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Questionar a certidão de nascimento de Obama levou Trump ao protagonismo político

Trump diz, em 2012, que certidão de nascimento é uma "fraude", citando uma fonte "de extrema credibilidade" que teria ligado para seu escritório - Reprodução/Twitter @realDonaldTrump
Trump diz, em 2012, que certidão de nascimento é uma "fraude", citando uma fonte "de extrema credibilidade" que teria ligado para seu escritório Imagem: Reprodução/Twitter @realDonaldTrump

Ashley Parker e Steve Eder*

05/07/2016 06h00

Joseph Farah, um escritor de 61 anos, havia trabalhado por muito tempo na periferia da vida política, publicando uma série em seis partes que afirmava que a soja causava homossexualidade e que "marxistas culturais" tinham um complô para destruir o país.

Mas no início de 2011 ele recebeu a primeira de várias ligações de um empreiteiro imobiliário de Manhattan que queria levar uma de suas teorias à corrente dominante.

Esse empreiteiro, Donald Trump, disse a Farah que compartilhava sua suspeita de que o presidente Barack Obama tivesse nascido fora dos EUA, e que procurava uma maneira de prová-la.

"O que podemos fazer para ir até o fundo disso?", Trump perguntou a ele. "O que podemos fazer para inverter a maré?"

Farah lembra que Trump chegou a propor o envio de investigadores privados ao Havaí, Estado natal de Obama, para resolver a questão.

A avidez de Trump para abraçar a ideia do nascimento fora dos EUA --há muito derrubada e até então limitada aos teóricos da conspiração de extrema-direita-- sugeria antecipadamente como, apenas cinco anos depois, Trump atormentaria seus adversários nas eleições primárias republicanas e confundiria o sistema político.

No movimento chamado de "birther" [que alega a inelegibilidade de Obama à Presidência, sustentada pela tese de ele não ter nascido nos EUA], Trump reconheceu uma oportunidade de se conectar com o eleitorado sobre uma questão que muitos consideravam tabu: o desconforto, em alguns setores da sociedade americana, pela eleição do primeiro presidente negro do país. Ele a utilizou para obter vantagem política, começando sua conexão com a base republicana majoritariamente branca que em sua campanha de 2016 o ajudou a conseguir a nomeação do partido.

"A atração da questão do nascimento era: 'Eu vou enfrentar esse sujeito e vou vencê-lo'", disse Sam Nunberg, que foi um dos assessores de Trump nesse período, mas foi demitido da campanha atual. "Era um grande nicho e uma questão divisora."

E a partir de maio de 2011, quando começou a testar a ideia de que um astro da televisão sem experiência política poderia montar uma campanha à Presidência, Trump não parou de falar sobre isso.

"Por que ele [Obama] não mostra sua certidão de nascimento?", perguntou Trump em "The View", na ABC. "Eu quero ver sua certidão de nascimento", disse ele em "On the Record", na Fox News. E no "Today Show", na NBC, declarou: "Estou começando a pensar que ele não nasceu aqui".

Quanto mais Trump questionava a legitimidade da Presidência Obama, melhor se saía nas primeiras pesquisas do campo republicano em 2012, saltando do quinto lugar para um virtual empate em primeiro.

Esse período frenético culminou seis semanas depois de começar, em uma imagem dividida na tela entre Trump e a sala de imprensa da Casa Branca, onde assessores divulgaram uma imagem da certidão de nascimento do presidente, provando que ele nasceu em Honolulu, e Obama falou diretamente sobre o assunto.

Foi um momento notável que Trump comemorou como uma vitória política.

Então Trump fez algo decididamente atípico: abandonou a questão e raramente voltou a falar sobre ela em público.

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AFP

Segundo pessoas informadas das conversas, pessoas próximas a ele haviam se preocupado com a atenção negativa. Diretores da NBC também temeram que ele estivesse alienando o grande público negro de seu programa de sucesso "O Aprendiz".

