Topo

Setenta anos depois, norte-americano reencontra húngaras que ajudou a salvar

Alan Golub, ex-piloto dos EUA na Segunda Guerra, levou tecido à força para salvar vidas - Karsten Moran/The New York Times
Alan Golub, ex-piloto dos EUA na Segunda Guerra, levou tecido à força para salvar vidas Imagem: Karsten Moran/The New York Times

Eve M. Kahn

Nova York (EUA)

15/11/2015 06h00

Você nunca sabe quando é que apontar uma pistola em tempos de guerra pode levar a horas de homenagens emocionadas no Brooklyn, em Nova York, 70 anos depois.

Em algum momento de abril de 1945, Alan Golub apontou uma arma para uma lojista de Eschwege, no centro da Alemanha. Ele era piloto das forças norte-americanas, que tinham libertado o campo de concentração de Buchenwald. Ele acabara de conhecer 30 jovens judias húngaras que tinham fugido recentemente do trabalho escravo na fabricação de armas nazistas. Elas estavam escondidas numa escola de Eschwege, tremendo de frio e vestidas com trapos. Ele queria comprar tecido para fazer roupas, mas a lojista se recusava a vender, dizendo que tinha de seguir as regras de racionamento.

"Preciso desses tecidos", disse ele. Quando ela viu a arma, "mudou de ideia", lembrou Golub, 91, no mês passado.

Ele tem uma foto das mulheres húngaras em 1945, usando vestidos quase idênticos costurados com o rolo de tecido floral escuro que ele comprou à força. Depois da guerra, elas se perguntavam o que teria acontecido com o simpático soldado americano --o apelido que deram a ele foi Gúb Gúb-- e ele se perguntava o que acontecera com elas. No mês passado, ele e três das mulheres tiveram um reencontro cheio de lágrimas, resultado de e-mails que voaram durante meses entre os subúrbios de Boston, onde vive Golub; Budapeste, na Hungria; Alemanha; Israel; Nova York e Washington.

Em 26 de outubro, a agência de serviço social Pesach Tikvah, no Brooklyn, promoveu o reencontro de três sobreviventes de Eschwege e uma centena de parentes e amigos, em sua maioria membros da comunidade hassídica. As mulheres, Sari Gruenzweig, Esther Epstein e Lea Singer, sentaram-se radiantes ao lado de Golub durante horas, enquanto a plateia gritava palavras de gratidão em inglês, hebraico e iídiche.

As famílias contaram a Golub sobre filhos, netos e bisnetos, e alguém na multidão ergueu um bebê, tetraneto de uma sobrevivente que tinha usado o tecido que ele tinha providenciado. Ele lembrou que também tinha levado comida e carvão para as mulheres isoladas em Eschwege. Elas haviam sido escravizadas num acampamento satélite de Buchenwald e enviadas numa marcha da morte. Elas tinham visto inúmeras crianças e idosos serem levados de suas aldeias na Hungria.

Golub foi a primeira pessoa a lhes devolver um pouco de dignidade depois de um ano de tormento.

"Eu costurei 16 vestidos; o 17º foi o meu”, disse Gruenzweig à plateia na Pesach Tikvah, explicando como ela tinha feito bom uso do tecido floral para suas amigas naquela escola gelada. Ela tirou a linha de retalhos de roupas velhas. Seu marido, Martin Gruenzweig, estava sentado ao seu lado quando ela contou a história mais uma vez, na mão direita dele era visível uma cicatriz de bala dos nazistas; a bala tinha como alvo seu crânio quando ele foi baleado dentro de uma vala comum.

As três irmãs de Gruenzweig ficaram confinadas na mesma escola, e quando ele as reencontrou, elas apresentaram a amiga e costureira talentosa, e sua futura noiva.

Betty Ungar, uma das filhas dos Gruenzweig, disse que a mãe não tinha deixado que horrores da guerra a tornassem amarga. Na comunidade coesa em que vivem no Brooklyn, disse Ungar, quando "alguém precisava de ajuda, vinha correndo para minha mãe."

No Pesach Tikvah, todos ajudaram a passar cópias da foto de grupo que um fotógrafo do exército tirou em 1945. As mulheres, com seus vestidos feitos com o tecido comprado à força, posavam na escola Eschwege com um capelão do Exército, Robert S. Marcus, que também vinha confortando os sobreviventes de Buchenwald. Golub doou sua cópia original da foto em 1999 para o Yad Vashem, memorial do Holocausto de Israel. Na parte de trás, estão os nomes das mulheres e um bilhete de agradecimento a Golub.

A plateia fotografou Golub e as sobreviventes segurando cópias da foto em grupo. As pessoas admiraram as golas, mangas, botões e bolsos dos vestidos e lembraram os nomes de velhos vilarejos húngaros. Golub, vendedor aposentado de brinquedos e artigos esportivos de Canton, Massachusetts, sintetizou brevemente seus 70 anos seguintes à guerra, que passou criando cinco filhos com sua mulher, Dorothy. Na plateia, tirando mais fotos, respondendo e fazendo perguntas, estava a filha dos Golub, Abby Sullivan, seu marido Gary Sullivan e seus filhos.

Houve discursos breves de executivos da Pesach Tikvah e do chefe do conselho, o rabino David Niederman. Mas, na maior parte do tempo, homenagens improvisadas choveram sobre Golub: "não há tinta suficiente para escrever todas as boas ações que você fez!" e "você salvou um povo inteiro!" e "que você viva até os 120!."

Golub não tinha a intenção de ser festejado. "Estou um pouco envergonhado com tudo isso, para dizer a verdade", disse numa conversa de lado. "Eu não preciso da homenagem. Fico feliz por ter feito um papel pequeno, muito pequeno, para ajudar pessoas necessitadas. Eu achava que era um dever que tinha de ser cumprido."

Duas horas depois, na Pesach Tikvah, ainda havia histórias para contar, mas também crianças para alimentar, consultas médicas para ir e longas viagens de volta para casa.

Golub elogiou os vestidos de Gruenzweig mais uma vez. "Você fez um trabalho maravilhoso", disse a ela.