobrir como coexistir com elas.

Primeiro, precisamos compreender a escala do problema: não se trata apenas de um assassinato em massa ocasional como o ocorrido em uma faculdade do Oregon na quinta-feira, mas uma enxurrada contínua de mortes por armas, uma média de 92 por dia nos Estados Unidos. Desde 1970, mais americanos morreram por armas de fogo do que morreram em todas as guerras americanas somadas desde a Guerra da Independência.

Quando informei um número semelhante no passado, lobistas de armas insistiram que não era possível ser verdade. Mas os números são indiscutíveis: menos de 1,4 milhão de mortes em guerras desde 1775, mais da metade na Guerra Civil, contra 1,45 milhão de mortes por armas de fogo desde 1970 (incluindo suicídios, homicídios e acidentes).

Se isso não faz você estremecer, considere isto: nos Estados Unidos, mais alunos de pré-escola são mortos a tiros por ano (82 em 2013) do que policiais no cumprimento do dever (27 em 2013), segundo números dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças e do FBI.

Mais de 60% das mortes por armas de fogo são suicídios e grande parte do restante são homicídios. Os entusiastas de armas zombam da inclusão dos suicídios, dizendo que sem armas as pessoas se matariam de outras formas. Em muitos casos, entretanto, isso não é verdade.

No Reino Unido, as pessoas costumavam se matar colocando suas cabeças no forno e asfixiando com o gás de carvão. Essa forma era responsável por quase metade dos suicídios britânicos no final dos anos 50, mas o Reino Unido então começou a trocar o gás de carvão pelo gás natural, que é muito menos letal. Enfiar a cabeça no forno deixou de ser uma forma confiável de se matar e, surpreendentemente, houve pouca substituição por outros métodos. As taxas de suicídio caíram e permaneceram em um nível baixo.

Os britânicos não proibiram os fornos, apenas os tornaram mais seguros. Precisamos fazer o mesmo com as armas.

Quando escrevi no Twitter sobre a necessidade de tratar da violência das armas após o tiroteio na faculdade em Roseburg, Oregon, um homem chamado Bob reagiu. "Cheque as mortes por acidentes de carro", ele escreveu sarcasticamente. "Acho que devemos proibir carros."

Na verdade, os carros são um exemplo da abordagem de saúde pública que precisamos aplicar às armas. Nós não proibimos carros, mas exigimos carteira de motorista, cintos de segurança, air bags, painéis revestidos, vidros que não estilhaçam e coluna de direção com deformação programada. E reduzimos as mortes em acidentes de trânsito em 95%.

Um problema é que o lobby das armas em grande parte bloqueia a pesquisa para tornar as armas mais seguras. Entre 1973 e 2012, os Institutos Nacionais de Saúde subvencionaram 89 estudos sobre raiva e 212 sobre cólera –e apenas três sobre ferimentos por armas de fogo.

Daniel Webster, um especialista em saúde pública da Universidade Johns Hopkins, notou que em 1999 o governo listou as lojas de armas que mais vendiam armas posteriormente ligadas a crimes. A loja de armas no topo da lista ficou tão embaraçada que adotou voluntariamente medidas para reduzir seu uso por criminosos –e a taxa com que novas armas da loja deixaram de ser usadas em crimes caiu 77%.

Mas em 2003, o Congresso proibiu o governo de publicar essas informações. 

Por que o Congresso está permitindo canais de armas para criminosos?

Os especialistas em saúde pública citam muitas formas com que poderíamos conviver com mais segurança com armas e muitas delas contam com amplo apoio popular.

Uma pesquisa neste ano apontou que a maioria das pessoas, mesmo entre os donos de armas, é favorável a uma checagem universal de antecedentes; regulação mais rígida aos vendedores de armas; exigência de armazenamento seguro nos lares; e uma proibição de 10 anos de posse de arma a qualquer um condenado por violência doméstica, agressão ou infrações semelhantes.

Nós também deveríamos investir em tecnologia de "arma inteligente", como armas que disparam apenas com um número de identificação pessoal ou impressão digital. Deveríamos adotar a "microstamping", tecnologia que permite que o cartucho da bala seja rastreado a uma arma em particular. Podemos exigir seguro de responsabilidade civil para armas, assim como exigimos para carros.

Não está claro se medidas como essas teriam prevenido o assassinato em massa no Oregon. Mas Webster argumenta que políticas de armas mais inteligentes poderiam reduzir as taxas de homicídio em até 50% –e isso significa milhares de vidas por ano. No momento, a passividade dos políticos está simplesmente facilitando para os atiradores.

O lobby das armas argumenta que o problema não são as armas de fogo; são pessoas loucas. Sim, o sistema de saúde mental americano é uma desgraça. Mas para mim, parece que somos todos loucos, já que, como um país, somos incapazes de adotar até mesmo medidas modestas para reduzir a carnificina que faz os Estados Unidos parecerem um campo de batalha.