Na verdade, o dano estava feito. Alguns líderes negros o denunciaram, como Jesse Jackson, que acusou Trump de atrair os inimigos do presidente com "retórica codificada e encoberta para incitar os temores raciais".

Vários dias depois, Obama aproveitou sua chance de diminuir Trump com uma série de provocações no jantar da Associação de Correspondentes da Casa Branca, enquanto Trump, sentado na plateia, mostrava uma expressão cada vez mais dura. "Mas ninguém está mais feliz, mais orgulhoso, de pôr de lado essa questão da certidão de nascimento do que 'o Donald'", disse ele, provocando risos. "E isso porque ele pode finalmente voltar a se concentrar nos problemas importantes, como: o pouso na lua foi uma fraude?"

Trump, que não quis dar entrevista sobre o assunto, não foi o primeiro a questionar o local de nascimento de Obama. A narrativa de que Obama, filho de pai queniano e mãe americana, talvez não cumprisse o requisito de que o presidente seja um "cidadão natural, nascido no país" surgiu pela primeira vez durante sua candidatura em 2008.

Os assessores de Obama decidiram inicialmente que era melhor ignorar as perguntas; abordá-las apenas lhes daria credibilidade, raciocinaram eles.

E Trump também parecia incerto no início sobre quanto ceticismo devia expressar sobre o local de nascimento do presidente.

"O motivo pelo qual tenho uma pequena dúvida, muito pequena, é porque ele cresceu e ninguém o conhecia", disse ele em uma entrevista em março de 2011. "A coisa toda é muito estranha."

Mas a notícia se espalhou rapidamente. Uma manchete referiu-se a Trump ficar mais "moderado em relação ao nascimento". Outra disse que ele estava "Um tiquinho de nada preocupado". E o programa "Hardball" da NBC repassou os comentários, com a introdução: "Vamos ouvir como ele se une aos 'birthers'".

Se Trump estava oferecendo um balão de testes político, parecia gostar dos resultados. Ele começou circulando, dando entrevistas sobre o assunto e instigando o interesse do público sobre as alegações referentes ao nascimento.

Trump foi estimulado por um assessor chave, Roger J. Stone Jr., um agente político muito elegante conhecido pela malícia e por causar confusões. Stone disse que não plantou a ideia em Trump, mas que quando Trump o procurou com ela o incentivou com o que considerou uma vantagem política.

"Ele estava desconfiado sobre isso, ou pelo menos interessado", disse Stone. Entre os eleitores republicanos, acrescentou, "muitos acreditam que o presidente é estrangeiro, e Trump tem uma capacidade de introduzir na corrente dominante qualquer ideia que esteja fora dela".

Uma pesquisa Gallup daquela época mostrou que apenas 38% dos americanos pesquisados acreditava "com certeza" que Obama tivesse nascido nos EUA. Esse número aumentou para 47% depois que Obama divulgou sua certidão de nascimento.

Trump também continuou procurando Farah, fundador do WorldNetDaily, um site conservador, assim como Jerome Corsi, outro escritor conservador, autor de "Where’s the Birth Certificate? The Case That Barack Obama is Not Eligible to Be President" [Onde está a certidão de nascimento? A tese de que Barack Obama não tem o direito de ser presidente]. (O livro foi publicado pouco depois que Obama divulgou sua certidão, mas chegou ao topo dos best-sellers da Amazon.com antes de ser lançado oficialmente.)

"Ele procurava a confirmação de que estava no caminho certo", disse Farah. "Ele procurava uma espécie de prova certeira que repercutiria entre as pessoas."

Mas o que mais impressionou Farah foi o número de horas que Trump se dispunha a dedicar a esse assunto. "Ele era um sujeito ocupado, um multibilionário, e fiquei surpreso que estivesse disposto a gastar tanto tempo com aquilo", disse ele.

Farah também salientou a Trump que a questão era de "transparência", e Trump começou a usar a expressão. "Ele começou a dizer 'transparência'", disse Nunberg, o ex-assessor de Trump. "É o código para 'este cara é o candidato da Manchúria'."

