Topo

Antes de deslizamento de terra, muitos viram sinais de perigo em Shenzhen

Escavadeiras buscam por sobreviventes de deslizamento de terra em Shenzhen, na China - Kim Kyung-Hoon/Reuters
Escavadeiras buscam por sobreviventes de deslizamento de terra em Shenzhen, na China Imagem: Kim Kyung-Hoon/Reuters

Chris Buckley e Austin Ramzy

Em Shenzhen (China)

24/12/2015 06h01

Conforme a montanha de entulho crescia, aumentavam as advertências

O depósito de detritos de obras nos arredores de Shenzhen era propício à erosão perigosa, segundo um relatório de impacto ambiental. As pilhas cada vez maiores de restos de material de construção apresentavam uma "crise", escreveu um jornal local. Até os motoristas de caminhão que despejavam toneladas de entulho e terra lá todos os dias lembraram de uma grande ansiedade enquanto viam o monte crescer.

Mas os alarmes tiveram pouco efeito até que o entulho acumulado desmoronou, enterrando casas e fábricas e obrigando as autoridades chinesas, investigadores, jornalistas e famílias que esperam notícias dos mais de 70 desaparecidos a se perguntar: se tantos viram os riscos, por que ninguém fez nada?

"Todo mundo parece ter um pouco de responsabilidade", disse Liang Jianping, um trabalhador migrante em Shenzhen que esperava notícias de seu primo, empregado numa fábrica perto de onde aconteceu o desastre, no domingo (20).

"As autoridades, as empresas, os motoristas de caminhão, todos estiveram aqui e viram o que estava acontecendo", disse Liang. "Mas não havia medidas de segurança. Todo mundo tem parte da culpa, eu acho."

Na quarta-feira (23) cedo, os socorristas anunciaram que tinham retirado um sobrevivente da densa lama de terra vermelha, com até 10 metros de profundidade, que invadiu uma área equivalente a mais de 70 campos de futebol. As pernas do homem resgatado foram esmagadas, mas ele estava lúcido e disse que havia alguém vivo perto dele, segundo a agência oficial de notícias Xinhua.

Mas os socorristas também encontraram dois corpos. Outros deverão ser recuperados nos próximos dias, e as autoridade de Shenzhen pareciam preparadas para abrandar a ira pública acusando a companhia que operava o depósito. Uma reportagem na mídia chinesa disse que um vice-gerente-geral foi levado pela polícia.

Mas os sobreviventes, parentes dos desaparecidos e até a mídia chinesa, geralmente censurada, pareciam exigir mais desta vez do que as prisões rituais e as condenações que se seguem a desastres aqui. Alguns disseram que tinha de haver uma admissão mais profunda dos riscos criados pela corrida incansável da China atrás de prosperidade, que foi uma marca da expansão de Shenzhen.

"Eles despejavam terra aqui dia e noite", disse um morador desalojado que só deu seu sobrenome, Zhang, temendo represálias por falar à mídia estrangeira. "Nós reclamamos, mas o governo fez ouvidos moucos", disse ele, enquanto esperava com sua família para ser colocado em um ônibus e levado a um hotel arranjado pelo governo.

"Não estou dizendo que eles poderiam ter visto que isso ia acontecer, mas poderiam ver os problemas, que eram óbvios", disse Zhang.

"Isto não é apenas um problema para Shenzhen, mas para toda a China", afirmou Yuan Hongping, professor associado na Universidade Jiaotong do Sudoeste, na província de Sichuan, que pesquisou métodos de disposição de entulho no sul da China.

"O maior problema é que há regulamentos, mas nem sempre são seguidos", disse ele.

A montanha mortal foi construída para solucionar outro problema, o despejo aleatório de terra e entulho de forma perigosa ou prejudicial ao meio ambiente em Shenzhen, um polo fabril que está tentando se transformar em incubadora de alta tecnologia.

No novo distrito de Guangming, a criação do depósito no local de uma antiga mina foi considerado uma solução para o problema crescente do entulho, que era jogado ilegalmente em locais ao redor da cidade. Em 2013, depois do fechamento de um depósito lotado, a situação se tornou extrema. A polícia patrulhava a cidade à noite para evitar que os caminhões despejassem entulho nos parques, valas de drenagem ou estradas, segundo relatou a televisão estatal CCTV na época.

O depósito na antiga mina foi aberto nesse período. A operação do lugar foi originalmente cedida à empresa Luwei de administração de propriedades, que subcontratou a companhia de investimentos Yixianglong. Moradores e motoristas dizem que logo começou a receber enormes quantidades de material, com as caçambas chacoalhando durante a noite.

O governo local promoveu o despejo na aldeia de Hong'ao em seu relatório de trabalho de 2014 como parte dos esforços para fornecer "forte proteção" para "detritos de construção dos principais projetos do novo distrito".

Mas a preocupação aumentava. Em janeiro, uma firma de consultoria ambiental, a Zongxing Technology, publicou uma avaliação advertindo que a erosão no lugar estava "ameaçando a segurança de morros e encostas".

O trabalho foi suspenso "por causa de métodos de operação irregulares anteriores", segundo a avaliação ambiental, publicou o "Legal Daily", jornal do Ministério da Justiça chinês. Mas não está claro quanto tempo durou a suspensão.

Em outubro passado, o jornal "Shenzhen Evening News" publicou uma ampla investigação sobre a enorme quantidade de entulho na cidade.

"A renovação urbana de Shenzhen e a rápida construção de infraestrutura também causaram graves problemas com a disposição dos detritos de obras", disse o artigo. "Muitas cidades tiveram problemas com o transporte secreto e despejo de entulho em várias jurisdições, e isso também criou um negócio em depósitos ilegais de detritos."

Caminhões ainda despejavam entulho dias antes do deslizamento, segundo motoristas e moradores em torno do depósito de entulho de Hong'ao.

No local do desastre na aldeia de Hong'ao, cujo nome significa "buraco vermelho", caminhões continuavam deslocando pilhas de terra amarelada, desta vez afastando-a do enorme deslizamento para outros pontos de coleta em torno da cidade.

Até alguns dias atrás, Wang Shanjie ganhava a vida carregando toneladas de terra e detritos de obras para o depósito de Hong'ao. Na terça-feira ele desfazia o trabalho, um de centenas de motoristas de caminhão que removiam a mesma terra enquanto os socorristas buscavam sobreviventes soterrados.

"Minha opinião pessoal é que isso tinha de acontecer em algum momento", disse Wang enquanto esperava a vez de entrar no local do desastre. "Até nós tínhamos medo."

Mas ele não quis responder a perguntas sobre quem foi o responsável.

"Não sei o que pensar", disse. "Trouxemos a terra para cá e agora temos de retirá-la."