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"Em um minuto toda a minha vida mudou", diz vítima de atentados em Paris

"Nem sei se poderei andar futuramente. Mas continuo positivo", diz Djamel Cheboub - Pierre Terdjman/The New York Times
"Nem sei se poderei andar futuramente. Mas continuo positivo", diz Djamel Cheboub Imagem: Pierre Terdjman/The New York Times

Liz Alderman

Em Paris

02/12/2015 06h01

Deitado em um leito de hospital, Djamel Cheboub levantou cuidadosamente o pé esquerdo para drenar fluido de um ferimento causado por uma das três balas que o atingiram na noite dos ataques em Paris. Sua perna esquerda, danificada por um tiro na coxa, estava imobilizada. Seis pinos de metal se projetavam de seu braço esquerdo, que foi parcialmente arrancado.

"Em um minuto toda a minha vida mudou", disse Cheboub com um sorriso dolorido, enquanto olhava para as muitas flores que recebeu desde que socorristas o retiraram do terraço ensanguentado do café La Belle Équipe. "Nem sei se poderei andar futuramente. Mas continuo positivo."

Os terroristas que atacaram seis locais em Paris em 13 de novembro mataram 130 pessoas, o que faz deste o pior atentado terrorista na história da França no pós-guerra. Algumas vítimas morreram instantaneamente, outras após horas ou dias de sofrimento.

Mas os atacantes também feriram 413 pessoas. Muitas delas ainda lutam para se recuperar, algumas presas à vida por um fio. Quase cem pessoas continuam hospitalizadas. Assim como Cheboub, muitas vítimas passaram por diversas cirurgias e enfrentarão meses ou mesmo anos de reabilitação física e de incapacidade, além de recuperar-se do trauma psicológico de ver pessoas serem mortas diante de seus olhos.

Ataques transformaram Paris em cenário de guerra

"Parecia um cenário de guerra", disse o médico Philippe Juvin, chefe do departamento de emergências no Hospital Europeu Georges Pompidou, no centro de Paris. As armas que os terroristas usaram para atacar os civis foram criadas para uso em campo de batalha, comentou Juvin. Dois tipos de balas de Kalashnikov foram empregados, um que se fragmenta ao impacto e uma que "escava" o corpo, movendo-se dentro dele antes de sair. "Isto teve a intenção de causar o maior dano possível", disse Juvin.

Em meio ao pandemônio em 13 de novembro, os médicos realizaram quase 300 operações para retirar balas das vítimas --do torso, de órgãos, braços, pernas, pescoços e cérebros--, além de fragmentos de cinturões explosivos que os terroristas detonaram.

Nas primeiras 24 horas, mais de 35 equipes cirúrgicas haviam tratado 76 pessoas com ferimentos que ameaçavam sua vida, segundo o relato horripilante feito por médicos franceses na revista especializada "The Lancet". Sete pessoas morreram depois de ser internadas nos hospitais de Paris, que estão acostumados a receber apenas cinco vítimas de tiros por ano.

Por acaso, na manhã dos ataques os hospitais de Paris tinham realizado um ensaio do chamado Plano Branco para lidar com uma emergência de grande escala, sem saber que o roteiro se concretizaria poucas horas depois.

Após os ataques, as autoridades médicas ativaram imediatamente o plano, mobilizando com rapidez milhares de enfermeiros, médicos, anestesiologistas, ortopedistas e psicólogos e abrindo 200 salas de operação em toda a cidade.

Quarenta e cinco equipes de profissionais médicos de emergência separaram os sobreviventes dos mortos e fizeram a triagem das vítimas. O doutor Mathieu Raux, chefe da unidade de traumas no Hospital Pitié Salpêtrière, um dos maiores de Paris, foi um dos que entraram rapidamente em ação.

Hoje, disse ele, os médicos do hospital ainda cuidam de uma série de feridos, incluindo dois pacientes que tiveram o cérebro atingido por balas de Kalashnikov. Vários médicos disseram que os hospitais de Paris estão refinando o Plano Brancoe preparando-se para outro possível ataque.

Feridos têm "sentimentos de culpa"

A maioria das vítimas dos atentados e suas famílias e um grande número de profissionais médicos estão recebendo apoio psicológico pelo trauma emocional. Muitos precisarão de tratamento durante anos, segundo Fadi Zebouni, psicólogo-chefe no Hospital Salpêtrière, que supervisiona uma equipe de cem profissionais.

"Estas pessoas estão completamente aturdidas", disse ele. "Seus parentes estão mortos ou seriamente feridos, ou mesmo em coma. Até as pessoas que estavam no Bataclan e conseguiram escapar disseram que apesar de não estarem mortos sentem-se psicologicamente mortos", disse ele.

Muitos manifestam sentimentos de "culpa dos sobreviventes", questionando se fizeram o suficiente para ajudar os outros enquanto fugiam. Com o tempo, disse Zebouni, transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) poderão se tornar mais disseminados em Paris do que nos EUA depois dos ataques de 11 de setembro em Nova York, onde morreram cerca de 2.800 pessoas.

Pesquisadores encontraram fortes evidências de que as pessoas que sofreram diretamente ou testemunharam os atentados de 11 de setembro tinham altos níveis de TEPT, segundo um artigo que resume diversos estudos, publicado em "The Lancet" em 2011.

Elas incluíam pessoas que foram feridas, que moravam perto do World Trade Center e cujos cônjuges morreram, assim como profissionais de resgate e socorro. Ao mesmo tempo, grandes porcentagens de pessoas expostas aos ataques de outras maneiras não foram afetadas pelo TEPT ou tiveram apenas reações passageiras de estresse. Elas demonstraram resistência e conseguiram adaptar-se à adversidade que sofreram e continuam com suas vidas.

Em seu pequeno quarto no hospital, Cheboub, 27, tentava fazer isso. Ele preferia se concentrar no futuro e em sua recuperação, e não em como foi ferido. "Mas você não consegue esquecer o que aconteceu", disse.