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Palestinos se unem a judeus liberais e conservadores contra cerca em Jerusalém

Soldado israelense observa bairro palestino em Jerusalém Oriental - Uriel Sinai/The New York Times
Soldado israelense observa bairro palestino em Jerusalém Oriental Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

Isabel Kershner

Em Jerusalém (Israel)

08/03/2016 06h00

Um novo plano para separar os bairros judeus e árabes de Jerusalém teve a peculiar diferença de unir a população contra ele.

O plano polêmico, promovido por um grupo de judeus israelenses liberais e apoiado em princípio pelo Partido Trabalhista, de centro-esquerda, cercaria de forma unilateral a maioria dos bairros palestinos de Jerusalém Oriental e transferiria a responsabilidade por seus 200 mil moradores da Prefeitura para a Autoridade Palestina e os militares israelenses na Cisjordânia ocupada.

Lançada com anúncios intitulados "Salvando a Jerusalém Judia", a campanha, de um nacionalismo quase radical, pretende atrair o eleitorado judeu mais amplo, incluindo o crescente centro político de Israel e o "campo nacionalista" conservador.

Em vez disso, ela foi rejeitada nas duas extremidades do espectro político, assim como pelos líderes palestinos.

A nova campanha descreve os moradores palestinos de Jerusalém como uma ameaça à segurança, ao equilíbrio demográfico, aos padrões de vida e à economia da cidade. Ela afirma que a maioria de seus moradores com 18 anos ou menos são palestinos e joga com os temores levantados pelo recente surto de ataques palestinos contra judeus israelenses.

O grupo de esquerda Ir Amim, que defende para Jerusalém o estatuto de dupla capital de Israel e de uma futura Palestina, disse que a proposta "se distancia de qualquer compreensão do tecido da vida cotidiana em Jerusalém". Sem acordo da liderança palestina, acrescentou o grupo, tal medida "levaria ao caos político, urbano e humanitário".

Moshe Arens, um ex-ministro do Partido Likud, conservador, escreveu em um artigo recente que tal divisão "tornou-se essencialmente impossível" e que destituir os árabes de Jerusalém Oriental de suas licenças de residência em Israel "seria legalmente questionável e moralmente repreensível".

Saeb Erekat, o secretário-geral da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), chamou a proposta de "racista". "Milhares de moradores de Jerusalém serão separados de suas escolas, hospitais, locais religiosos e também suas propriedades", disse ele. "Este plano mostra claramente que até membros do chamado lado progressista de Israel estão caindo nas mesmas políticas da direita israelense."

Dividir Jerusalém, que tem em seu centro locais sagrados para judeus, muçulmanos e cristãos, é há muito tempo uma das questões mais emocionais e intratáveis do conflito israelense-palestino.

Israel conquistou a Cidade Velha de Jerusalém e seus arredores, juntamente com a Cisjordânia, da Jordânia na guerra de 1967. Depois expandiu os limites da cidade, conquistando 28 aldeias da Cisjordânia nas terras altas que a cercam, e anexou o território em um ato que nunca foi reconhecido em nível internacional. Desde então, seus líderes reivindicaram a soberania sobre o que consideram a "capital unida" de Israel.

Mas os palestinos exigem que Jerusalém Oriental seja a capital de seu futuro Estado independente. Eles e grande parte do mundo veem as construções feitas por Israel na área anexada desde 1967, que hoje abrigam cerca de 200 mil judeus, como assentamentos ilegais. Estes permaneceriam em Jerusalém Oriental, de acordo com o plano.

A vasta maioria dos 300 mil moradores árabes da cidade --cerca de um terço da população de Jerusalém-- escolheram não pedir a cidadania israelense, mas manter o estatuto de residentes permanentes, que lhes dá direito a benefícios sociais e a trabalhar e mover-se livremente por Israel.

Planos de paz internacionais há muito imaginavam os palestinos controlando as zonas árabes de Jerusalém e Israel controlando as zonas judias, com um acordo especial para a Cidade Velha e seus arredores. Mas este último plano --que removeria cerca de dois terços dos residentes árabes de Jerusalém, ao desconectar da cidade bairros externos populosos como Beit Hanina, Sur Baher e Issawiya-- surge na ausência de negociações de paz e em meio ao crescimento da violência.

"Precisamos abrir um debate público e um debate parlamentar: o que queremos manter?", disse Shaul Arieli, um especialista em mapas que participou de negociações de paz anteriores e ajudou a formular o plano. Propor um plano unilateral para Jerusalém como medida temporária, na ausência de negociações para um acordo permanente, disse ele, "mostra aos israelenses que nada é sagrado".

Arieli, um coronel da reserva do Exército israelense que participou das negociações em Camp David, é uma das mais de 30 figuras públicas israelenses --veteranos dos setores político, diplomático e de segurança-- que assinaram os anúncios da campanha.

Haim Ramon, um ex-ministro do Trabalho e do centrista Partido Kadima que é o arquiteto do novo plano, disse que se os moradores árabes terminarem seu boicote às eleições municipais o próximo prefeito de Jerusalém não será judeu. "Se os palestinos fossem inteligentes, decidiriam usar o voto, em vez da faca", disse ele a repórteres. "Você não pode ter como estratégia que seu inimigo será idiota para sempre."

O longo impasse no processo de paz israelense-palestino fortaleceu várias propostas israelenses de unilateralidade, que geralmente envolvem a desocupação de parte da Cisjordânia.

Tais planos, que pedem que Israel controle seu próprio destino ao definir suas fronteiras, pretende satisfazer a maioria dos judeus israelenses, que querem algum tipo de divisão, mas não acreditam que um acordo de paz pleno será alcançado no presente. Eles imaginam que remover alguns assentamentos e reduzir a quantidade de território da Cisjordânia sob ocupação poderia atenuar parte da pressão internacional contra Israel.

Mas a ideia de Ramon de ceder áreas de Jerusalém Oriental causa confusão, mesmo entre os defensores de outras iniciativas unilaterais que visam apressar a solução de dois Estados.

"Demograficamente, é um argumento atraente", disse Michael Oren, um deputado de centro-direita que propôs suas próprias medidas temporárias envolvendo a retirada de alguns assentamentos. "Israel tem um interesse estratégico de manter uma maioria judia na capital do Estado judeu."

Mas, acrescentou Oren, "lembrem-se de que redefinir quem é morador de Jerusalém não é a única maneira de abordar isso". Por outro lado, ele sugeriu que um incentivo do governo para criar empregos e baixar os impostos municipais poderia encorajar mais judeus israelenses a mudar-se para Jerusalém. 

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AFP