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Em busca de nova imagem, fabricante do fuzil AK-47 vende até roupas da marca

Casal posa para foto com rifles Kalashnikov em uma mostra promocional em Moscou (Rússia) - James Hill/The New York Times
Casal posa para foto com rifles Kalashnikov em uma mostra promocional em Moscou (Rússia) Imagem: James Hill/The New York Times

Andrew E. Kramer

Em Moscou (Rússia)

12/06/2016 06h00

Uma carga de rifles Kalashnikov, popularmente conhecidos como AK-47, era destinada aos Estados Unidos quando foi parada e rapidamente desviada para a Venezuela. Washington tinha acabado de adotar sanções contra Moscou por causa da crise na Ucrânia e a fabricante russa de armas Kalashnikov Kontsern de repente se viu barrada de um de seus maiores mercados.

Sem acesso aos compradores entre os entusiastas americanos de armas, a Kalashnikov teve que mudar sua estratégia, um desafio cada vez mais comum para as empresas russas após a imposição das sanções.

Nos dois anos que se seguiram, a Kalashnikov diversificou em novas linhas de produtos, reduziu seu quadro de funcionários e mudou sua marca. E o fuzil, há muito tempo a arma preferida de forças armadas e grupos militantes e a arma de fogo mais amplamente usada do mundo, passou a ser oferecida a hobistas e caçadores na Rússia.

A nova estratégia parece estar surtindo resultados. À medida que a Kalashnikov preenche o vácuo deixado pelos concorrentes americanos em seu mercado doméstico, ele está a caminho de ter lucro neste ano, reforçado em parte pela desvalorização da moeda.

"Eles começaram a prestar atenção nos clientes", disse Dmitri S. Balyasov, um advogado e entusiasta de tiro que é usuário frequente de um campo de tiro fora de Moscou.

"Eles têm um estilo contemporâneo para venda de um produto", disse Balyasov, segurando uma versão civil legal da arma.

Para uma empresa por trás de uma arma de 70 anos, a mudança de servir a conflitos para servir a consumidores é notável.

A empresa é dona da licença original para fuzis padrão Kalashnikov, conhecidos coloquialmente como AK-47, um nome derivado da palavra russa para automático e o sobrenome do inventor, o general de exército Mikhail T. Kalashnikov, assim como o ano em que surgiu o protótipo. Na era soviética, a principal fábrica de fuzis da Kalashnikov, chamada Fábrica de Mecânica de Izhevsk, era um empreendimento militar estatal que produzia armas em quantidades tremendas, sem preocupação inicial com as vendas.

Os fuzis padrão Kalashnikov são ubíquos em zonas de conflito. Mais de 100 milhões foram vendidos, incluindo incontáveis imitações que o fuzil inspirou na China e em outros lugares. As armas, com enorme pente em forma de banana, são lendariamente robustas e podem permanecer nos arsenais por décadas, limitando a venda de armas novas.

Com o mercado militar em grande parte saturado, a Kalashnikov se tornou cada vez mais dependente da venda de armas para civis. As versões civis disparam apenas uma vez a cada apertar de gatilho, sem a opção de passar a plenamente automática como no fuzil militar.

Antes das sanções, o plano de expansão da Kalashnikov estava focado nos Estados Unidos, onde as leis de posse de armas são mais lenientes do que em muitos outros países.

Apesar das armas russas deterem uma fatia minúscula do mercado americano, as vendas de seus rifles civis e espingardas da marca Saiga e Baikal cresceram em um ritmo maior do que o do mercado em geral. Em 2013, os Estados Unidos eram responsáveis por cerca de 40% das vendas totais de armas da empresa, aproximadamente o equivalente ao volume comprado pelas forças armadas russas, onde cada soldado é equipado com um.

As sanções americanas fecharam a porta para o plano de expansão. As sanções em meados de 2014 visaram diretamente a Rostec, o conglomerado industrial militar estatal que detém uma participação acionária de 51% na Kalashnikov. Elas forçaram a fabricante de armas a rever cuidadosamente seus negócios.