Trump disse repetidamente que tinha enviado uma equipe de investigadores ao Havaí para descobrir informações sobre o registro de nascimento de Obama. "Eles não podem acreditar no que estão encontrando", disse Trump a "The View" da ABC.

Quando o assunto explodiu, pessoas próximas a Trump ficaram nervosas. Algumas se surpreenderam com a linha de ataque, que já havia sido examinada e rejeitada por muitos canais de notícias conservadores. Entre eles estava uma assessora política informal, Kellyanne Conway, uma pesquisadora republicana, que advertiu que se ele se candidatasse precisaria vencer Obama "sobre os méritos".

Até executivos da NBC, que veiculava "O Aprendiz", o chamaram em particular para atenuar seus comentários, temendo que ele prejudicasse os índices de audiência em um momento em que mais de um milhão de afro-americanos sintonizavam todas as noites, segundo um ex-executivo inteirado das conversas, que falou sob anonimato para divulgar conversas particulares.

A Casa Branca tinha preocupações crescentes. Antes reservado às margens, o problema agora começava a surgir em eventos públicos em todo o país.

O ponto de inflexão foi em meados de abril de 2011, quando o presidente fez um importante discurso sobre o orçamento, mas viu que seus comentários foram obscurecidos por perguntas sobre sua certidão de nascimento.

"Foi basicamente um bloqueador de mensagem que nos impediu de falar sobre as questões que precisávamos discutir, porque a imprensa estava correndo atrás de Donald Trump para saber qual seria a próxima maluquice que ele diria", disse Dan Pfeiffer, então diretor de comunicações da Casa Branca.

A Casa Branca enviou alguém ao Havaí para encontrar o registro de nascimento oficial do presidente, de 1961. (Anos antes, o presidente havia divulgado uma cópia autenticada da certidão.) Com o documento finalmente em mãos, assessores logo marcaram uma entrevista coletiva.

Eles temiam que o próprio Obama apresentando sua certidão na sala de imprensa da Casa Branca, abalaria a dignidade do cargo. Então eles primeiro distribuíram cópias aos repórteres, depois fizeram o presidente apresentar comentários, em que ele advertiu o país para não se deixar distrair "por espetáculos de segunda e apregoadores de feira".

Então, quase com a mesma rapidez que havia começado, a controvérsia amainou. E várias semanas depois Trump decidiu não disputar a nomeação republicana. Embora ele continuasse se saindo bem nas pesquisas, parecia mais concentrado em suas empreitadas no reality show.

Hoje Trump recusa quase assiduamentea  discutir o assunto, que, segundo várias pessoas próximas a ele, sempre teve mais a ver com a arte da performance política do que com ideologia.

"Não falo mais sobre isso", disse Trump ao âncora da MSNBC Chris Matthews depois de um debate republicano no ano passado.

Levantar questões sobre a certidão de nascimento do presidente --e até ameaçar enviar uma equipe de investigadores ao Havaí-- havia servido a seu objetivo, salientando o perfil político de Trump e, quer ele soubesse ou não na época, dando-lhe a base rudimentar sobre a qual construiu sua campanha de 2016.

Ele até passou perto da difamação sobre o nascimento de Obama depois do massacre em Orlando, na Flórida, no mês passado, declarando ao programa "Fox & Friends" que Obama talvez simpatizasse com os extremistas islâmicos. "Ele não entende isso, ou ele entende melhor que ninguém", disse Trump.

Apesar de seu fascínio pela certidão de nascimento do presidente, porém, Trump aparentemente nunca enviou detetives ou se esforçou muito para localizar o documento.

O doutor Alvin Onaka, tabelião estadual do Havaí que lidou com as indagações sobre Obama, disse recentemente por meio de um porta-voz que não tinha evidências ou lembrança de que Trump ou algum representante dele tivesse solicitado os registros do Departamento de Saúde do Estado do Havaí.

*Michael M. Grynbaum e Maggie Haberman colaboraram na reportagem; Kitty Bennett colaborou na pesquisa 

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