"Estamos passando do ferro ao intelecto", disse Vasily Brovko, diretor de estratégia e comunicações da Rostec.

Ela reduziu seu quadro de gerentes de nível médio na fábrica de Izhevsk em 2015 e diversificou neste ano ao comprar empresas que produzem lanchas e drones de vigilância. Apesar da Kalashnikov não divulgar detalhadamente as vendas de suas várias divisões, sua intenção é que armas de fogo e roupas correspondam a cerca de 80% dos ganhos em 2020, com as vendas de lanchas e drones completando o restante.

Uma linha de roupas da marca Kalashnikov será apresentada em setembro e a empresa planeja abrir 60 lojas de varejo na Rússia até o final do ano, vendendo roupas e rifles. Ela também apresentou uma nova campanha de marketing, com um novo logo (uma letra K estilizada, com pente de munição curvo como o de suas armas) e um slogan, "Kalashnikov: Real. Confiável".

"Kalashnikov é uma marca global", disse Vladimir Dmitriev, o diretor de marketing da empresa, comparando a Kalashnikov à Ferrari ou Caterpillar, empresas que vendem roupa como atividade secundária para explorar o reconhecimento de marca. "Temos razão para crer que haverá demanda por roupas e souvenires com nossos símbolos, tanto quanto nossos produtos principais."

Na Rússia, a Kalashnikov enfrentará um ambiente diferente do que nos Estados Unidos.

Os consumidores russos só podem comprar uma arma de fogo de cano longo com permissão da polícia. Os compradores potenciais não podem ter antecedentes criminais, precisam de um diploma de um curso de segurança para armas e atestado médico de que não possuem doenças mentais. Com poucas exceções, civis não são autorizados a possuir pistolas.

A Kalashnikov está explorando os ideais patrióticos.

Como parte do esforço de marketing, a empresa ergueu um estande enfeitado de balões para promoção do rifle no Parque Gorky de Moscou, em 9 de maio, o Dia da Vitória, o feriado que celebra a derrota da Alemanha nazista em 1945. Esse tipo de promoção, uma que associa a empresa ao governo russo e às forças armadas, representa um contraste em relação aos Estados Unidos, onde o sentimento antigoverno é forte entre o público comprador de armas.

A empresa está exibindo sinais de que sua situação está melhorando.

Ela diz que espera divulgar um lucro de 2,1 bilhão de rublos (cerca de R$ 111 milhões) quando os resultados de 2015 forem publicados neste mês, em comparação a um prejuízo de 340 milhões de rublos em 2014. Ela agora vende menos armas, mas ganha mais dinheiro com cada uma.

Como parte do novo amplo esforço de marketing, a empresa agora envia representantes às lojas de armas na Rússia para promover seus produtos. Na loja do Clube de Caça nos subúrbios de Moscou, a Kalashnikov forneceu dois mostruários exclusivos para seus rifles, e racks e prateleiras para venda de camisetas e ombreiras da sua marca.

"A ideia é cercar o cliente com a marca, para que não se sinta tentado a gastar o dinheiro em outra coisa", disse Brovko, o estrategista da Rostec.

Com a ajuda do vento a favor cambial, a demanda por espingardas e rifles da Kalashnikov na loja superou a de armas produzidas por concorrentes, como a Beretta da Itália, Sauer da Alemanha e Winchester dos Estados Unidos, segundo Alexei V. Lapshin, o dono do Clube de Caça. Os clientes também ficam satisfeitos com a diversidade de opções especiais, incluindo os materiais diferentes para o exterior do rifle, ele disse.

"É uma abordagem muito moderna", ele disse. "Algumas pessoas querem de plástico preto, outras querem de madeira de faia, outras querem de nogueira. Não há dois camaradas com o mesmo gosto."